O Tribunal de Justiça da União
Europeia deu um novo golpe às reivindicações anexionistas
marroquinas sobre o território do Sahara Ocidental ocupado
ilegalmente. Na véspera da reunião de Genebra, patrocinada pelas
Nações Unidas, para reativar o processo de paz no Sahara Ocidental,
o Tribunal da UE emitiu uma nova sentença que, em consonância com
as outras ditadas anteriormente, reafirma que Marrocos não possui
soberania sobre o Sahara Ocidental, para que nenhum acordo assinado
com Marrocos possa ser entendido como incluindo o Sahara Ocidental.
Esta decisão, que trata do acordo de aviação entre a UE e
Marrocos, vem juntar-se a outras que visavam as águas e o espaço
terrestre daquele território. A decisão tem implicações
importantes para o processo das Nações Unidas, para a UE e para a
própria estratégia colonizadora do ocupante e seus cúmplices.
I. O TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DA UE DEIXA CLARO QUE MARROCOS
NÃO POSSUI SOBERANIA NEM
NA TERRA, NEM NAS ÁGUAS NEM NO ESPAÇO
AÉREO DO SAHARA OCIDENTAL
O Tribunal de Justiça da União
Europeia (TJUE) emitiu várias
resoluções que dizem respeito ao Sahara
Ocidental.
Entre elas, vale destacar o seguinte:
Nesse acórdão, afirma-se que os
acordos de liberalização entre a UE e Marrocos NÃO PODEM
APLICAR-SE ao Sahara Ocidental, porque esse território não faz
parte do Marrocos.
Neste acórdão, o Tribunal declarou
que o acordo de pesca de 2006 entre a UE e Marrocos NÃO PODE
APLICAR-SE ao Sahara Ocidental porque as águas desse território não
fazem parte de Marrocos.
3) Auto da Sala Quinta (ampliada) do
Tribunal Geral da UE, de 19 de julho de 2018 (disponível
apenas em francês)
Neste despacho, o Tribunal declara que
o Protocolo de Pesca de 2013, firmado pela UE e por Marrocos, NÃO SE
APLICA ao Sahara Ocidental, porque as águas desse território não
fazem parte de Marrocos.
4) Auto da Sala Quinta do Tribunal
Geral da UE, de 30 de novembro de 2018 (também disponível
apenas em francês)
Neste despacho, o Tribunal declara que
o Acordo de Aviação assinado pela UE e por Marrocos NÃO PODE
APLICAR-SE ao espaço aéreo do Sahara Ocidental porque nem o espaço
terrestre nem as suas águas fazem parte de Marrocos. Este último
despacho foi tornado público a 4 de dezembro (dia de Santa Barbara)
na véspera da reunião de Genebra.
II. AS AFIRMAÇÕES MAIS
IMPORTANTES DA RESOLUÇÃO DE 30 DE NOVEMBRO DE 2018
A resolução de 30 de novembro contem
várias afirmações de uma importância trascendental que merecem
ser reproduzidas:
27. À cet égard, la Cour a eu
l’occasion de préciser qu’il y avait lieu de comprendre la
notion de « territoire du Maroc » comme renvoyant à l’espace
géographique sur lequel le Royaume du Maroc exerce la plénitude des
compétences reconnues aux entités souveraines par le droit
international, à l’exclusion de tout autre territoire, tel que
celui du Sahara occidental. En effet, l’inclusion du territoire du
Sahara occidental dans la notion de « territoire du Maroc »
enfreindrait certaines règles de droit international général
applicables dans les relations entre l’Union et le Royaume du
Maroc, à savoir le principe d’autodétermination, rappelé à
l’article 1er de la charte des Nations unies, et le principe de
l’effet relatif des traités, dont l’article 34 de la convention
de Vienne sur le droit des traités, conclue à Vienne le 23 mai 1969
(…), constitue une expression particulière (…).
28. De manière similaire, ces
mêmes considérations empêchent de conclure que le Sahara
occidental relève des « régions terrestres (continent et îles),
ainsi que [d]es eaux intérieures et [d]es eaux territoriales qui se
trouvent sous [la] souveraineté [… du Royaume du Maroc] » au sens
de l’article 1er, point 15, de l’accord relatif aux services
aériens.
(…)
33. En particulier, d’une part,
il serait contraire aux règles de droit international visées au
point 27 de la présente ordonnance, que l’Union doit respecter et
qui s’appliquent mutatis mutandis en l’occurrence, d’interpréter
le champ d’application de l’accord relatif aux services aériens
comme incluant le territoire du Sahara occidental au titre de région
relevant de la souveraineté du Royaume du Maroc. En conséquence,
l’Union ne saurait valablement partager une intention du Royaume du
Maroc d’inclure, à un tel titre, le territoire en question dans le
champ d’application dudit accord (voir, en ce sens, arrêt du 27
février 2018, Western Sahara Campaign UK, C‑266/16,
EU:C:2018:118, point 71).
