Uma das manifestações realizadas em El Aaiún após a aprovação da resolução 2099, a 25 de abril. Foto: Rede de Meios Radio Maizirat. |
A imprensa marroquina próxima
do rei Mohamed VI continua a propagar como um grande triunfo diplomático do seu
monarca o ter conseguido mexer os ‘cordéis’ para impedir que, no Conselho de
Segurança da ONU, tivesse tido êxito a iniciativa norte-americana sobre direitos
humanos e, em seu lugar, tivesse sido aprovada a “descafeinada” resolução 2099.
Tudo aponta, porém, para o facto de o majzén
ter perdido uma grande oportunidade de conseguir muito a troco de muito pouco.
Uma concessão do monarca
alauita em matéria de direitos humanos, já o afirmei, não garantia uma aplicação
imediata nem efetiva a favor das vítimas saharauis. Os casos do Congo, Ruanda ou
da Costa do Marfim constituem um bom exemplo de grandes fracassos na defesa dos
direitos humanos pelos capacetes azuis da ONU, seja por lentidão burocrática ou
porque há membros do Conselho de Segurança ativamente empenhados em favorecer uma
das partes do conflito.
O silêncio no relatório do secretário-geral
da ONU sobre o escandaloso incidente que custou um brutal espancamento a três jovens
saharauis sequestrados por polícias à paisana à entrada do quartel-general da
MINURSO, em El Aaiún, reflete a pouca pressa de Ban Ki-moon em retificar os mais
de vinte anos de inação onusiana em matéria de direitos humanos no Sahara Ocidental.
Na hora de explicar a
negativa marroquina a tese mais habitual é a de que o rei Mohamed VI opôs-se ao
projeto de resolução proposto pelos EUA para evitar o perigo de os saharauis, ao
sentirem-se protegidos pela ONU, saíssem em massa à rua pedindo a independência.
Um sim marroquino à iniciativa norte-americana teria dado uma importante vitória
moral ao povo saharaui, é bem verdade mas, por sua vez, teria assegurado à diplomacia
marroquina a comodidade de converter-se na mesa de arbitragem na parte que
acabava de ganhar pontos com tal mediática concessão. Nessa base, para França,
Estados Unidos e Espanha teria sido muito mais fácil enredar a Frente Polisario
numa negociação eventualmente muito mais vantajosa para a parte marroquina, pelo
simples facto de situarem num mesmo plano agressor e agredido, como se o ladrão
tivesse direito a discutir se devolve ou não o que roubou ao seu legítimo dono.
De facto, Gerard Araud, o
embaixador de França junto da ONU voltou a recordar, após a aprovação da resolução
2099, que a opção favorita de Marrocos para a realização de uma solução pacífica
é a via da negociação e que o Governo de François Hollande sempre considerou que
a melhor forma de avançar em relação ao respeito pelos direitos humanos dos
saharauis é através de um diálogo bilateral da Frente Polisario com Marrocos. A
estratégia do principal aliado do anexionismo marroquino é clara: pôr o foco nos
direitos humanos e correr uma densa cortina sobre o direito à autodeterminação
do povo saharaui e ao referendo, como se os abusos marroquinos fossem a causa do
desaguisado e não a consequência do mesmo.
O próprio secretário-geral da
ONU, Ban Ki-moon, seguiu nesta direção no seu último relatório em que prefigurava
um cenário dominado pela negociação entre saharauis e marroquinos em que cada uma
das partes devia preparar-se para fazer concessões e responder a cada “dádiva”
do contrário, com uma “troca” de igual valor. Se Marrocos tivesse dado o seu
braço a torcer no que diz respeito a competências da MINURSO, seria provavelmente
agora a Frente Polisario quem deveria estar a mover a ficha da "troca",
para não ficar como a parte sem vontade negociadora.
Mas a bola continua do lado
marroquino e, afinal, o pesadelo de Mohamed VI acabou por acontecer igualmente
porque a indignação superou o medo e dezenas de milhares de saharauis manifestam-se
nos territórios ocupados, desde que em Nova Iorque foi aprovada a resolução 2099. O pior para o monarca marroquino é que agora é
do domínio público que a total falta de competências dos capacetes azuis da MINURSO
não é normal na história das missões de paz das Nações Unidas. Persistir nesta
anomalia, desacredita a ONU e carrega de razão o grito com que os saharauis
exigem justiça após 22 anos de espera, sem que a MINURSO tenha organizado esse referendo
que era o propósito e objetivo da missão.
Uma “cedência” marroquina em
direitos humanos talvez tivesse tirado do centro das atenções a agitação de tua.
Embora fosse de prever que o júbilo popular adquirisse elevados decibéis, a
Administração de Obama teria podido aproveitar o prestígio que ganhou junto dos
saharauis com a sua frustrada intervenção para pressionar os dirigentes da
Frente Polisario a apelar à calma. O não assentimento aos seus benfeitores, levaria
a Frente Polisario a ser facilmente acusada de maximalismo ou, o que seria
ainda pior, de falta de liderança sobre a população do outro lado dos muros,
nos territórios ocupados.
Agora, ao revés, os
maximalistas são os homens de Mohamed VI e quem sabe se Obama não irá dizer ao rei
alauita mais ou menos isto: "já te disse, teimoso, que lesses o ‘Il
Gattopardo’ para comprovares como, às vezes, há que mudar algo para que tudo fique
na mesma". Em qualquer caso, foi o Governo francês quem se viu obrigado a
recomendar ao regime marroquino prudência e respeito pelos direitos humanos num
vão intento de deter a espiral de violência que deita por terra a suposta “abertura”
democrática do monarca alauita. Se a situação transbordasse, a Hollande não lhe
restaria outra saída para intervir em socorro do seu peão favorito que cruzar os
dedos para que, numa qualquer esquina do Sahara Ocidental, surgisse uma ameaça
jihadista susceptível de justificar um desembarque francês em nome da paz e
segurança internacional.
Autora: jornalista Ana
Camacho, in “Arenas
Modevizas”
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