quarta-feira, 4 de maio de 2011

Mohamed Abdelaziz: "Os marroquinos têm-nos matado, mas mantemos a dignidade"


Mohamed Abdelaziz, presidente do Governo saharaui, em trevista ao jornal espanhol Público confia na via pacífica para reclamar o direito à autodeterminação do seu povo. A protecção dos direitos humanos nas zonas ocupadas continua a ser uma função da responsabilidade da ONU.
Após o desmantelamento do acampamento de protesto de Gdem Izik, em El Aiún, por parte do exército de Marrocos no passado mês de Novembro, a supervisão dos direitos humanos no Sahara Ocidental voltou a ser lembrado como o trabalho inacabado da Organização das Nações Unidas.
Na semana passada, o Conselho de Segurança da ONU renovou por mais um ano o mandato da missão de paz no Sahara Ocidental, a MINURSO, com um reconhecimento da necessidade de "melhorar" estes direitos sem, no entanto, inclui-los como tarefa própria da missão das Nações Unidas. O Governo da República Árabe Saharaui Democrática (RASD), com Mohamed Abdelaziz à cabeça, considera que a ONU apenas "em parte" protege  os saharauis.

Por que razão continua sem se incluir a protecção dos direitos humanos no mandato da MINURSO?

Lamentavelmente há membros do Conselho de Segurança, como a França, que pressionam para impedir que se inclua a supervisão dos direitos humanos no Sahara, colocando-se nitidamente ao lado de Marrocos, e com o apoio de Espanha.

A responsabilidade é, pois, da comunidade internacional?

Tem que haver mais pressão sobre Marrocos para que ponha fim às práticas de violações de direitos humanos. Um método, que não é único, seria o de romper o bloqueio imposto por Mohamed VI sobre el Sahara através de observadores independentes. As Nações Unidas deve estar com os saharauis na sua resistência diária e ser testemunha do que aí sofrem, como as torturas e as detenções.

Em que ponto se encontram as conversações com Marrocos?

O tema de discussão do último encontro entre as delegações da Frente Polisario e Marrocos, realizado em Malta, foi o das propostas, mas não se registaram grandes avanços. Acordou-se realizar um outro encontro em finais de Maio. De cada vez os esforços das negociações chocam com a intransigência da parte marroquina pelo simples facto de que o governo de Marrocos repudia a aplicação das resoluções das Nações Unidas.

Em que consiste a proposta saharaui?

Três opções: a autonomia, a independência e a integração em Marrocos. Mas a escolha terá que ser feita a través de referendo. Se no referendo ganhar a independência, estamos dispostos a discutir as preocupações marroquinas e a entendermo-nos com os colonos e, inclusive, analisar a questão económica, assim como a exploração dos recursos naturais do Sahara Ocidental. A proposta marroquina resume-se, apenas e só, a uma: a autonomia. Autonomia que estamos dispostos a aceitar desde que seja o povo a decidir em referendo.

O Marrocos é o único obstáculo para alcançar uma solução para o conflito?

Mohamed VI sabe que o Sahara Ocidental é uma questão de descolonização, e que ninguém reconhece a sua soberania sobre o território ocupado e que, no caso de haver um referendo, os saharauis escolherão ser livres e independentes. Mas, com a ajuda de Espanha e de França, impõe pela força que os saharauis se convertam em escravos. As Nações Unidas são também parte do conflito.

Como reagiu a Frente Polisario face ao desalojamento do acampamento de protesto nos arredores de El Aiún?

Tratou-se de uma flagrante violação do cessar-fogo. O último relatório do secretário-geral das Nações Unidas afirma que Marrocos impediu a movimentação aos observadores da MINURSO no momento da repressão no acampamento de Gdem Izik. A França tem uma posição lamentável em que repudia a responsabilidade de Marrocos nas violações de direitos humanos, garantindo a protecção desse regime e das suas práticas no Sahara Ocidental. A nossa posição pacífica oferecemo-la antes de Gdem Izik, durante e depois. Por isso repudiamos a ocupação imposta por Marrocos e o silêncio da comunidade internacional ante as práticas repressivas, mas sem voltar de novo à violência. Neste processo temos oferecido as nossas vidas. Os marroquinos têm-nos matado com o seu armamento e, no entanto, mantemos a dignidade. Estamos ainda a aguardar que algum governo diga a Marrocos 'basta' e não permita que prossigam as matanças. Não renunciaremos aos nossos direitos, não vamos entregar o nosso território e, se por causa dele, tivermos que ser alvo de um genocídio, estamos dispostos a fazer esse sacrifício. Agora resta só a responsabilidade internacional.

Há sectores da população saharaui que começam a questionar os métodos pacíficos…

Acordámos o cessar-fogo com Marrocos em 1991 na condição da celebração de um referendo de autodeterminação prometido pelas Nações Unidas no prazo de 8 meses. O seu incumprimento gerou uma grande frustração em toda a população e a gente vê decepcionada como a ONU nada faz para cumprir a sua promessa. Esta decepção levou-nos a 21 de Maio de 2005 a começar a “intifidada”: um movimento de resistência pacífica dentro de Marrocos e nas zonas ocupadas. Até agora temos utilizado essa via. É uma forma de exercer pressão também sobre a comunidade internacional. Este movimento culminou no acampamento de Gdem Izik, quando mais de 20.000 saharauis saíram para os arredores de El Aiún para dizer ao mundo que repudiamos a ocupação marroquina e que lutamos por fazer valer os nossos legítimos direitos. Marrocos, como governo repressivo que não aceita a liberdade de expressão nem de manifestação pacífica, exerceu uma repressão brutal, um verdadeiro escândalo que pôs a descoberto a verdadeira face de um regime que viola os direitos humanos e a legalidade internacional. Mesmo assim, utilizámos esta resistência pacífica em vez das armas, porque foi assim que se chegou a uma solução noutros lugares, como a África do Sul, Tunísia e Egipto. Continuam vivos os efeitos da repressão em Gdem Izik; existem ainda presos políticos desse acampamento, foram destruídos bens de cidadãos saharauis...No entanto, reafirmamos o compromisso com os nossos métodos de nos relacionarmos com as Nações Unidas, prosseguir as negociações e praticar a resistência pacífica, que inclui o respeito pelo cessar-fogo e adiar o retorno à luta armada.

Durante quanto tempo aderirão a esses métodos?

Bom, em relação a essa pergunta não posso responder.

Publico.es
PATRICIA CAMPELO Acampamento '27 de Fevereiro (Argélia) 03/05/2011 

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