domingo, 29 de setembro de 2024

De Ivry (França) a Kénitra (Marrocos), a longa marcha pela libertação dos presos saharauis

 

Claude Mangin-Asfari (esposa do preso saharaui Enaama Asfari - na foto,
preso desde 2010 e condenado a 30 anos de prisão)


Sahara Infos - 23-09-2024 | Lançada oficialmente durante a Festa de L'Humanité, 14 de setembro, perto de Paris, a marcha Ivry-Kénitra (Marrocos) pela libertação dos presos políticos saharauis terá início a 30 de março de 2025. Foi o que Claude Mangin-Asfari (esposa do preso saharaui Enaama Asfari, condenado a 30 anos de prisão em 2017, por supostamente ter sido um dos organizadores do acampamento da dignidade de Gdeim Izik, em 2010, nos territórios ocupados do SO) informou, contando com o apoio do presidente da Câmara de Ivry-sur-Seine, Philippe Bouyssou, e de representantes da diáspora saharaui em França.

“O objectivo desta marcha é obter a libertação dos saharauis detidos nas prisões marroquinas e permitir-me recuperar o meu direito de visita”, defende a esposa de Naâma Asfari detido em Novembro de 2010, após a manifestação pacífica de Gdeim Izik (Sahara Ocidental). Recorde-se que a cidadã francesa, residente em Ivry, e presidente da associação Val-de-Marnaise de amigos da República Árabe Saharaui Democrática (Aarasd 94), desde 2016 tem sido expulsa regularmente do território marroquino e impedida pelas autoridades de se encontrar com o marido na prisão de Kénitra.


Um escândalo que perdura há 50 anos

“Depois da minha greve de fome em 2018, muito pouco mudou. É por isso que apelo a todas as pessoas de boa vontade, a todas as associações francesas e europeias que apoiam o povo saharaui, para que se juntem a mim no objetivo de poder entrar em Marrocos”.

Durante a sua viagem, Claude Mangin fará escala em Tours, Bressuire (Deux-Sèvres), Poitiers, Uzeste (Gironde), Toulouse e Perpignan, antes de se dirigir para Espanha, onde fará escala nas principais cidades da costa mediterrânica para “dar visibilidade à causa”. Com a ajuda de grupos locais, serão organizadas conferências e reuniões em cada paragem para sensibilizar os habitantes locais, os representantes eleitos e a imprensa.

“Queremos denunciar este escândalo que dura há cinquenta anos [a ocupação do Sahara Ocidental pelo vizinho Marrocos] e obter finalmente o referendo de autodeterminação prometido pela ONU, bem como o fim da pilhagem dos recursos naturais do território”, conclui a ativista.

A marcha pela autodeterminação do Sahara Ocidental deverá chegar a Algeciras, no sul de Espanha, no início de junho. E depois... A história dirá se se tornará tão famosa e tão eficaz como a Marcha do Sal de Gandhi pela independência da Índia.

Casal sueco percorre quase 50.000 quilómetros em solidariedade com o Sahara Ocidental


Jesús Cabaleiro Larrán| Periodistas en español - 28/09/2024 | Um casal sueco, Sanna Ghotbi e Benjamin Ladraa, iniciou uma viagem de bicicleta de quase 50.000 quilómetros com o objetivo de sensibilizar a opinião pública para a situação do povo saharaui.

A sua viagem, que começou há dois anos, a 12 de maio de 2022, na cidade sueca de Gotemburgo, abrange três continentes e deverá terminar em janeiro de 2025, tendo já percorrido 22 países.

O casal, que se encontra atualmente em Madrid, transportou nas suas bicicletas duas grandes bandeiras saharauis durante a sua viagem. A sua missão não é procurar novos lugares mas informar sobre a luta do povo saharaui e defender o seu direito à autodeterminação.

Em Espanha, passarão por Barcelona, Saragoça, pelas três principais cidades bascas, por Santiago de Compostela, Sevilha, Málaga e Valência, antes de apanharem um ferry para a Argélia, em Alicante, para chegarem ao fim da sua viagem aos campos de refugiados saharauis de Tindouf, em janeiro próximo.

Atualmente, Sanna Ghotbi, devido a uma lesão, teve de abandonar a marcha, mas deixa a sua mensagem: ″O povo saharaui está preso em campos de refugiados, à espera de um referendo que nunca chega. Estivemos lá e vimos o desespero, o sofrimento causado pela falta de comida e água, e a dor das famílias cujos entes queridos foram presos e torturados pelo simples facto de agitarem a sua bandeira”.

Benjamin Ladraa sublinha que o Sahara Ocidental não é apenas a última colónia em África, mas tem também o maior muro de separação do mundo. Considera que a situação no território constitui uma clara violação do direito internacional e sublinha a importância de descolonizar o território em conformidade com as resoluções da ONU.

Durante a sua viagem, o casal reúne-se com políticos, professores, académicos e jornalistas para sensibilizar para a situação no Sahara Ocidental ocupado. Financiam a sua viagem através de uma plataforma de crowdfunding e têm uma rede de apoio em diferentes países através da sua ONG Solidarity RisingNos países onde a causa sarahaui é pouco conhecida, utilizam a sua rede de contactos solidários com a causa palestiniana para difundir informações sobre a situação no Sahara.

O casal planeia produzir um documentário sobre a sua viagem, que espera apresentar nos Estados Unidos em 2025. Consideram que esse país é um ator crucial na procura de uma solução para o Sahara Ocidental.

Entre os países que já visitaram contam-se França, Itália, Suíça, Alemanha, Dinamarca, República Checa, Áustria, Eslováquia, Eslovénia, Bósnia, Croácia, Montenegro, Albânia, Macedónia do Norte, Grécia, Turquia e, na Ásia, fizeram escala na Indonésia, Japão, Coreia do Sul e Taiwan.


sábado, 28 de setembro de 2024

O Presidente da República Saharaui e SG da Frente POLISARIO apela ao reforço da cooperação regional para combater o expansionismo marroquino e as suas consequências

Brahim Gali

27/09/2024 - SPS | O Presidente da República saharaui e SG da Frente POLISARIO, pede o reforço da cooperação regional para combater o expansionismo marroquino e as suas consequências.

Brahim Gali alertou para o envolvimento de Marrocos no apoio ao terrorismo e à criminalidade organizada, uma ameaça real e iminente para a estabilidade da região.

No discurso de abertura da 5.ª Sessão Ordinária do Secretariado Nacional da Frente POLISARIO, que se realizou na wilaya de Dakhla (campos de refugiados), o líder do movimento saharaui apelou a uma maior cooperação entre os países vizinhos, especialmente a Argélia e a Mauritânia, para enfrentar os crescentes desafios de segurança na região.

