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Marrocos tornou-se um país dependente para alimentar
a sua própria população… |
A Coordenação Nacional da ATTAC Marrocos (Associação para a
Taxação das Transações Financeiras e Ajuda aos Cidadãos) reuniu-se no dia 16 de
Setembro para analisar a situação no país. Dado o seu interesse, reproduzimos
aqui o comunicado final da reunião.
Marrocos : crise, dívida e repressão
A nossa associação realizou no dia 16 setembro de 2012, em Rabat,
a sessão ordinária da sua Coordenação nacional. Esta reunião realiza-se num contexto
de crise contínua do sistema capitalista e da perda de credibilidade do seu modelo
de desenvolvimento assente no mercado. A nossa reunião coincide igualmente com a
persistência das mobilizações políticas e sociais no plano internacional, oferecendo
uma ocasião para que surjam alternativas ao modelo capitalista em vigor. Uma
oportunidade também para fazer o balanço da situação económica do país e lembrar
o clima de repressão que pesa sobre os ativistas.
Crise internacional, crise marroquina
Apesar da hipocrisia do discurso oficial, a crise internacional
tem um impacto negativo e direto sobre a economia marroquina. Sobretudo quando os
centros de decisão do nosso país têm hipotecado o desenvolvimento aos investidores
estrangeiros e exportadores para a zona euro.
Atualmente, a zona do euro está à beira da falência, e reduziu
a sua procura internacional. Pior, a escolha arriscada dos nossos decisores
transformaram Marrocos de um país exportador de produtos agrícolas num país
dependente para alimentar sua própria população. Testemunha-o a tensão gerada
no mercado de trigo e a necessidade crescente de o país ter que importar esse
cereal ano após ano. A atual crise irá amplificar o fracasso das estratégias
sectoriais na agricultura, turismo, indústria, etc... todas elas tendo por base
a procura internacional.
Para sair das suas crises, os centros de decisões imperialistas
colocam pressão sobre os países em desenvolvimento para que abram os seus
mercados e anulem as suas barreiras alfandegárias, através de Acordos de
Comércio Livre (ACL). Os países do Norte estão pressionando para criar um
"clima de negócios", que promova o Investimento Direto Estrangeiro (IDE).
Os nossos governos, há duas décadas, respondem com programas de infra-estruturas,
zonas francas, isenções fiscais e uma tentadora oferta imobiliária (terrenos preços
simbólicos, zonas industriais equipadas, etc...).
Para coroar tudo isto, o nosso Estado oferece uma força de
trabalho qualificada paga a salários de miséria. Ajudados por um Código de
Trabalho que estabelece a flexibilidade e a subcontratação e a quase
inexistente proteção social, estes "investidores" criam emprego
precário para os jovens que sofrem o desemprego em massa. Por seu lado, a União
Europeia, o primeiro parceiro económico de Marrocos, pede mais ao governo. E este
negocia, como a Argélia, Tunísia e Jordânia, um aprofundamento do comércio
livre entre a UE e os países do sul do Mediterrâneo.
O governo quer ser um bom aluno e promete fazer mais. Está
preparando uma lei que amordaçará ainda mais o direito à greve. Este texto será
acrescentado ao artigo 288 do Código Penal, que criminaliza os grevistas. O
governo também anunciou a sua vontade de facilitar mais IDE nos setores sociais
(saúde, educação, água, eletricidade, transportes coletivos, recolha de lixo,
habitação social, etc ...). Não esconde, também, a sua vontade de abrir o
portefólio público ao setor privado, especialmente nos setores da aviação,
portos, ferrovias e bancos. Estas medidas corroboram as recomendações das
instituições financeiras internacionais e reduzem a nossa soberania económica,
já iniciada pela espiral da dívida.
Dívida: o regresso da
dívida externa e do FMI
A dívida pública disparou. A Dívida Pública (interna e
externa) de Marrocos ascendia, no final de 2011, a 582 000 milhões de DH
(dirhams), ou seja 52,3 mil milhões de Euros. Esta dívida equivale a 72% do
PIB. Este montante está dividido entre a dívida externa: 190 mil milhões de
dirhams e interna: 392 mil milhões de dirhams. No final de 2012, a dívida deverá
chegar a 636 mil milhões de dirhams, ou seja 75% do PIB. O serviço da dívida ( amortizações
+ juros), entre 2004 e 2011, levou 94 mil milhões de dirhams ao orçamento!
