Carlos Echeverría, Doutor em Ciências Políticas e Sociologia
pela Universidade Complutense de Madrid e Professor de Relações Internacionais
da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da UNED, analisa a questão do
Sahara à luz dos últimos acontecimentos.
O que a Resolução 2099 -- aprovada por unanimidade pelo
Conselho de Segurança da ONU no dia 25 de abril e que prorroga o Mandato da Missão
das Nações Unidas para o Referendo no Sahara O (MINURSO) até 30 de abril de
2014 ---, não garante é que o statu quo
vá perdurar como esteve até agora. Ainda que o conteúdo da Resolução não se tenha
modificado substancialmente, o que sim está em processo de mudança – e acelerado
– é o contexto em que o conflito deve ser analisado. A crise entre os EUA e
Marrocos que rodeou as negociações da dita Resolução, e a situação sobre o terreno,
servem para o ilustrar.
O pano de fundo da crise
entre Washington e Rabat
Se já em 2012 alguns atores tentaram introduzir, infrutiferamente,
no Mandato da MINURSO a questão da supervisão dos direitos humanos – tanto no território
ocupado por Marrocos como nos acampamentos de refugiados saharauis fora dele –,
em abril de 2013 foram os EUA, tradicional aliado de Marrocos, o campeão da referida
iniciativa. E fê-lo não só porque esteve ou está presente nos mandatos de outras
missões da ONU, mas também porque a evolução dos acontecimentos assim o exige,
por um lado; e também porque destacadas personalidades do establishment diplomático norte-americano o apoiaram. A Embaixadora
dos EUA junto das Nações Unidas, a “africanista” Susan Rice, e o próprio Secretário
de Estado, John Kerry, sucessor da muito mais pragmática Hillary R. Clinton e
homem próximo do ‘clã Kennedy’ e da sua rede de organizações defensoras dos direitos
humanos, foram seus defensores.
Washington leva pouco mais de dois anos gerindo como pode a
tempestade que representam as revoltas árabes e estamos no segundo mandato do
presidente Barack H. Obama que já dissera em 2009 - com seu discurso no Cairo –
que as mudanças do mundo árabe-muçulmano não definem necessariamente uma
estratégia desenvolvida para a região (George W. Bush sim, tinha desenvolvido,
com sucessos e fracassos, uma "Grande Estratégia para o Médio Oriente").
Com o pano de fundo de acontecimentos traumáticos como as
sangrentas revoltas na Siria, o assassinato do Embaixador Chris Stevens e três dos
seus colaboradores, em Bengasi em setembro de 2012, ou a intervenção militar
liderada pela França no Mali desde o passado mês de janeiro, os EUA parecem ver-se
obrigados a atuar a reboque dos acontecimentos. Um cenário em que esta análise se
verifica é Marrocos e o Sahara Ocidental.
A embaixadora dos EUA na ONU, Susan Rice, e John Kerry, Secretário de Estado |
Acelerado processo de
mudança no Sahara ocupado
Recordando de novo que as primeiras revoltas árabes tiveram
como cenário o Sahara Ocidental ocupado por Marrocos – com a instalação do
acampamento de protesto de Gdeim Izik em
outubro de 2010, e a violenta dissolução do mesmo no mês seguinte -- e que
essas revoltas criaram um antes e um depois, em termos de convivência dentro do
território, e que os ecos desses eventos voltaram a estar na atualidade no início
deste ano com o julgamento em tribunal militar marroquino dos saharauis acusados
pela morte violenta de onze polícias marroquinos em El Aaiún, vemos que o
contexto em que se inseriu a aprovação da referida Resolução 2099 foi muito
diferente daquele que, esgotadamente, tem sido durante anos o de prorrogar o
mandato da MINURSO.
Também é importante considerar que a retirada de confiança,
em 2012, ao diplomata Christopher Ross por parte de Marrocos no seu papel de enviado
pessoal do Secretário-Geral da ONU para este conflito - decisão que Mohamed VI teve
que revogar de seguida sob pressão de Washington – e a agudas críticas dirigidas
pelo monarca marroquino contra a Argélia, no passado outono, são elementos
adicionais que servem para ilustrar um ambiente cada vez mais carregado.
O agravamento da ameaça do terrorismo jihadista salafista no
Sahel deu à Argélia um protagonismo nos esforços diplomáticos desenvolvidos ao
longo de 2012, e a intervenção militar liderada pela França desde o passado dia
11 de janeiro reforça também a referida tendência. De Rabat percebe-se muito mal
que os EUA, França, Reino Unido ou Espanha cortejam a Argélia, pois sentem isso
como que um ofuscamento de Marrocos. Além disso, desde Rabat, foi visto com
receio a chegada do socialista François Hollande à Presidência da República temendo-se
um volte-face no tradicional apoio de Paris a Marrocos na região. Hoje os
referidos temores foram superados, mas os recentes distúrbios em El Aaiún (quatro
dias seguidos de protestos), refletem o esgotamento da coexistência no Sahara
ocupado, a visibilidade que ganham estes acontecimentos através das redes sociais
que antes não se conheciam, e os vaivéns das políticas externas de aliados
tradicionalmente fiáveis – com os EUA à cabeça– preocupam e continuarão a preocupar
o poder marroquino.
Fonte:
Ateneadigital.es
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