domingo, 4 de maio de 2014

"Se a ONU não avança para a solução do conflito, os saharauis devem preparar-se para voltar às armas em 2015"

O primeiro-ministro saharauiAbdel Gader Taleb Omar / Foto: Bru Rovira

  • Entrevista com o primeiro-ministro da Frente Polisario, convencido de que se pode regressar às armas se o conflito não se resolver: "A Polisario já enfrentou Marrocos com menos armas e menos gente do que as que temos agora"

  • Ante a passividade da ONU, Abdel Gader Taleb Omar recusa a conversão numa autonomia de Marrocos: "Aqueles que pensam que o prolongamento do conflito nos desanimará e que acabaremos por aceitar a proposta marroquina, equivocam-se"

  • O líder saharaui, que está "abrindo o caminho aos jovens", pede uma solução à comunidade internacional e qualifica de "dececionante e distante" a relação do Governo de Rajoy com o povo saharaui

Os saharauis estão cansados de esperar. Há quase 40 anos que anseiam regressar ao seu país e há já 23 anos que vivem sob cessar-fogo, ouvindo promessas que as leva o vento deste deserto hostil onde vivem em condições miseráveis​​. Embora quase ninguém confie nas resoluções das Nações Unidas, na terça-feira estavam particularmente atentos às notícias de Nova Iorque. Não foram boas. Foram as de sempre. A ONU decidiu não resolver nada até ao próximo ano. A enorme paciência dos saharauis está atingindo o seu limite e nos campos de refugiados está aumentando um siroco que atinge também a Polisario. A frente de libertação, que tem mantido unido este povo face ao inimigo, também sofre o desgaste. Por ocasião do FiSahara 2014, o primeiro-ministro da Frente Polisario, Abdel Gader Taleb Omar, recebe-me numa sala modesta da residência do governador da Wilaya (província ou acampamento) de Dakhla. Mostra-se tranquilo, embora não possa ocultar que se avizinha uma tempestade no deserto.

Como valoriza a resolução das Nações Unidas?

A resolução não atribuiu à MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo do Sahara Ocidental) a prerrogativa para vigiar o respeito dos direitos humanos, mas o relatório prévio do Secretário-Geral, Banki Moon, obriga a ONU a forçar outro cenário se dentro de um ano caso não tenha havido avanços. O relatório reconhece o envolvimento das Nações Unidas numa descolonização que tem que terminar em referendo. Pela primeira vez, assinala que não se podem explorar os recursos do Sahara Ocidental contra os saharauis. E, além disso, chama as partes a assegurar o respeito dos direitos humanos em colaboração com os organismos internacionais. Não é tudo negativo, ainda que saibamos que a resolução pode levar a uma deceção para o povo saharaui que o empurrará para a radicalização de posições. A ONU está disso consciente e esperamos que isso os obrigue a acelerar o processo.  

Estão em desvantagem frente a Marrocos que conta com o apoio da França, um país com direito a veto no Conselho de Segurança. O que os faz pensar que têm possibilidades de alcançar os vossos objetivos?

O conflito não afeta só os saharauis. Impede que se aborde a solução de outros problemas da região, como a imigração, o terrorismo e o narcotráfico que também afetam a Europa. Além disso, Marrocos é hoje refém da sua própria
ocupação. Está mobilizando tropas, corpos de segurança e meios económicos para comprar apoios. Está numa situação económica e política difícil e o seu descrédito impede-o de mover-se livremente no palco internacional. Também a população saharaui perdeu o medo nos territórios ocupados e Marrocos não está numa posição cómoda. Esta é uma guerra de desgaste e a fatura está aí… A França também tem que pagar uma fatura internacional pela sua falta de respeito pelos direitos humanos.

E que opinião faz do papel da Espanha? 

Um dos nossos problemas é que não temos nenhum padrinho. O nosso padrinho abandonou-nos e foi isso que nos levou a esta situação. Os dois grandes partidos espanhóis apoiam a causa saharaui quando estão na oposição, mas esquecem-na quando chegam ao governo… Não representam a sociedade espanhola que está com o povo saharaui. Sentimo-nos abandonados porque Espanha não só tem uma responsabilidade histórica, como também jurídica. Continua a ser a potência administrante reconhecida pela ONU. Poderia fazer muito mais por nós como o fez um país menos influente, como é Portugal, em relação à descolonização de Timor.

Mariano Rajoy, Chefe do Governo de Espanha e líder do PP

Qual é a relação atual com o Governo de Rajoy?

Dececionante e distante. Diria que ainda pior do que com o PSOE que, pelo menos, apoiou a cooperação e facilitou os vistos para os doentes, coisa que o PP nem sequer o faz. De vez em quando defendem o direito de autodeterminação do Sahara, mas logo depois lançam flores a Marrocos.