O Presidente saharaui sublinhou a necessidade de fazer face à escalada dos desafios na região do Sahel, salientando que “os perigosos desenvolvimentos na região exigem mais cooperação e coordenação entre os países vizinhos”.

Gali sublinhou que a estabilidade internacional só pode ser alcançada permitindo que os povos realizem os seus legítimos direitos à autodeterminação e seja respeitada a legalidade internacional.

Recordando a situação atual na Palestina e no Líbano, o líder saharaui exprimiu a solidariedade da República saharaui com os povos palestiniano e libanês face à agressão sionista.

“Ao mesmo tempo que exprimimos a nossa solidariedade para com os povos irmãos palestiniano e libanês face à injusta agressão sionista, afirmamos que não haverá paz e estabilidade no mundo se as resoluções de legitimidade internacional não forem respeitadas e se os povos não forem investidos dos seus legítimos direitos à autodeterminação”, afirmou o presidente saharaui.

Note-se que o Estado ocupante marroquino coopera estreitamente com a entidade sionista, com a qual mantém profundas relações bilaterais desde a década de 1960, que reforçou com a normalização oficial das relações em 2020 e com a vinculação de acordos e tratados de cooperação militar, de segurança e económica, que retiraram soberania e independência política a Marrocos.

Os povos palestiniano e libanês sofrem há meses uma grave agressão sionista, que já custou a vida a dezenas de milhares de mártires, feridos e centenas de milhares de deslocados, desde o início da guerra em Gaza, no princípio de outubro do ano passado.

Esta Sessão Ordinária do Secretariado Nacional abordou a evolução da causa nacional e avaliou o desempenho das diferentes instituições durante o período desde a anterior Quarta Sessão Ordinária, com base no relatório apresentado pela Mesa Permanente do Secretariado.

Xanana Gusmão na AG da ONU: a voz da razão

 

Xanana Gusmão quando intervinha 79ª sessão da Assembleia Geral da ONU

O primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, fez um apelo por reformas no Conselho de Segurança da ONU, destacando a falta de representatividade e a influência desproporcional dos Estados “mais poderosos”.

Nesta sexta-feira, o chefe de governo timorense discursou no debate geral da 79ª sessão da Assembleia Geral da ONU e afirmou que “as vozes das nações pequenas não devem ser ofuscadas pelos interesses dos mais fortes”. Gusmão defendeu que o principal órgão de paz e segurança seja ampliado para incluir a participação permanente de África, América Latina e Ásia.

 

O que disse o líder timorense sobre o Sahara Ocidental

«Dispomos dos instrumentos do direito internacional, da diplomacia e da cooperação multilateral para resolver pacificamente os diferendos, mas estes instrumentos não são aplicados de forma coerente e são frequentemente ignorados.

Apelamos à resolução pacífica de disputas e conflitos internacionais, quer estejam relacionados com fronteiras, soberania ou cooperação.

Timor-Leste acolherá a 24ª Conferência Regional do Comité Especial de Descolonização (C24) em maio de 2025.

(...), o Sahara Ocidental é um país que enfrenta uma incerteza política há quase cinco décadas. Em outubro de 1975, o Tribunal Internacional de Justiça considerou que o Sahara Ocidental era um território não autónomo e que deveria seguir os parâmetros e princípios enunciados na “Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas para a autodeterminação através da expressão livre e genuína da vontade dos povos do território”.

Mais recentemente, as decisões dos Tribunais da União Europeia, bem como a decisão do Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, afirmam que o Sahara Ocidental é “separado e distinto” de Marrocos, sem que este país exerça qualquer soberania sobre o território.

Quando, em 1991, o Conselho de Segurança das Nações Unidas estabeleceu a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental, através da Resolução 690, os timorenses sentiram-se motivados e esperançados de que um dia seria também a nossa vez.

Mas em 1992, o referendo no Sahara Ocidental foi adiado.

Apelo agora, depois de dezenas de resoluções do Conselho de Segurança, à sua aplicação com vista a um referendo de autodeterminação do povo saharaui.»

domingo, 22 de setembro de 2024

AAPSO na 1.ª Grandi Marxa Kabral em Portugal

 


Centenas de pessoas, de várias raças, género e idades, desceram este sábado a Avenida da Liberdade, em Lisboa, na primeira Marxa Cabral em Portugal organizada pelo Movimento Negro.

"Amílcar Cabral, unidade e luta. Contra o racismo e a xenofobia", foram as palavras com que a Marxa (marcha, em crioulo) Cabral arrancou da Praça do Marquês de Pombal animada por batucadeiras, fortes sons de tambores, muitos gritos e vivas a Cabral, o líder africano e anticolonialista que faria este ano 100 anos de idade.





Uma delegação da Associação de Amizade Portugal - Sahara Ocidental (AAPSO) associou-se à iniciativa , tendo no final a dirigente da AAPSO, Luisa Teotónio Pereira, informado em traços gerais os manifestantes presentes sobre o ponto actual do processo de descolonização naquela que foi colónia espanhola até 1975 e, desde então, está em grande parte ocupada pelo Reino de Marrocos. Presente também um membro da delegação da Frente POLISARIO no nosso país.

Em 1972 Amílcar Cabral afirmava na IV Comissão (sobre Descolonização) da Assembleia Geral da ONU:


Amílcar Cabral (1924-1973)

"A resolução sobre a descolonização [1960] (...) comprometeu a própria ONU a fazer todo o possível para acabar com a dominação colonial onde quer que ela se encontre, a fim de facilitar o acesso de todos os povos colonizados à independência nacional".

(nascido em Bafatá, na então Guiné Portuguesa, actual Guiné-Bissau, a 12 de setembro de 1924), Amílcar Cabral foi um lúcido político, tendo-se formado em Agronomia em Lisboa. Conhecia profundamente o seu país colonizador, o regime ditatorial que então o governava e o povo português. Nunca confundiu um e outro. Ao contrário, considerava o povo português um aliado. E afirmava:

"(...) nós temos uma longa caminhada juntamente com o povo português. Não foi decidido por nós, não foi decidido pelo povo português, foi decidido pelas circunstâncias históricas do tempo da Europa das Descobertas e pela classe de "antanho", como se diz em português antigo; mas é verdade, é isso! Há essa realidade concreta! Eu estou aqui falando português, como qualquer outro português, e infelizmente melhor do que centenas de milhares de portugueses que o Estado português tem deixado na ignorância e na miséria. [...] Nós marchamos juntos e, além disso, no nosso povo, seja em Cabo Verde seja na Guiné, existe toda uma ligação de sangue, não só de história mas também de sangue, e fundamentalmente de cultura, como o povo de Portugal. [...] Essa nossa cultura também está influenciada pela cultura portuguesa e nós estamos prontos a aceitar todo o aspecto positivo da cultura dos outros".[in Tomás Medeiros (2012). “A Verdadeira Morte de Amílcar Cabral”]

A Guerra no Sahara Ocidental de 01 a 17 de Setembro

 


O Exército de Libertação do Povo Saharaui (ELPS) prossegue a guerra de desgaste e usura (humano e material) contra o dispositivo militar marroquino de ocupação no Sahara Ocidental. As operações tiveram lugar um pouco por todo o território. de Norte a Sul. As regiões no extremo norte e nordeste do território do Sahara Ocidental foram particularmente visadas pelo ELPS neste período.

