Tropas saharauis estacionadas em Guerguerat, no Sul do Sahara Ocidental - Foto El Confidencial Saharaui |
Publicado a 29 abril, 2017 - Fonte: Desde el Atlántico /
Por Carlos Ruiz Miguel, Prof. Catedrático de Direito Constitucional da
Universidade de Santiago de Compostela
A resolução 2351 do Conselho de Segurança apenas menciona num
ponto a crise de Guerguerat… que havia sido o núcleo central das várias
propostas prévios da resolução. A retirada da Frente Polisario da zona, um dia
antes, desativou uma hábil manobra francesa para alterar o estatuto do território.
A resolução 2351 mostra que a Frente Polisario não soube aproveitar a nível das
Nações Unidas as suas vitórias e conquistas na União Europeia e na União Africana.
Mas também mostra que apesar de todas as manobras francesas, Marrocos não só não
avançou nada, como teve que dar um passo atrás (permitindo o regresso do pessoal
civil da MINURSO que expulsou). No final, a crise de Guerguerat, como
referi neste blog em agosto de 2016, teve para Marrocos o mesmo efeito
que a crise das (ilhotas) Perejil.
I. RECORDANDO: A CRISE DAS
PEREJIL DE 2002
Recordemos que a 11 de julho de 2002, tropas marroquinas
invadiram a ilhota espalha desabitada de Perejil. A 17 de julho tropas espanholas
desalojaram os militares marroquinos. A 20 de julho, sob a mediação dos EUA, as
tropas espanholas retiraram-se despois dos Estados Unidos terem garantido o
regresso à situação anterior.
Os elementos básicos dessa crise foram:
1) Um território que não pertence a Marrocos.
2) Um intento de Marrocos de dele se apropriar pela força
3) Uma resposta armada que conduziu ao desalojamento dos militares
marroquinos
4) Uma mediação internacional (neste caso dos EUA) que
garantiu o regresso ao estatuto jurídico anterior frustrando a iniciativa marroquina.
II. A CRISE DE GUERGUERAT DE
2016-2017
A crise de Guerguerat que estala a 11 de agosto de 2016 e
que termina a 28 de abril de 2017, com algumas alterações no guião, reproduz muitos
dos elementos da crise das Perejil, e fundamentalmente acaba com o mesmo
resultado:
1) Um território que não pertence a Marrocos
2) Um intento de Marrocos de dele se apropriar pela força
3) Uma resposta armada que, num primeiro momento não
desaloja, mas trava os militares marroquinos, que posteriormente abandonam a
sua posição
4) Uma ação internacional (da ONU, neste caso) que garante
o regresso ao estatuto anterior do território.
Como é sabido, após a invasão militar marroquina da zona a
11 de agosto de 2016 (“por acaso” aniversário da invasão marroquina da região saharaui
de Río de Oro; Nota: que anteriormente estava sob ocupação da Mauritânia até
esta abandonar o conflito), com a desculpa de um asfaltar de uma estrada, as
tropas da Frente Polisario, ante a inação das Nações Unidas implantaram-se na zona
no dia 28 de agosto bloqueando as tropas marroquinas.
III. A MANOBRA FRANCO-MARROQUINA
PARA OBTER UMA ALTERAÇÃO DE ESTATUTO DA ZONA
Num momento de máxima tensão, e face à determinação da
Frente Polisario e dos seus aliados na região (Argélia e Mauritânia), Marrocos
juntamente com a França, desenhou uma operação de amplo alcance para “salvar a
cara” e, eventualmente, conseguir um lucro. A manobra foi decidir a retirada
“unilateral” no dia 26 de fevereiro (curiosamente, aniversário da retirada de
Espanha do Sahara Ocidental) de 2017. Como era previsível, a Frente Polisario não
retirou.
E aí teve início a “segunda fase” da manobra
franco-marroquina que consistia em desviar a atenção das questões fundamentais do
Sahara Ocidental para conseguir uma alteração do estatuto do território. Para isso
contavam com a notória cumplicidade do novo Secretário-Geral da ONU, António
Guterres.
Para dar mais credibilidade à manobra Marrocos inclusive
viu-se forçado a readmitir os funcionários civis da MINURSO (Missão das Nações Unidas
para o Referendo no Sahara Ocidental) que tinha expulsado um ano antes!
Essa manobra esteve a ponto de se consumar numa resolução
do Conselho de Segurança de gravíssimas consequências.
IV. RÚSSIA, URUGUAI E FRENTE
POLISARIO ABORTAM A MANOBRA
Porém, a manobra foi abortada com a retirada da região das
tropas da Frente Polisario, a 27 de abril de 2017, que foi oficialmente
reconhecida num comunicado das Nações Unidas de 28 de abril. Desta
forma o projeto
de resolução promovido pela França foi desativado, graças às pressões diplomáticas
da Rússia e do Uruguai na sequência da retirada dos militares da Frente
Polisario.
O resultado é que o estatuto jurídico do território foi reiterado
na Resolução
2351 do Conselho de Segurança que foi aprovada por unanimidade no Conselho de Segurança
no dia 28 de abril de 2017.
V. BALANÇO
Marrocos não ganha o território que tinha pretendido
ocupar.
Marrocos teve que se desautorizar a si mesmo permitindo o
regresso do pessoal civil da MINURSO que tinha expulsado um ano antes.
Desativada a crise de Guerguerat, Marrocos volta a ficar
sob pressão para relançar o processo de negociações que havia bloqueado. Para o
comprovar, basta ler a declaração da representante dos Estados Unidos no Conselho
de Segurança.
Marrocos perde, no último momento, um importante triunfo
que já começava a dar por adquirido.
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