terça-feira, 28 de dezembro de 2010

CARTA ABERTA AO GOVERNO SOBRE A POSIÇÃO PORTUGUESA FACE À QUESTÃO DO SAHARA OCIDENTAL


Miguel Galvão Teles, um dos 28 dos subscritores da Carta Aberta ao Governo português, conta com uma longa experiência em intervenções junto do Tribunal Internacional de Justiça e em Tribunais Arbitrais Internacionais. É membro do Tribunal Permanente de Arbitragem, Haia.


Exmº. Senhor Primeiro-ministro
Exmº. Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros


Acompanhámos com dor e indignação a operação de repressão do governo do Reino de Marrocos que se abateu sobre a população sarauí de El Aaiún, como resposta ao levantamento pacífico do Acampamento da Dignidade de Gdeim Izik. O facto de ter sido antecedida de medidas intencionais de isolamento do território redobra os nossos sentimentos. Estranhando o incompreensível silêncio do Governo português perante tais violações dos direitos humanos, vimos reclamar a sua condenação pública inequívoca.

O Acampamento da Dignidade quis exprimir o protesto, por parte dos cidadãos e das cidadãs sarauís, pela continuada discriminação, nomeadamente em termos sócio-económicos, de que são alvo na sua própria terra. Se esta realidade era já conhecida de quem contacta ou se interessa pela região, ela tornou-se, através deste acto pacífico e de coragem, evidente para todo o mundo. Perante a recusa marroquina em responder às questões colocadas pela Comissão Europeia sobre quem usufrui das riquezas que são produzidas no território, os sarauís deram o seu testemunho. Neste contexto, e de acordo com o Direito Internacional, como foi demonstrado e reconhecido pelos serviços jurídicos do Parlamento Europeu, não será possível renovar o Acordo de Pescas entre a União Europeia e Marrocos, que se encontra em fase de renegociação. Solicitamos ao Governo português que clarifique rapidamente a sua posição, baseando-se nos princípios do Direito Internacional.

Esta última vaga de violações dos direitos humanos contra cidadãos sarauís e as suas organizações tem precedentes e graves. Na realidade, instituiu-se como uma política e uma prática constantes, favorecidas pelo controlo informativo por parte das autoridades marroquinas. É urgente uma monitorização rigorosa e imparcial dos factos, que a MINURSO (United Nations Mission for the Referendum in Western Sahara), estabelecida em 1991, pode assegurar, tal como acontece com todas as outras missões de paz das Nações Unidas. Pedimos ao Governo português que se empenhe activamente para que o Conselho de Segurança inclua na MINURSO, o mais rapidamente possível, um mandato de monitorização dos direitos humanos no Sahara Ocidental.

Sabemos, nomeadamente pela experiência de Timor-Leste, que os direitos do povo sarauí só poderão ser plenamente exercidos quando se fizer ouvir a sua voz, no quadro de um acto de auto-determinação justo e livre, internacionalmente conduzido e supervisionado. Todas as medidas anteriormente apontadas são necessárias e urgentes, mas não são suficientes. Uma solução clara deste conflito abrirá novas perspectivas para Marrocos, para a região e para o diálogo euro-mediterrânico.

Não podemos aceitar que a nossa política externa tenha dois pesos e duas medidas. Portugal cumpriu um papel essencial na libertação do povo timorense e solicitou a outros Estados, nesse marco, o cumprimento do Direito Internacional. Sejamos coerentes. Apoiemos todos os esforços internacionais conducentes à realização do referendo de autodeterminação. É esta a política que queremos ver concretizada pelo Governo português.

Lisboa, Dezembro de 2010


• Adelino Gomes, jornalista
• Alice Vieira, escritora
• Álvaro Siza Vieira, arquitecto
• Ana Tostões, arquitecta
• Frei Bento Domingues
• Eduarda Maio, jornalista
• Francisco Teixeira da Mota, advogado
• Jacinto Lucas Pires, escritor
• Janita Salomé, músico
• João Proença, dirigente sindical
• José Augusto França, ensaísta
• José Luís Peixoto, escritor
• José Mattoso, historiador
• José Ribeiro, editor
• Joaquim Azevedo, professor universitário
• Luís Moita, professor universitário
• Manuel Carvalho da Silva, dirigente sindical
• Manuel da Costa Cabral, pintor
• Mário Nogueira, dirigente sindical
• Miguel Galvão Teles, advogado
• Miguel Gomes, realizador de cinema
• Miguel Oliveira da Silva, médico
• Maria Helena Mira Mateus, investigadora
• Maria João Seixas, jornalista
• Paulo Sucena, dirigente sindical
• Teresa Féria, jurista
• Vasco Lourenço, tenente-coronel
• Viriato Soromenho Marques, professor universitário

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