 

01 de setembro - Unidades do Exército Popular de Libertação Saharaui (ELPS) atacaram bases inimigas na zona de Ameheibes Tadrib, no setor de Mahbes, no nordeste do territorio ocupado e na zona de Almasmàr no setor de Touizgui, já no interior das fronteiras de Marrocos reconhecidas internacionalmente, causando feridos e baixas mortais nas fileiras do exército invasor marroquino.

03 de setembro - Destacamentos avançados do Exército Popular de Libertação Saharaui (ELPS) lançaram esta terça-feira e no dia anterior uma série de ataques contra várias bases das forças de ocupação marroquinas entrincheiradas nas zonas de Rus Asawal e Rus Lagteitra, no setor de Hauza, Saguia El Hamra, região central do Sahara Ocidental, provocando consideráveis perdas humanas e materiais nas suas fileiras.

04 de setembro - Comunicado de guerra tornado público pelo Departamento de Organização Política do Exército Popular de Libertação Saharaui, dá conta que unidades avançadas do ELPS efetuaram esta quarta-feira bombardeamentos concentrados contra vários alvos inimigos situados na região de Agleibat Al-Agaya, no sector de Bagari, na região de Rio de Ouro, no sul do Sahara Ocidental.

06 de setembro - Unidades do Exército Popular de Libertação Saharaui realizaram um ataque a enclaves e sede de comando do exército inimigo no setor de Hauza causando baixas nas fileiras do exército de ocupação.

07 de setembro - Forças saharauis atacaram posições de tropas marroquinas estacionadas na zona de Suehàt, no setor de Farsia (região de Oue Draa, no norte do Sahara Ocidental) causando destruição de material e baixas nas fileiras do ocupante marroquino.




08 de setembro - A Direção Central do Comissariado Político do ELPS, informou hoje que unidades militares saharauis levaram a cabo um ataque contra as tropas marroquinas estacionadas na zona de Russ Uad Egajgal, no sector de Hauza, causando baixas mortais nas fileiras do exército invasor marroquino.

10 de setembro - Forças do ELPS atacaram posições do exército invasor nas zonas de Sabaja Tanuchad e Grarat Alfarsik no setor de Mahbes de causando baixas nas fileiras inimigas.

11 de setembro - forças do ELPS atacaram entre as 18:53 e as 19:10 a base de um batalhão do exército real de ocupação marroquina implantada na zona de Amagli Adachra no setor de Amgala, no centro do território, na região de Saguia El Hamra

13 de setembro - Ataque a bases inimigas nas zonas de Shark Laghrab e Shark Sad-dra, no setor de Guelta, causando destruição e baixas no exército invasor marroquino.

17 de setembro - Unidades do ELPS levaram a cabo na véspera, e na manhã desta terça-feira uma série de bombardeamentos contínuos e concentrados contra várias bases da linha da frente e da retaguarda no setor de Mahbes, específicamente nas regiões de Amheibis At-tadrib e Aagad Aragán, e uma outra base inimiga instalada no mesmo setor, causando pesadas baixas nas fileiras do exército de ocupação.



sábado, 21 de setembro de 2024

Comandante do Centro Saharaui de Estudos Estratégicos morre de doença prolongada

 


SPS - 20-09-2024 | Em mensagem de condolências, o Ministério da Defesa Nacional transmitiu em nome de todos os quadros e combatentes do Exército Popular de Libertação Saharaui à família do mártir, as suas mais profundas condolências e sinceras manifestações de pesar.

O falecido militar foi um dos primeiros a integrar as células da Frente Popular de Libertação de Saguia El-Hamra e Rio de Oro e as fileiras do Exército Popular de Libertação Saharaui, e um dos primeiros grupos a enfrentar a invasão marroquina pelo norte (Primeira Guerra contra Marrocos).

 Durante a sua longa carreira de luta ao serviço do seu povo, o chefe militar desempenhou e assumiu várias tarefas e funções como diretor regional, diretor central, adido militar, comandante de várias regiões militares e, finalmente, diretor-adjunto do Centro de Estudos Estratégicos Saharaui.

Liderou as unidades da Primeira Região para repelir o ataque marroquino em violação do acordo de cessar-fogo, o que levou ao recomeço da luta armada em 13 de novembro de 2020, uma guerra contra a ocupação que já dura há quase quatro anos.

O desaparecimento físico do diretor-adjunto do Centro de Estudos Estratégicos Saharaui fconstitui uma grande perda para o povo saharaui, para o Exército de Libertação do Povo Saharaui (ELS) e para a instituição militar saharaui.

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Marrocos: “A abertura política exige liberdade de expressão”

 


Orient XXI - autor: Omar Brouksy(*) - 19/09/2024

Fundada em 1979 por um grupo de activistas de esquerda, a Associação Marroquina dos Direitos Humanos (AMDH) é hoje a maior ONG em Marrocos, graças a uma grande rede de activistas em todo o país, o que não a impede de estar na mira das autoridades. Cobrindo tanto os aspectos políticos como sociais dos direitos humanos, a AMDH denuncia, pela voz do seu presidente Aziz Ghali, eleito em 2019, a coabitação de dois Marrocos. Alerta também contra a ilusão de abertura política após a libertação de vários jornalistas. Entrevista.


Omar Brouksy - No dia 8 de setembro de 2024, um ano após o terramoto que devastou a região de Al-Haouz (2.960 mortos e 6.125 feridos) no Alto Atlas marroquino, chuvas torrenciais mataram 18 pessoas, sem contar com os desaparecidos, e destruíram várias casas. Até ao momento em que falamos, nenhum dirigente político se tinha deslocado à região. Graças à sua rede de activistas locais, a Associação Marroquina dos Direitos do Homem (AMDH) acompanha de perto a situação. De que informações dispõe?

Aziz Ghali. — Uma das nossas principais observações é o facto de a maior parte das casas destruídas pelas cheias terem sido construídas nas margens dos oueds (rios, ribeiras), o que, sem dúvida, agravou a situação. Por um lado, as pessoas não têm meios para construir nas montanhas porque não existem infraestruturas rodoviárias, o que agrava o problema do isolamento. Algumas casas são construídas nos próprios leitos dos oueds que estão a secar há anos devido à falta de chuva.