III. A IMPORTÂNCIA DESTA NOVA
DECISÃO PARA A APROVAÇÃO DOS NOVOS ACORDOS ENTRE A UE E MARROCOS
Que estas decisões do Tribunal têm
uma imensa importância pode ser constatado no facto de que, logo que
foram proferidas, a UE e Marrocos foram negociando novos acordos (em
termos de liberalização de produtos agrícolas e pesqueiros, bem
como de pesca) para tentar dar continuidade à cumplicidade existente
mesmo antes dessas sentenças.
Para este fim, a Comissão Europeia
pretende agora realizar "consultas" com "associações"
do território ocupado, que são um patético sucedâneo das
negociações com o representante internacionalmente reconhecido do
povo saharaui, que é a Frente Polisario.
O Tribunal de Justiça, com esta
resolução, tal como o fez com a resolução de 19 de Julho deste
mesmo ano, envia uma mensagem à Comissão, ao Conselho de Ministros
e ao Parlamento Europeu. Uma mensagem que estes órgãos se esforçam
por ignorar por razões inonfessáveis, embora alguns deles tenham
sido descobertos recentemente. Refiro-me ao tremendo escândalo em
que a eurodeputada francesa Patricia Lalonde esteve envolvida. A
referida deputada fez um relatório favorável à continuação do
comércio de produtos do Sahara Ocidental (controlados pelo rei de
Marrocos, pelos oficiais militares, colaboracionistas e colonos)
argumentando que isso facilitava o "desenvolvimento" do
"povo saharaui". No entanto, foi revelado que, na altura em
que elaborou esse relatório, estava envolvida num lobby
pró-marroquino, tal
como foi denunciado pelo eurodeputado Florent
Marcellesi.
IV. A IMPORTÂNCIA DESTA DECISÃO
PARA O PROCESSO DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS
Esta decisão foi tornado pública na
véspera da reunião de Genebra patrocinada pela ONU para discutir o
Sahara Ocidental. A Frente Polisario, Marrocos, Argélia e Mauritânia
foram convidados para esta reunião. Dado que as decisões do TJUE
são VINCULATIVAS para a França, um membro permanente do Conselho de
Segurança que tem apoiado o reino de Marrocos, o apoio às
pretensões anexionistas está grandemente enfraquecido. De resto, e
apesar de o novo Secretário Geral da ONU, António Guterres, estar
obscenamente alinhado com a posição de Marrocos, esta
decisão constitui uma desqualificação do ponto de partida da
proposta de uma suposta "autonomia" para o Sahara Ocidental
feito por Marrocos. De facto, como tenho insistido muitas vezes, a
premissa dessa proposta é que o Marrocos tem "soberania"
sobre o Sahara Ocidental. Essa premissa, como fica
claro de novo, nada mais é do que uma fantasia do Makhzen de
Marrocos que a priva de toda a seriedade.
V. UM GOLPE DURÍSSIMO PARA A
ESTRATÉGIA ECONÓMICA DA COLONIZAÇÃO DO SAHARA OCIDENTAL
Nos últimos anos, e especialmente
desde 2001, o Makhzen de Marrocos tentou por todos os meios criar uma
situação económica que levasse à consolidação da ocupação.
Esta estratégia foi aplicada com maior intensidade, se possível, no
sul do Território, na região do Rio de Oro (capital Villa Cisneros
/ Dakhla). É no Rio de Oro onde a estratégia económica de ocupação
foi implantada em todos os setores económicos: em terra (com
explorações agrícolas que são propriedade do rei), no mar (com a
pesca controlada pelos militares, alguns colaboracionistas e outros)
e no ar (com a promoção do turismo para o qual era essencial abrir
voos diretos do território ocupado para o exterior).
O Rio de Oro, legalmente, é um
território onde a posição jurídica de Marrocos é especialmente
fraca porque Marrocos, oficialmente, perante o Tribunal de Justiça
de Haia reconheceu que ali nunca exerceu soberania e porque, em 1976,
assinou um tratado com a Mauritânia onde reconheceu que essa parte
do território não era marroquina. A fraqueza legal tentou ser
compensada com uma brutal ofensiva económica para tentar legitimar a
ocupação.
Estas resoluções do TJUE poderão
ser o princípio do fim desta estratégia.
(*) - Carlos Ruiz Miguel é professor
catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de
Compostela
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