domingo, 26 de agosto de 2018

Marrocos decreta 'serviço militar obrigatório” para colocar em sentido uma juventude rebelde





A lei que restabelecerá o serviço militar foi imposta sem debate pelo monarca Alaouita. As mulheres também devem, pela primeira vez, se juntar às fileiras


EL CONFIDENCIAL - Autor: Ignacio Cembrero – 26/08/2018 (encurtador.com.br/ioAL8)


"O regresso do serviço militar ou como resolver os problemas dos jovens marroquinos em 2018 com uma ideia do século XIX", escreve no Twitter @Atourabi. "Um problema real: um jovem rebelde. Uma solução estúpida: serviço militar ", diz @fadelabdellaoui na mesma rede social. "Se educa através da educação e não através do serviço militar", salienta @ ucef79. "O serviço militar em Marrocos visa apenas impedir a islamização da juventude. Vão ensiná-los a gritar viva o rei , viva a nação (...) ", acrescenta @ mehdimed391.

O rei Mohamed VI interrompeu as suas férias para presidir em Rabat, no início desta semana, a um Conselho de Ministros que aprovou, sem debate, um projeto de lei que restaura o serviço militar obrigatório de 12 meses para homens, suprimido pelo próprio monarca há 12 anos, e que o estabelece o mesmo para mulheres entre os 19 e os 25 anos. Alguns países árabes, como o Qatar ou os Emirados Árabes Unidos, incentivam as mulheres a fazerem a 'mili', mas sempre de forma voluntária. A natureza obrigatória imposta pelo Marrocos é excepcional no mundo islâmico.


Ao contrário do que se poderia supor, a iniciativa do monarca não pretende fortalecer as capacidades defensivas do Marrocos contra a Argélia, seu adversário histórico. "A restauração do serviço militar obrigatório visa fortalecer o sentido de cidadania dos jovens", diz o comunicado lido por Abdelhak Lamrini, porta-voz da Casa Real. "Isso abre-lhes também abre o caminho da integração na vida profissional e social", especialmente "nas diferentes forças militares e de segurança", acrescentou o porta-voz.

Se os partidos políticos que fazem parte da coligação governamental acataram a proposta do soberano sem qualquer discussão, como é obrigatório, e o Parlamento a ratificará sem debate, já as redes sociais têm sido foco de uma semana em que as críticas são abundantes e onde também proliferam piadas de jovens marroquinos.

"O serviço militar será o único serviço em Marrocos ao qual os pobres terão acesso q 100%. Não é como a saúde ou a educação ", ironiza no Twitter @ ucef79. "O serviço militar é obrigatório para aqueles de têm entre 19 e 25 anos e você pode vir de novo a ser chamado novamente até aos 40 anos de idade. Eu vou estudar 5 doutoramentos ", anuncia @appophis porque o texto fornece dispensas para estudantes, aqueles que apóiam a família ou por inaptidão física. "Nós realmente temos muita sorte em ser franceses", enfatiza @theovnzz, que toma como certo que os jovens de Marrocos que adquiriram a nacionalidade do país europeu em que residem não serão convocados, embora, aos olhos de Rabat, um marroquino nunca o deixe de o ser. O projeto de lei recentemente aprovado não menciona o caso dos jovens migrantes.



Muitos dos críticos juntaram-se ao "Reagrupamento marroquino -se contra o serviço militar obrigatório", um grupo do Facebook criado por Abdellah Nizar e que em poucas horas tinha já mais de 10 mil membros. A iniciativa real visa, como disse o seu fundador à EFE, "submeter" uma geração de jovens que rejeita a atual situação social, política e económica do país e que, há oito anos, encabeçou múltiplos protestos. É também revelador de uma "falta de democracia" porque não foi incluída nos programas eleitorais dos partidos ou na declaração do governo aprovada pelo Parlamento. Embora Nizar não o diga, é claro que ela é uma imposição do soberano.

"A primeira motivação é muito política: não deixar os jovens ao seu livre arbítrio", explica Maati Monjib, historiador marroquino, ao telefone. "Acima de tudo, porque esses jovens demonstraram a sua capacidade de mobilização contra o regime", acrescenta o académico, não sem antes enumerar as revoltas do Rif, a contestação na área de mineração de Jerada, de Zagora, no sudeste, e o protesto contra o alto custo de vida através do boicote a três grandes marcas alimentares. Trata-se de lhes "inculcar os valores da disciplina e do nacionalismo monárquico". "A segundo é de natureza social: baixar o desemprego", sublinha, num país onde todos os anos cerca de 370 mil jovens aspiram a ingressar no mercado de trabalho.

Até mesmo Karim Boukhari, um dos colunistas do jornal digital "Le 360", talvez o mais oficial de todos os órgãos de informação escrita, descreveu abertamente o humor de famílias com filhos adolescentes ou que acabaram de chegar à maioridade. "Mais do que o debate sobre os seus méritos, o anúncio surpresa [sobre a 'mili'], assim, sem aviso prévio, tem algo de desestabilizador, até mesmo de traumático, para muitas famílias marroquinas", reconhecia Boukhari.

Embora talvez menos ativos, o projeto de lei também conta com apoiantes. "A nossa juventude carece de referências e, sem dúvida, precisa delas. O serviço militar ou civil pode proporcioná-las", vaticina na versão maghrebina do" Huffington Post ", Mehdi Bensaid, um dos líderes do Partido da Autenticidade e Modernidade. A formação foi criada em 2007 por, entre outros, um amigo do rei Mohamed VI para contrabalançar o islamismo político em ascensão. "O serviço militar pode compensar a debilidade do sistema educacional", diz Mohamed Benhammou, presidente do Centro Marroquino de Estudos Estratégicos.

A viabilidade do projeto levanta algumas dúvidas. Estabelecida pelo rei Hassan II após a revolta de jovens esquerdistas em Casablanca em 1965, cuja repressão causou mais de mil mortes, segundo a organização estudantil, a “mili” marroquina sempre operou a meio gás. Por razões orçamentais, foram muitos menos os jovens mobilizados, geralmente oriundos de famílias humildes, do que aqueles que tinham a idade regulamentar. Jovens islâmicos e esquerdistas eram geralmente excluídos, para que a treinamento militar adquirido não lhes servisse para fins não relacionados com a defesa da nação.

Agora provavelmente sucederá o mesmo. As Forças Armadas Reais contam com 198.000 homens - as de Espanha têm 132.000 - e um orçamento anual de 2.934 milhões de euros, ou seja 3,2% do Produto Interno Bruto. Se realmente se pretende incorporar toda a quota abrangida pelo serviço militar e, além disso, como o estipula o artigo 10 do projeto, se lhe quer oferecer um soldo mensal – na ordem de de cerca de 180 euros – seguros médico, de vida e de invalidez, então os os gastos com a defesa disparariam.

O economista marroquino Zouhair Ait Benhamou, residente em Paris, calcula no jornal digital 'Le Desk' de Casablanca que para pôr em marcha uma 'mili' em condições, o orçamento militar deveria ultrapassar 6% do PIB para chegar a 6,6 mil milhões de euros. "Onde se poderia conseguir esse dinheiro que não fosse cortando em outros setores do Estado?", pergunta antes de concluir: "reintroduzir o serviço militar não é uma boa ideia (...)". "Seria mais apropriado fortalecer a educação cívica em escolas, faculdades e universidades, em vez de pedir a um sargento que exalte as virtudes do sacrifício pela nação a recrutas pouco motivados", conclui.



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