Mas o que está a acontecer hoje com as inundações confirma o que já dissemos sobre o terramoto de 8 de setembro de 2023. Esperávamos que o Estado tomasse medidas concretas e mobilizasse todos os seus recursos para fazer face à situação da forma mais eficaz possível. Mas, um ano mais tarde, os mesmos problemas voltaram a surgir com as inundações no sul: as pessoas continuam a ser deixadas à sua sorte e os serviços de emergência são maioritariamente geridos pela população local. As únicas pontes que resistiram às cheias são as construídas durante a época colonial, enquanto as construídas recentemente nem sequer cumprem as normas de solidez e segurança, o que revela a extensão da corrupção e a falta de acompanhamento na execução dos projectos estruturantes. Em suma, o Estado está praticamente ausente.


Porque é que o governo ainda não declarou estas regiões como “zonas de catástrofe”?

O Estado não quer assumir a responsabilidade jurídica de tal decisão, porque implicaria despesas e indemnizações, como aconteceu com o terramoto. Quando o Estado declara uma zona como “zona de catástrofe”, deve mobilizar os recursos adequados para responder às necessidades urgentes da população afetada. Para evitar isso, não faz nada.


A marginalização destas regiões por parte do Estado é deliberada ou deve-se simplesmente à falta de recursos?

Continuamos a reger-nos pela teoria colonialista do “Marrocos útil” e do “Marrocos inútil”, tese cara ao marechal Lyautey (1854-1934). O Estado investe nas regiões que considera “rentáveis”, mas no “outro Marrocos”, a marginalização é deliberada para que ninguém saiba o que lá se passa.

A região de Tata, no sul de Marrocos, a mais afetada pelas inundações, e a região de Imider são muito ricas em metais preciosos, nomeadamente ouro e prata. Estas minas são exploradas pelo grupo Managem, que é controlado pela família real, mas os habitantes destas regiões ainda vivem na Idade da Pedra. As estatísticas de que dispomos sobre este assunto são frequentemente muito difíceis de obter, como se houvesse uma cortina de fumo para nos manter na obscuridade. Quando visitámos a mina de Imini, perto de Errachidia [no sul do país], vimos como estava isolada do mundo exterior. Há apenas a mina e uma pequena “aldeia de trabalhadores”, nada mais; não há estradas e, acima de tudo, praticamente não há infraestruturas de saúde.

Tanto nestas regiões como em Al-Haouz, gravemente atingida pelo terramoto, a única infraestrutura sanitária existente limita-se muitas vezes a um dispensário com um enfermeiro, que só está presente no dia do mercado semanal. Nos outros dias, tem de se deslocar a outros mercados e, por conseguinte, a outras regiões. Para não falar das escolas... O que levanta a questão de saber se é necessário gastar 30 milhões de euros para organizar um Campeonato do Mundo(1). Será que precisamos do maior estádio do mundo? Quais são as nossas prioridades?

 

Uma casa em cada cinquenta foi reconstruída

Um ano após o terramoto que atingiu a região de El-Haouz, no Alto Atlas, a maior parte das casas destruídas não foi reconstruída e muitos dos habitantes continuam a viver em tendas...

Graças aos nossos activistas no terreno, estamos atentos ao que se passa na região. Nos próximos dias, publicaremos um relatório sobre o terramoto, um ano depois. Também aqui a situação é catastrófica. Com as últimas chuvas, a vida nas tendas está a tornar-se insuportável. Mesmo as indemnizações são desiguais e irracionais, sem ter em conta as realidades sociais e familiares. Por exemplo, em muitas famílias, o avô, o pai e os filhos vivem todos no mesmo sítio, mas só o avô recebeu a indemnização.

No que se refere à reconstrução, os números são desoladores: das 50.000 casas destruídas, segundo os dados oficiais, apenas mil foram reconstruídas. O resto da população continua a viver em tendas. No entanto, o governo tinha recolhido 120 mil milhões de dirhams (12 mil milhões de euros) graças à solidariedade e à generosidade dos marroquinos no país e no estrangeiro, uma soma que devia ser utilizada para reconstruir e reparar o que o terramoto tinha destruído.


E para onde foi o dinheiro?

É exatamente essa a questão. Portanto, não se trata de uma questão de dinheiro. Tomemos o exemplo de Talat N'Yaaqoub, perto de Marraquexe, uma região muito afetada pelo terramoto e que visitei recentemente. O único centro de saúde que servia a região foi destruído pelo terramoto. Ainda não foi reconstruído. Porque é que ainda não foi reconstruído? É um mistério. Sempre que há uma catástrofe natural, descobrimos “outro Marrocos”, como se estivéssemos a descobrir outro planeta.


No Rif, nada mudou desde o Hirak(2)


A 30 de julho, o rei Mohamed VI indultou os três jornalistas Omar Radi, Soulaimane Raissouni e Taoufik Bouachrine, e encerrou o processo contra o historiador Mâati Monjib e os jornalistas Hicham Mansouri e Samad Aït Aïcha. Porque é que os activistas do Rif, que nunca apelaram à violência, não beneficiaram deste perdão?

Não são apenas os activistas da Rif. Há também activistas saharauis detidos e condenados na sequência dos acontecimentos de Gdeim-Izik em 2010, e ciber-militantes detidos por denunciarem a normalização de Marrocos com o Estado genocida de Israel, bem como o grupo liderado por Abdelkader Belliraj, condenado em 2009 a prisão perpétua por “atentar contra a segurança do Estado” e “constituir um grupo terrorista”(3). No total, a AMDH contabilizou 97 presos políticos e de consciência em Marrocos actualmente.

A libertação dos jornalistas foi conseguida após uma longa campanha de apoio e pressão por parte das organizações de defesa dos direitos humanos e dos meios de comunicação social independentes. Esta libertação ocorre um ano após o relatório do Parlamento Europeu sobre os chamados Qatargate e Moroccogate(4).

O facto de os activistas do Rif não terem beneficiado desta medida está ligado, creio eu, à situação atual no Rif (norte do país), que não sofreu qualquer alteração desde a sua detenção em 2017. Assim, continua a existir o risco de novos distúrbios. O que é que mudou, por exemplo, em Al-Hoceima, a maior cidade do Rif e o epicentro do Hirak de 2017? Nada. Há um hospital, mas está vazio, e os grandes projectos de que o regime falava, como o projeto “Manarat Al-Moutawassit” (Faróis do Mediterrâneo), não foram realizados. Em suma, as condições de protesto mantêm-se. A outra explicação é que as famílias dos militantes do Rif estão a ser instadas a pedir um perdão real. Trata-se de uma velha estratégia de desgaste do regime, para que este não pareça ter cedido à determinação dos dirigentes da Rif.


A libertação dos jornalistas não reflete a vontade do regime de se abrir politicamente?

