quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Nova decisão do Tribunal da UE: nem o território, nem as águas nem o espaço aéreo do Sahara Ocidental pertencem a Marrocos




O Tribunal de Justiça da União Europeia deu um novo golpe às reivindicações anexionistas marroquinas sobre o território do Sahara Ocidental ocupado ilegalmente. Na véspera da reunião de Genebra, patrocinada pelas Nações Unidas, para reativar o processo de paz no Sahara Ocidental, o Tribunal da UE emitiu uma nova sentença que, em consonância com as outras ditadas anteriormente, reafirma que Marrocos não possui soberania sobre o Sahara Ocidental, para que nenhum acordo assinado com Marrocos possa ser entendido como incluindo o Sahara Ocidental. Esta decisão, que trata do acordo de aviação entre a UE e Marrocos, vem juntar-se a outras que visavam as águas e o espaço terrestre daquele território. A decisão tem implicações importantes para o processo das Nações Unidas, para a UE e para a própria estratégia colonizadora do ocupante e seus cúmplices.

I. O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UE DEIXA CLARO QUE MARROCOS NÃO POSSUI SOBERANIA NEM NA TERRA, NEM NAS ÁGUAS NEM NO ESPAÇO AÉREO DO SAHARA OCIDENTAL
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) emitiu várias resoluções que dizem respeito ao Sahara Ocidental.
Entre elas, vale destacar o seguinte:

Nesse acórdão, afirma-se que os acordos de liberalização entre a UE e Marrocos NÃO PODEM APLICAR-SE ao Sahara Ocidental, porque esse território não faz parte do Marrocos.

Neste acórdão, o Tribunal declarou que o acordo de pesca de 2006 entre a UE e Marrocos NÃO PODE APLICAR-SE ao Sahara Ocidental porque as águas desse território não fazem parte de Marrocos.

3) Auto da Sala Quinta (ampliada) do Tribunal Geral da UE, de 19 de julho de 2018 (disponível apenas em francês)
Neste despacho, o Tribunal declara que o Protocolo de Pesca de 2013, firmado pela UE e por Marrocos, NÃO SE APLICA ao Sahara Ocidental, porque as águas desse território não fazem parte de Marrocos.

4) Auto da Sala Quinta do Tribunal Geral da UE, de 30 de novembro de 2018 (também disponível apenas em francês)
Neste despacho, o Tribunal declara que o Acordo de Aviação assinado pela UE e por Marrocos NÃO PODE APLICAR-SE ao espaço aéreo do Sahara Ocidental porque nem o espaço terrestre nem as suas águas fazem parte de Marrocos. Este último despacho foi tornado público a 4 de dezembro (dia de Santa Barbara) na véspera da reunião de Genebra.

II. AS AFIRMAÇÕES MAIS IMPORTANTES DA RESOLUÇÃO DE 30 DE NOVEMBRO DE 2018
A resolução de 30 de novembro contem várias afirmações de uma importância trascendental que merecem ser reproduzidas:

27. À cet égard, la Cour a eu l’occasion de préciser qu’il y avait lieu de comprendre la notion de « territoire du Maroc » comme renvoyant à l’espace géographique sur lequel le Royaume du Maroc exerce la plénitude des compétences reconnues aux entités souveraines par le droit international, à l’exclusion de tout autre territoire, tel que celui du Sahara occidental. En effet, l’inclusion du territoire du Sahara occidental dans la notion de « territoire du Maroc » enfreindrait certaines règles de droit international général applicables dans les relations entre l’Union et le Royaume du Maroc, à savoir le principe d’autodétermination, rappelé à l’article 1er de la charte des Nations unies, et le principe de l’effet relatif des traités, dont l’article 34 de la convention de Vienne sur le droit des traités, conclue à Vienne le 23 mai 1969 (…), constitue une expression particulière (…).
28. De manière similaire, ces mêmes considérations empêchent de conclure que le Sahara occidental relève des « régions terrestres (continent et îles), ainsi que [d]es eaux intérieures et [d]es eaux territoriales qui se trouvent sous [la] souveraineté [… du Royaume du Maroc] » au sens de l’article 1er, point 15, de l’accord relatif aux services aériens.
(…)
33. En particulier, d’une part, il serait contraire aux règles de droit international visées au point 27 de la présente ordonnance, que l’Union doit respecter et qui s’appliquent mutatis mutandis en l’occurrence, d’interpréter le champ d’application de l’accord relatif aux services aériens comme incluant le territoire du Sahara occidental au titre de région relevant de la souveraineté du Royaume du Maroc. En conséquence, l’Union ne saurait valablement partager une intention du Royaume du Maroc d’inclure, à un tel titre, le territoire en question dans le champ d’application dudit accord (voir, en ce sens, arrêt du 27 février 2018, Western Sahara Campaign UK, C‑266/16, EU:C:2018:118, point 71).

