sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Marrocos estica a corda à Europa com o acordo pesqueiro (e o controlo do terrorismo) e compara o conflito saharaui com a Catalunha


O presidente do Conselho provincial de Dahkla (no sul do Sahara Ocidental já perto da fronteira com a Mauritânia), região chave no acordo de pesca UE-Marrocos, adverte: "Se não se renova, seremos mais fracos e não poderemos também controlar os terroristas".



Autora: Marina Valero em Dakhla, Sahara Ocidental

Marrocos joga com isso. O seu acordo de pesca com a União Europeia está preso por um fio desde que o advogado geral do Tribunal de Justiça, Melchior Wathelet, considerou que a Europa não tinha tomado em consideração os saharauis, a quem Rabat nega o direito à autodeterminação. O governo marroquino deu um murro na mesa esta quinta-feira para deixar claro que uma sentença desfavorável pode ter consequências "catastróficas" para todos.

Fê-lo através do presidente do Conselho Provincial de Dahkla, uma região localizada no Sahara Ocidental e estratégica para a pesca devido ao volume de capturas que representa. "Marrocos é um garante da segurança na Europa. Sem acordo de pesca, seremos mais fracos, e quanto mais fracos formos menos podemos controlar os terroristas", adverte Sidi Ahmed Bekkar, sem antes esclarecer que as relações com a Europa não precisam se deteriorar. "Nós somos vizinhos e o vínculo é maior do que qualquer acordo”.

Isso parece deixar claro que Marrocos não cederá nesse braço-de-ferro. Se o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) o anular, o acordo de pesca com a União Europeia - que de momento foi prorrogado até Julho - acabou. Os saharauis seriam os primeiros a serem afetados na opinião de Bekkar. "Nós vivemos da pesca", diz ele, depois de advertir que "o Sahara nunca poderá ser algo de distinto de Marrocos".



Chegou mesmo a comparar o conflito com a Catalunha. "Não estamos dispostos a dividir Marrocos em cinco porque isso não beneficiaria ninguém. O importante é melhorar a vida dos habitantes longe dos problemas causados pelo separatismo". Bekkar concluiu a sua intervenção, durante a qual não deixou de defender a alegada legalidade do acordo de pesca.

Mas o advogado geral do TJUE não é de opinião que o acordo seja legal. Na sua opinião, a União Europeia violou a obrigação de não reconhecer a situação ilegal em que se encontram os territórios saharauis e não se preocupou em garantir que os habitantes desse território beneficiassem da exploração dos recursos naturais. Estamos falando de uma região rica em reservas de peixes, onde pelo menos 40 mil pessoas trabalham neste setor direta ou indiretamente.

O advogado do TJUE dá assim razão a ativistas como a Western Sahara Campaign, muito crítica em relação ao acordo. E gera uma enorme incerteza tanto na Europa como em Marrocos, já que o Tribunal de Justiça Europeu geralmente atende aos pareceres dos seu advogados gerais nos seus julgamentos. A opinião será conhecida no final de fevereiro. Enquanto isso, as partes envolvidas irão encontrar-se esta sexta-feira em Dakhla no âmbito da Comissão Conjunta UE-Marrocos. Esta quinta-feira, além disso, os países da UE autorizaram a Comissão Europeia a começar a negociar para renovar o texto.

O acordo de pesca prevê um investimento de 40 milhões de euros por ano no sector da pesca em Marrocos: 30 milhões vêm de Bruxelas e outros 10 milhões são mobilizados pelos armadores europeus. Desse montante, 16 milhões destinam-se a direitos de acesso e 14 milhões devem apoiar a política sectorial de Marrocos (com instalações como o mercado de peixe de Dahkla, em que foram investidos 2,5 milhões de euros, por exemplo).

"75% dos fundos recebidos foram investidos no Sahara Ocidental", diz Reda Chami, diretor geral do principal grupo de pesca da região por volume de trabalhadores (1.400) e volume de negóciuos: o King Pelagique. É uma das 60 empresas dedicadas à pesca em todas as suas fases de produção, e exporta para os cinco continentes. Algumas marcas galegas (como a Frinsa ou a Vigilante) estão entre seus clientes e 33% das suas vendas destinam-se à Europa. A Espanha representa 12%, é o terceiro mercado da sardinha congelada e o quinto mercado de conservas mais importante.

"Marrocos não aceitará em nenhuma circunstância que o Sahara Ocidental seja excluído do acordo com a UE", assegura Chami. Também adverte sobre o que se joga em Marrocos (e na Europa) se o referido acordo não for renovado: milhares desempregados, perda de competitividade, deterioração dos investimentos e possíveis tarifas na entrada de produtos na União dos 28.


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