Penso que não, porque a abertura política exige muitas condições. A primeira é a liberdade de expressão. Este é o verdadeiro termómetro para medir a vontade ou a falta de vontade de enveredar pela abertura política. Quem é que expõe os escândalos políticos e financeiros? Quem informa sobre as injustiças e as desigualdades sociais? É a imprensa. No final dos anos 90, quando começámos a falar de abertura política com o antigo rei Hassan II, havia uma imprensa forte e independente, como Le Journal, Assahifa, Demain, etc. Estes meios de comunicação social acompanharam este processo de abertura política. Estes meios de comunicação social acompanharam este processo de abertura. Atualmente, já não há nada, e mesmo o contexto político e social não é propício a uma verdadeira liberdade de expressão. Houve uma altura em que dizíamos que já não tínhamos uma imprensa independente, mas pelo menos tínhamos escritores independentes. Atualmente, mesmo essas vozes independentes já não existem. Ou deixaram o país ou mudaram de profissão. Depois, há o papel do poder judicial. Também aqui, sem uma reforma e uma verdadeira separação de poderes, não se pode falar de abertura política. Mesmo a atual Constituição, com todas as suas limitações, não é aplicada de forma eficaz.

Permitam-me que vos dê um exemplo: a questão do Amazigh. A atual Constituição faz do Amazigh, pela primeira vez, uma língua oficial, a par do árabe. Mas será que isso se traduziu na prática? A resposta é não. O sistema judicial adaptou-se a esta reforma constitucional? Nos tribunais e durante os julgamentos, só se utiliza o árabe, quer nas alegações quer nos debates. No entanto, uma grande parte dos nossos concidadãos de língua berbere não compreende uma única palavra de árabe. Nalgumas regiões, os médicos trabalham como veterinários. Não tem qualquer relação com o doente. Porquê? Porque o médico é francófono e árabe, enquanto o doente é berbere. Para não falar do facto de o ensino do Amazigh estar praticamente bloqueado.


Omar Brouksy - Jornalista e professor de ciências políticas em Marrocos. Foi chefe de redação do “Journal hebdomadaire” até ao seu encerramento, em janeiro de 2010, e jornalista da Agence France-Presse. É autor de “Mohammed VI derrière les masques. Le fils de notre ami” (Éditions du Nouveau-Monde, Paris 2014) e “La République de Sa Majesté. France-Maroc, liaisons dangereuses” (Prefácio de Alain Gresh), Nouveau-Monde, 2017. Ambos os livros estão proibidos em Marrocos.


(1) - O Campeonato do Mundo de Futebol Masculino de 2030 será disputado em Marrocos, Espanha e Portugal.

(2) - O Movimento Hirak Rif ou Movimento Rif é um movimento de resistência popular que organizou protestos em massa na região do Rif Berbere, no norte de Marrocos, entre outubro de 2016 e junho de 2017.

(3) - Em 2016, o Grupo de Trabalho da ONU declarou que a prisão e a detenção de Belliraj foram arbitrárias e que o Reino de Marrocos tinha “a obrigação de lhes pôr termo e de conceder à vítima uma reparação adequada”.

(4) - Os eurodeputados Antonio Panzeri e Andrea Cozzolino, bem como o seu antigo assistente Francesco Giorgi, são suspeitos de terem trabalhado secretamente a favor de Marrocos no Parlamento Europeu, com a cumplicidade de Abderrahim Atmoun, atual embaixador de Marrocos na Polónia, e de Mohamed Belharache, oficial dos serviços secretos marroquinos, a DGED.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O espectro das mudanças climáticas: uma conversa com Mohamed Sleiman Labat



Este artigo faz parte de uma série de reportagens publicadas no «Spheres of Influence» (SOI) sobre os acontecimentos que rodearam a viagem do editor-chefe da SOI, Parsa Alirezaei, a Tindouf, Argélia, até ao FiSahara 2024 e à conferência da União de Jornalistas e Escritores Saharauis ( UPES) sobre a objetividade dos media e dupla padrões. O artigo foi editado por Bethlehem Samso.

Autor: Parsa Alirezaei (*) | 17 de setembro de 2024

 

É uma crise climática global, sentida tanto pelos saharauis como pelos Sami do Círculo Polar Ártico. No centro desta história está um povo cujas terras são ricas num mineral valioso: o fosfato.

Infelizmente para os saharauis, é o material que faz crescer os alimentos num mundo obcecado pelo agronegócio, com pouco cuidado com a terra e as pessoas das não tão antigas colónias.

Viajei até à província de Ausserd, onde visitei um campo de refugiados saharauis, um dos seis campos localizados a leste de Tindouf, na Argélia. Estes campos têm o nome de aldeias e cidades do território ocupado do Sahara Ocidental, que fica a centenas de quilómetros de distância, através da fronteira com a Argélia. Aí decorreu a décima oitava edição do Festival Internacional de Cinema FiSahara, tendo as alterações climáticas como tema crucial e central nas discussões e debates.

O festival de cinema teve uma mensagem clara desde o início: «resistir é vencer». O slogan inspirador do FiSahara deste ano está enraizado na luta pela libertação nacional. Refere-se ao título da autobiografia do lutador pela libertação e líder timorense Xanana Gusmão, e os organizadores do festival destacaram uma profunda ligação global: a luta timorense contra a Indonésia pela libertação nacional espelha a luta saharaui contra Marrocos.

Os saharauis – um povo nómada – enfrentam dificuldades crescentes devido à diminuição das pastagens e à mudança dos ecossistemas na sua outrora vasta terra natal, o Sahara. Algumas dificuldades podem ser atribuídas ao conflito em curso entre a Frente Polisario e a ocupação marroquina no Sahara Ocidental; no entanto, a maioria das mudanças que os saharauis enfrentam remontam à história recente, incluindo a competição colonial pela terra, o estabelecimento injusto de fronteiras pelas potências coloniais e algum irredentismo pós-colonial por parte dos estados emergentes da região.

Muitos saharauis viveram toda a sua vida no exílio, mas a sua experiência pouco faz para quebrar essa ligação à sua terra. Na entrevista que se segue com Mohamed Sleiman Labat — um artista, cineasta, escritor e tradutor multidisciplinar saharaui — aprendi sobre a natureza sensível dos ecossistemas e a natureza adaptativa dos saharauis.

 

Como é que o seu filme (DESERT PHOSfate) e o seu ativismo destacam as lutas do passado saharaui e as soluções futuras num clima e num ecossistema em mudança?

O meu filme DESERT PHOSfate na verdade não fornece respostas. Em vez disso, [convida] os espectadores numa viagem de narrações, imagens e metáforas. [O filme incentiva-os a conectarem-se com] a história do povo saharaui [e a desenvolverem] as suas próprias respostas e posições em relação às questões éticas, à injustiça e à violência social, política e ecológica multifacetada que todos atravessamos. Esta história não é exceção e não está longe da vida de ninguém. Os capítulos do filme entrelaçam narrativas do passado [estilo de vida] nómada dos saharauis até à sua situação atual nos campos de refugiados. Combina o passado e o presente [da comunidade] para ilustrar como o nosso povo viveu no passado, como acabámos num campo de refugiados e o que causou essa deslocação.