III. A IMPORTÂNCIA DESTA NOVA DECISÃO PARA A APROVAÇÃO DOS NOVOS ACORDOS ENTRE A UE E MARROCOS
Que estas decisões do Tribunal têm uma imensa importância pode ser constatado no facto de que, logo que foram proferidas, a UE e Marrocos foram negociando novos acordos (em termos de liberalização de produtos agrícolas e pesqueiros, bem como de pesca) para tentar dar continuidade à cumplicidade existente mesmo antes dessas sentenças.
Para este fim, a Comissão Europeia pretende agora realizar "consultas" com "associações" do território ocupado, que são um patético sucedâneo das negociações com o representante internacionalmente reconhecido do povo saharaui, que é a Frente Polisario.
O Tribunal de Justiça, com esta resolução, tal como o fez com a resolução de 19 de Julho deste mesmo ano, envia uma mensagem à Comissão, ao Conselho de Ministros e ao Parlamento Europeu. Uma mensagem que estes órgãos se esforçam por ignorar por razões inonfessáveis, embora alguns deles tenham sido descobertos recentemente. Refiro-me ao tremendo escândalo em que a eurodeputada francesa Patricia Lalonde esteve envolvida. A referida deputada fez um relatório favorável à continuação do comércio de produtos do Sahara Ocidental (controlados pelo rei de Marrocos, pelos oficiais militares, colaboracionistas e colonos) argumentando que isso facilitava o "desenvolvimento" do "povo saharaui". No entanto, foi revelado que, na altura em que elaborou esse relatório, estava envolvida num lobby pró-marroquino, tal como foi denunciado pelo eurodeputado Florent Marcellesi.

IV. A IMPORTÂNCIA DESTA DECISÃO PARA O PROCESSO DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS
Esta decisão foi tornado pública na véspera da reunião de Genebra patrocinada pela ONU para discutir o Sahara Ocidental. A Frente Polisario, Marrocos, Argélia e Mauritânia foram convidados para esta reunião. Dado que as decisões do TJUE são VINCULATIVAS para a França, um membro permanente do Conselho de Segurança que tem apoiado o reino de Marrocos, o apoio às pretensões anexionistas está grandemente enfraquecido. De resto, e apesar de o novo Secretário Geral da ONU, António Guterres, estar obscenamente alinhado com a posição de Marrocos, esta decisão constitui uma desqualificação do ponto de partida da proposta de uma suposta "autonomia" para o Sahara Ocidental feito por Marrocos. De facto, como tenho insistido muitas vezes, a premissa dessa proposta é que o Marrocos tem "soberania" sobre o Sahara Ocidental. Essa premissa, como fica claro de novo, nada mais é do que uma fantasia do Makhzen de Marrocos que a priva de toda a seriedade.

V. UM GOLPE DURÍSSIMO PARA A ESTRATÉGIA ECONÓMICA DA COLONIZAÇÃO DO SAHARA OCIDENTAL
Nos últimos anos, e especialmente desde 2001, o Makhzen de Marrocos tentou por todos os meios criar uma situação económica que levasse à consolidação da ocupação. Esta estratégia foi aplicada com maior intensidade, se possível, no sul do Território, na região do Rio de Oro (capital Villa Cisneros / Dakhla). É no Rio de Oro onde a estratégia económica de ocupação foi implantada em todos os setores económicos: em terra (com explorações agrícolas que são propriedade do rei), no mar (com a pesca controlada pelos militares, alguns colaboracionistas e outros) e no ar (com a promoção do turismo para o qual era essencial abrir voos diretos do território ocupado para o exterior).
O Rio de Oro, legalmente, é um território onde a posição jurídica de Marrocos é especialmente fraca porque Marrocos, oficialmente, perante o Tribunal de Justiça de Haia reconheceu que ali nunca exerceu soberania e porque, em 1976, assinou um tratado com a Mauritânia onde reconheceu que essa parte do território não era marroquina. A fraqueza legal tentou ser compensada com uma brutal ofensiva económica para tentar legitimar a ocupação.
Estas resoluções do TJUE poderão ser o princípio do fim desta estratégia.

(*) - Carlos Ruiz Miguel é professor catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela

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