Durante os últimos anos, as negociações centraram-se mais no respeito pelos direitos humanos do que na recuperação da soberania.

O nosso objetivo é a soberania mas, como a resolução se foi arrastando, entendemos que o respeito pelos direitos humanos cria um ambiente propício para o diálogo e permite que esta longa espera seja mais suportável para os saharauis para que possam expressar a sua posição, sem coerção. É um meio para alcançar o nosso objetivo final.

Não colocam a hipótese de aceitar a oferta marroquina de converterem-se numa autonomia dentro de Marrocos?

Marrocos carece do direito de outorgar autonomia porque o território não lhe pertence. O plano Baker propunha uma autonomia de 5 anos seguida por um referendo de autodeterminação, mas Marrocos não o aceitou porque não admitia o referendo. Nós sim. Só aceitaremos uma oferta admitida por todo o povo saharaui e ofereceremos, aos colonos marroquinos que assim o queiram, ter a nacionalidade saharaui. Seremos generosos com quem aceitar a independência da República do Sahara Ocidental. Não há inimigos permanentes.

O que poderá acontecer se dentro de um ano a ONU não resolve nada de novo?

Não há que esperar por esse dia, há que continuar a trabalhar durante este ano para que a 29 de abril de 2015 se tenham produzido avanços sérios.

E se não for assim?

A ONU tem então a obrigação de impor a Marrocos uma solução. Quando a comunidade internacional quer, pode fazê-lo utilizando meios militares ou sanções económicas. Isso privará Marrocos da possibilidade de continuar reprimindo que é a forma como controlam hoje a situação.

E se nem essas vias funcionarem… que opção vos resta?

Regressar às armas. Os saharauis estão fartos.

Colocam-na como possibilidade?

Porque não? Não podemos estar de braços cruzados.

Mas têm potencial militar para afrontar uma guerra?

A Polisario já combateu Marrocos com menos armas e com menos gente do que as que temos agora. Estamos dispostos a tudo menos voltar atrás. Aqueles que pensam que o prolongamento do conflito nos desanimará e que acabaremos por aceitar a proposta marroquina, enganam-se. Apenas estão empurrando a gente para a radicalização.

Observei-o, sobretudo nos jovens...

Compreendemos a sua impaciência. A direção mantem contactos com eles e não é nenhum segredo que temos dificuldades em convencê-los. A ONU fixou um prazo e temos que preparar-nos para chegar a uma saída pacífica mas se não se alcança essa via, há que estar preparados para outras opções.

A partir de que momento estariam dispostos a regressar às armas?

A ONU fixou a data de 29 de abril, que é uma data determinante, e se nesse momento a resolução da ONU não mudar, faremos um chamamento ao retomar das armas. É um tema de discussão atualmente não só nas instâncias da Polisario mas em toda a sociedade do Sahara. A ONU está consciente do sentimento geral de impaciência dos saharauis e por isso elaborou o seu relatório favorável à nossa autodeterminação. Não nos cansamos de repetir-lhes que devem acelerar esse processo para evitar que caiamos de novo na violência. Esperamos que a ONU avance, se não os saharauis devem preparar-se para retomar as armas.

A juventude desencantada é um caldo de cultivo para grupos radicais como a Al Qaeda. Temem que tentem mobilizar esses jovens?

Nós não temos nenhuma relação com a Al Qaeda. Os marroquinos procuram a todo o transe relacionar-nos com eles mas durante 40 anos nunca puderam demonstrar nada. Somos grupos de ideologias opostas. A Polisario pode afirmar que os serviços de inteligência marroquinos têm relações com a AL Qaeda e que estão por detrás do sequestro dos três cooperantes nos campos de refugiados com o objetivo de cortar a ajuda humanitária e isolar os acampamentos.

Esses jovens e também os não tão jovens reclamam da Polisario uma renovação porque os dirigentes do movimento está há demasiados anos nos seus cargos…

Também estamos conscientes disso e estamos a trabalhar para a abertura aos jovens. O próprio Presidente no último congresso da Polisario propôs que houvesse um novo secretário-geral e novos cargos, mas as bases preferiram conservar a experiência dos mais veteranos enquanto dure esta situação de conflito e ir renovar a Polisario paulatinamente. Há já alguns quadros jovens e muitas mulheres no parlamento. A renovação é outra questão que nos preocupa.

Depois de 40 anos, o que diz ao seu povo para que continuem a esperar…

Estes 40 anos, apesar de todo, não foram em vão. Criámos no exílio uma estrutura de um Estado a que o único que lhe falta é recuperar soberania que a ocupação ilegal de Marrocos nos arrebatou. Continuamos esperançados porque não temos outra saída.


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