Diferentes potências extrativistas coloniais estrangeiras, como Espanha, Marrocos e as empresas multinacionais envolvidas na extração de recursos naturais no Sahara Ocidental, fizeram com que o povo saharaui perdesse a sua terra natal. É uma típica história colonial e de deslocação de povos indígenas porque a nossa terra é rica em recursos. Mas poucas pessoas sabem realmente sobre esta história [mesmo que] muitas pessoas estejam ligadas a ela. O fosfato extraído da nossa terra é provavelmente utilizado como fertilizante para cultivar os alimentos que comem no outro lado do planeta, e está a provocar a deslocação do povo saharaui e a prolongar a ocupação da nossa terra natal, o Sahara Ocidental.


Mohamed Sleiman Labat intervindo na mesa redonda do FiSahara 2024 
sobre a crise climática.

As ligações globais sugerem [indiretamente] às pessoas, mais uma vez, que isto também pode acontecera elas. Esta [dica] não é algo distante – estamos todos ligados e o que acontece num determinado local pode ter impacto numa comunidade distante ou num ecossistema. Portanto, não é só a história dos saharauis. É a história da humanidade e do nosso destino enquanto espécie. [Este tipo de sabedoria deve transparecer] no filme, mas adoro como as pessoas que falam no meu filme não a expressam diretamente. Utilizam as suas próprias formas de narrar e contar. Sei que os idosos da nossa comunidade têm a sabedoria que pode reorientar os nossos corações e mentes para viver e conviver com outras pessoas nesta terra.

 

Na mesa redonda, falou brevemente sobre a natureza delicada das relações intra-ecossistémicas e inter-ecossistémicas - especificamente sobre o impacto dos fosfatos saharauis no Mar Báltico. Poderia especificar? Como é que o fosfato saharaui — extraído e vendido pelas autoridades de ocupação marroquinas — tem impacto no ecossistema do Báltico?

Estou muito interessado em destacar a ligação entre os processos locais e as ligações globais. Nem sempre prestamos atenção a isso, mas o que acontece localmente em algum lugar [de facto] impacta outros lugares em todo o mundo, especialmente por causa da intervenção humana.

O fosfato extraído do Sahara Ocidental é utilizado na fertilização agrícola em muitas partes do mundo, incluindo a Austrália, Nova Zelândia, América do Norte e região do Mar Báltico. A introdução de fosfato do Sahara Ocidental nestes ecossistemas nem sempre funciona bem a longo prazo. O fósforo processado, por exemplo, no caso do Mar Báltico, acaba por se infiltrar nos cursos de água e provocar a eutrofização. As algas alimentam-se do excesso de fósforo, crescendo rapidamente e provocando o esgotamento de oxigénio e azoto no mar. Isto tem um impacto negativo na vida marinha [uma vez que muitas] criaturas marinhas partem [à força] para outras áreas. Além disso, os cientistas falam de zonas mortas no fundo do Mar Báltico, que estão a tornar-se desertos.

Ora, quando extraímos alguns minerais de uma área local e os levamos para outro [local], perturbamos o equilíbrio desses ecossistemas porque introduzimos algo de novo no ecossistema local. É como a química em grande escala – claro, o ecossistema a reagir. O problema é que muitas vezes não estamos preparados para estas reações. Parece que as empresas só são capazes de provocar estas catástrofes.

 

Como pode a arte envolver-se com as questões políticas e sociais das alterações climáticas de uma forma que um artigo ou artigo científico dificilmente consegue? Especificamente, porque é que o filme é o meio apropriado para a sua mensagem?

Tento evitar uma abordagem binária de um ou outro. Sinto que há necessidade de [os métodos] artísticos e científicos se unirem. Envolvo-me com estes processos – informado pela informação científica – mas equipado e guiado pela informação da minha comunidade e da minha prática criativa. A contribuição científica é sobre factos. Podemos apresentar factos às pessoas e elas podem compreendê-las, mas isso não parece ser suficiente. O que acho que falta é a história. Uma história que envolve as pessoas [de forma diferente] do que os factos, os números e as estatísticas. Uma história que possa, de alguma forma, permitir que se conectem, sintam e se relacionem com outras pessoas, lugares e formas de viver. É uma forma diferente de nos relacionarmos com o mundo. E acho que os filmes, as histórias e as artes têm essa possibilidade. Vivemos num mundo inundado de informação, factos, números e algoritmos.

O que precisamos é de uma forma diferente de nos relacionarmos com o mundo. Mais do que a linguagem dos números e dos factos, enquanto espécie, o que realmente precisamos é de uma história! Algo para guiar as nossas mentes confusas e corações stressados. Algo que nos possa de alguma forma mostrar que as coisas acontecem em círculos. A violência que alguns de nós sofremos pode causar dor e perda a outros, sendo esses outros seres humanos e seres vivos e sistemas no mundo não humano.

 

(*) - Parsa Alirezaei é estudante na Universidade Simon Fraser. É editor-chefe da «Spheres of Influence» e editor-chefe do Gadfly Undergraduate Journal of Political Science.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Marrocos continua a demolir casas de famílias saharauis no Sahara Ocidental ocupado



SPS | 10/09/2024 - Dakhla (Zonas Ocupadas)-. Marrocos quer impor a sua política de factos consumados e a sua anacrónica política de terra queimada no Sahara Ocidental, destruindo a fonte de subsistência, demolindo casas e confiscando os bens dos saharauis que vivem sob ocupação.

Neste contexto, as autoridades de ocupação marroquinas destruíram casas de saharauis que viviam na zona de Esswehal, a 40 km da cidade ocupada de Dakhla, no sul do território. Os actos marroquinos de demolição de casas atingiram também as cidades de El Ayoun, Smara e Bojador.

O ministério para os Assuntos das Zonas Ocupadas e das Comunidades no Estrangeiro da República Saharaui havia já anteriormente condenado em comunicado a ocupação marroquina que confisca terras e bens saharauis, destrói casas e obriga os saharauis a abandonar pela força as suas zonas de residência.

O regime «sionizado» de Marrocos prossegue a sua política de instalação de colonos marroquinos, destruição e demolição de casas saharauis, pilhagem, roubo de recursos naturais e confisco de bens saharauis.

Perante estes actos ignóbeis, existe uma comunidade internacional amnésica e uma ONU inoperante e curvada à vontade de Estados párias.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Entrevista com Souleiman Raissouni, jornalista marroquino indultado: “Não deixarei Marrocos. Que saiam os corruptos e os criminosos que estão no poder”.