Estes reembolsos são divididos da seguinte forma: 18,5 mil
milhões de dirhams para a dívida interna e 75 mil milhões de dirhams para a dívida
externa. Para compreender a magnitude do peso da dívida, é útil recordar um
valor: entre 1983 e 2011, Marrocos reembolsou a título da dívida externa 115
mil milhões de dirhams, ou seja 8 vezes o montante emprestado! E tem ainda que
pagar aos credores 22 mil milhões de dirhams.
Os anos 2000 foram caracterizados por uma orientação para o
endividamento no mercado interno, hoje o Estado está a orientar-se de novo para
o endividamento internacional. Em 2010 lançou um empréstimo de Bilhetes do
Tesouro no mercado internacional no montante de mil milhões de Euros. Uma nova
subscrição está prevista entre outubro e novembro de 2012, para um valor de
igual montante. A juntar a isto está uma linha de crédito de 6,2 mil milhões dólares
(4,7 MM de Euros) concedida pelo FMI a Marrocos para cobrir o desequilíbrio da
balança de pagamentos nos próximos dois anos.
Repressão e processo
iníquos
Estas políticas estão-nos a encostar contra a parede. A
crise que se anuncia deverá ser suportada — uma vez mais — pelas classes pobres
e empobrecidas. Porém, as pessoas que reivindicam serviços públicos de
qualidade e emprego sofrem a repressão, as prisões e os julgamentos injustos, o
último dos quais contra os membros do Movimento do 20 de fevereiro (M20F), em
Casablanca.
A nossa associação denuncia as sentenças destes julgamentos.
Hoje, os agricultores (região Chlihat), estudantes (Marraquexe, Kenitra, Fes,
Taza, etc ...), trabalhadores, ativistas do M20F são perseguidos ou condenados sob essa repressão feroz pelo regime. Exigimos a
libertação imediata de todos os presos e o termo à sua perseguição.
Condenamos, também, o assédio permanente à nossa associação
e aos seus membros. Continuamos ainda privados do nosso direito de organização.
O estado tem recusado a renovação da nossa legalização, desafiando a lei. Os nossos
membros são processados pelo seu
ativismo. Ibrahim Hassan e Bara Agherbi, do grupo de Ifni, foram
recentemente julgados. Mustapha Sandia, Hicham Laâouini, Medkouri, do grupo de Safi
estão também a ser perseguidos por causa da sua militância.
Congratulamo-nos com as iniciativas promissoras de auditoria
da dívida pública na Tunísia e no Egito. Apelamos às organizações de base com
vista à criação de uma frente comum para realizar uma auditoria integral da
dívida pública marroquina, na perspetiva de cancelamento ou anulação da parte
odiosa da dívida. O nosso apelo é dirigido também a todas as organizações
preocupadas com o futuro do povo marroquino, das suas riquezas e da sua
soberania nacional.
O que é a ATTAC?
ATTAC é uma organização internacional envolvida no movimento
alter-globalização. Opõe-se à globalização neo-liberal e desenvolve
alternativas sociais, ecológicos e democráticas, de modo a garantir os direitos
fundamentais para todos. Luta para a regulação dos mercados financeiros, o
encerramento dos paraísos fiscais, a introdução de impostos globais para
financiar bens públicos globais, o cancelamento da dívida dos países em
desenvolvimento, o comércio justo e a implementação de limites à liberdade de
comércio e de fluxos de capital.
A "Associação pour la Taxation des Transactions
financière et l'Aide aux citoyens '(Associação para a Taxação das Transações
Financeiras e Ajuda aos Cidadãos) foi fundada em França em Dezembro de 1998,
após a publicação no jornal “Monde Diplomatique” de um editorial intitulado "Désarmer
les marchés” (Desarmar os mercados), que lançou a ideia de criar uma associação
para promover o imposto Tobin.
Hoje, a associação atua em cerca de 40 países, com mais de
mil grupos locais e centenas de organizações de apoio à rede.