 

Souleiman Raissouni

Francisco Carrión (@fcarrionmolina) 01/09/2023 - El Independiente

É um dos rostos do jornalismo livre punido em Marrocos. Vítima de uma campanha selvagem de difamação, espionagem e acusações forjadas pelo aparelho judicial marroquino, Souleiman Raissouni foi libertado no final de julho na sequência de um perdão real que também permitiu a outros jornalistas marroquinos deixarem para trás o calvário da prisão. Agora, passadas as primeiras semanas da sua libertação, Souleiman Raissouni dá ao El Independiente uma das suas primeiras entrevistas.

As suas declarações são firmes e contundentes, sem receio de represálias. Em 2021, foi condenado a cinco anos de prisão por alegadamente ter “agredido sexualmente” um homem gay, por factos que remontam a 2018, quando o repórter fazia uma reportagem sobre a comunidade gay, uma orientação sexual punível com pena de prisão em Marrocos. Raissouni sempre negou as acusações e fez uma greve de fome que quase lhe custou a vida. O seu julgamento injusto foi condenado pela ONU e por organizações de direitos humanos.

Em janeiro de 2023, Raissouni - antigo chefe de redação do diário independente 'Ajbar al Youm', que teve de encerrar em março de 2021 por falta de fundos - e os seus colegas marroquinos na prisão receberam o apoio do Parlamento Europeu, que aprovou uma condenação histórica contra a repressão dos jornalistas em Marrocos, no meio do envolvimento de Marrocos no escândalo Qatargate e sob pressão do regime alauíta. Os eurodeputados do PSOE votaram contra a resolução, quebrando o apoio do bloco social-democrata e mostrando, pela enésima vez, a sua solidão.

 

Como se sente após a sua libertação da prisão?

Tenho a impressão de que nada de importante mudou em Marrocos. Sinto que a minha existência e a minha liberdade estão em perigo. Com efeito, desde o dia seguinte à minha libertação que a imprensa ligada aos partidos que fabricaram o meu processo de detenção começou a ameaçar-me com uma nova detenção devido às posições que exprimi numa recepção organizada por militantes dos direitos humanos e democratas. Tanto mais que os jornais difamatórios mais conhecidos, que lideraram a campanha que me ameaçava e prometia mandar-me de volta para a prisão, pertencem a um alto funcionário do Ministério do Interior, chamado Khabbashi.

A decisão real de indultar os jornalistas e militantes foi uma correção dos crimes cometidos pelos “serviços” contra nós e as nossas famílias, de uma falta de ética como nunca se tinha visto em Marrocos. Esta decisão poderia ter sido histórica se tivesse sido acompanhada de uma decisão política de desmantelamento de dezenas de jornais difamatórios associados aos responsáveis pelo trabalho sujo e pelos assassínios morais de opositores e intelectuais independentes. E se tivesse esvaziado as prisões dos restantes presos políticos. E instaurado um clima de verdadeira liberdade de expressão. Infelizmente, isso não foi acompanhado pelo indulto assinado pelo rei Mohamed VI.

 

Um antigo ministro da Justiça marroquino atacou-o ao qualificar os jornalistas libertados de “egoístas e presunçosos” por não terem agradecido ao Rei pelo perdão. De facto, o senhor é o único que não agradeceu a Mohamed VI. Como foi o regresso?

Os jornalistas e activistas libertados e eu tivemos três recepções importantes: a primeira foi do partido La voie Démocratique Travailliste (A Via Democrática, um partido marroquino de esquerda) e a segunda foi do comité marroquino de apoio aos presos políticos. Quanto à terceira recepção, foi-me dada pelos habitantes da minha cidade, Ksar el Kebir, e foi uma grande recepção popular e calorosa. Estas recepções enfureceram as partes que fabricaram os nossos processos de detenções, e isso é algo que posso compreender, porque eles vêem a nossa vitória como a sua derrota e a nossa libertação da prisão como o primeiro passo para os deter e o desmantelar as suas sujas ferramentas.

Quanto ao que Mustafa Ramid, antigo Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, disse sobre alguns dos detidos libertados, é desequilibrado e inútil. Conheci-o pessoalmente em sua casa e depois tomei café com ele num local público há alguns dias, e ele não me culpou por não ter agradecido ao rei. Quando escreveu o que escreveu no Facebook, telefonei-lhe e manifestei o meu descontentamento, e ele disse-me para não me preocupar com o que escrevia; que o que escreveu tinha outros objectivos, que não vos posso referir neste diálogo. Já não é segredo que Ramid foi a pessoa que mediou com os jornalistas antes da nossa libertação.

 

Porque não expressou a sua gratidão a Mohamed VI depois de este lhe conceder o perdão?

Seria ingrato se não agradecesse a todos os que ajudaram a pôr fim à minha detenção arbitrária. E se tivesse de agradecer ao Rei, seria porque, ao perdoar-me, corrigiu um erro judicial cometido contra mim, e denunciou todos os que fabricaram o meu historial de prisão e gastaram muito dinheiro público na imprensa sensacionalista que nada mais fez do que me retratar como um violador, a minha mulher como uma prostituta e o meu filho como um bastardo. Já não é segredo que o partido que dirige e financia este jornalismo de retrete com dinheiros públicos é aquele que me deteve injustamente.

Por isso se enfureceu depois do perdão real concedido aos jornalistas, e empunhou as suas trompetas desacreditadas, e o seu braço direito: o Sindicato da Imprensa, para se referir a nós como "ex-jornalistas"... É por isso que digo: Agradeço, Vossa Majestade, e peço a Vossa Majestade, com toda a cortesia e respeito, que me julgue de novo num julgamento justo, uma vez que é o primeiro juiz do país. E que emita a ordem para desmantelar os serviços que planearam a nossa prisão arbitrária e minaram o Estado marroquino e o seu Presidente, que é Vossa Majestade, antes de prejudicar a imprensa e os jornalistas independentes. E que liberte o resto dos presos políticos e crie um clima que permita o regresso dos jornalistas exilados e libertados.

Fiz uma greve de fome recorde, perdi 45 quilos e estive prestes a morrer, pelo simples direito de ser julgado em estado de liberdade e ter todas as garantias legais para tal. O processo que inventaram para mim estava cheio de buracos e contradições. Mas deixavam-me morrer. É certo que não conheço as prioridades do Rei, nem como equilibra os serviços de segurança e quando tem uma boa oportunidade para conceder um perdão ou corrigir um erro, mas a minha simples avaliação é que Marrocos teria ganho muito se me tivesse libertado e me tivesse permitido ter acesso a um julgamento justo. A minha simples avaliação é que a intervenção propriamente dita teria sido mais importante se tivesse ocorrido no início do massacre dos direitos humanos.

Quero agradecer a todos os que me apoiaram durante a minha detenção arbitrária: a minha esposa, a minha família, a minha equipa de defesa, que incluía mais de 50 honrados e corajosos advogados, liderados pelo grande Abd Rahman Ben Amar, e ao coordenador da defesa, o nobre advogado Lahcen Dadsi.



Porque é que a imprensa difamatória não foi desmantelada?

É difícil desmantelar a imprensa difamatória em Marrocos. Ela penetrou no Estado e na sociedade, tornando-se parte integrante do sistema, aplaudindo os seus êxitos, defendendo os seus erros, atacando as vozes críticas e ajudando a fabricar dados falsos e imagens e vídeos para matar simbolicamente. Até o Sindicato da Imprensa, que tradicionalmente desempenhava um certo papel de equilíbrio entre os media oficiais, os jornais da oposição e a imprensa independente, defende agora sem reservas o regime e os seus erros. É importante saber que o presidente deste sindicato e o seu adjunto são funcionários de um jornal que pertence ao chefe de imprensa de um dos serviços secretos. Segundo Julian Assange, este sindicato difamou jornalistas detidos em tribunal.

A diretora do Conselho Nacional de Imprensa também mentiu à Federação Internacional de Jornalistas, afirmando que estava convencida do nosso envolvimento em crimes sexuais, antes de o presidente da IFJ o ter desmentido numa declaração pública. Entretanto, Dominique Pradalié enviou uma carta em que afirmava que a detenção do jornalista Souleiman Raissouni era uma detenção arbitrária, que o Estado marroquino deveria libertá-lo e que o Sindicato da Imprensa marroquino deveria envolver-se na campanha pela sua libertação, tal como as Nações Unidas afirmaram numa declaração muito forte. Conclusão: o desmantelamento da imprensa difamatória em Marrocos já não é fácil e deve assentar numa decisão política do Rei e num caminho que procure desmantelar a forte e coesa estrutura de corrupção que rejeitou até um perdão real.

 

Como recorda os anos que passou na prisão?

Foi uma experiência dura, e foi o suficiente para que o Delegado Geral da Administração Penitenciária e da Reabilitação, Mohamed Salah Tamek, recebesse instruções dos serviços que decidiram fabricar a minha prisão para atacar todos aqueles que se solidarizaram comigo, incluindo o antigo Presidente tunisino Moncef Marzouki. Este grande carcereiro condenou-me antes de os tribunais terem pronunciado o seu veredito contra mim. Fiquei muito magoado quando me roubaram os meus diários e a correspondência que troquei com o jornalista preso Omar Radi, que tencionávamos publicar num livro, bem como o meu manuscrito de um romance literário... Sofri muito com as campanhas de difamação dirigidas contra mim e contra a minha mulher, e fui impotente para responder aos cobardes “colegas” envolvidos nessas odiosas campanhas de difamação.

 

Não sei se sabe porque é que lhe foi agora concedido um perdão real...

Quem conhece as verdadeiras razões do perdão é quem o concedeu, ou seja, o Rei. Mas o que é certo é que o perdão é uma correção do erro da minha detenção, que os juízes do Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas confirmaram ser uma detenção arbitrária. Marrocos detém atualmente a presidência do Conselho dos Direitos do Homem. Há também uma resolução do Parlamento Europeu que confirma a resolução da ONU sobre a natureza da minha detenção arbitrária, confirmada pelas mais importantes organizações de direitos humanos em Marrocos e em todo o mundo.

 

Espera poder trabalhar como jornalista em Marrocos?

Quando escolhi ser jornalista de investigação num país como Marrocos, sabia o que me esperava: a prisão e coisas piores do que a prisão. Mesmo na prisão, eu era jornalista, pelo que se vingaram de mim confiscando os meus escritos e filmando-me enquanto tomava banho nu; e publicarem isso nunca aconteceu, nem nas piores prisões do mundo. Por isso, sou jornalista contra a vontade do carrasco e a imprensa da autoridade que abençoa a injustiça e a corrupção.

 

O que tenciona fazer agora e se já pensou em deixar Marrocos?

Nunca tive a ideia de sair do meu país. Estive preso durante mais de quatro anos em regime de isolamento e quase morri quando fiz 122 dias de greve da fome. Tudo por um Marrocos democrático. Portanto, aqueles que são obrigados a sair de Marrocos são os corruptos e os criminosos que estão no poder. Mais tarde ou mais cedo, abandonarão o país, como aconteceu durante as manifestações do Movimento 20 de fevereiro de 2011. Tenho mulher e filho, e eles sofreram com o resto da minha família durante a minha detenção arbitrária, algo que as famílias dos detidos não sofreram nem mesmo durante o regime do ditador Hassan II.

Basta recordar que a imprensa sensacionalista pôs em causa a honra da minha mulher e lançou dúvidas sobre os meus laços parentais com o meu filho. A minha mulher está em mau estado psicológico e vive aterrorizada com uma nova detenção, depois de o jornal de um alto funcionário do Ministério do Interior ter ameaçado enviar-me de novo para a prisão. Tanto mais que foi este jornal que publicou a notícia da minha detenção em 2020, vários dias antes de esta ter lugar. Por isso, se a minha mulher decidir que temos de sair de Marrocos, não terei outra alternativa senão partir.

 

A oposição qualificou o perdão real de “incompleto”. Quem permanece atrás das grades e quem deveria ser libertado?

Foi-lhes apresentada uma lista de nomes de grupos de acordo com as mais importantes organizações marroquinas e internacionais de defesa dos direitos humanos: Grupo de detidos dos protestos do Rif (7); Grupo Belliraj; Grupo Gdeim Izik do Sahara; prisioneiro Brahmi Mofo das manifestações na cidade de Figuig e o antigo ministro Mohamed Ziane.

 

Quais são os seus planos para o futuro e quais são os seus sonhos?

Tenho ideias e planos para escrever literatura e música. Vou tentar arranjar tempo para as realizar. Claro que sonho em lançar um grande projeto mediático, mas a atual situação política em Marrocos não o permite. Além disso, lançar um projeto como este a partir de um país democrático ocidental, e rever experiências anteriores, passa de um projeto crítico para um projeto de oposição ao sistema político, e não é essa a minha ambição. Espero que não me seja imposta.

sábado, 7 de setembro de 2024

Tenda saharaui atrai a curiosidade dos visitantes da Festa do Avante!




É uma das novidades da Cidade Internacional da Festa do Avante. Pela primeira vez a delegação de Frente Polisario em Portugal conseguiu trazer e montar no recinto da Cidade Internacional de festa da Quinta da Atalaia, no Seixal, uma tenda que dá a conhecer a todos aqueles que a visitam - e foram muitos no primeiro dia da Festa - as difíceis condições em que vivem os mais de 173 mil refugiados na região de Tindouf, no extremo sudoeste do território argelino, desde que o seu país - o Sahara Ocidentel foi ocupado pelo Reino de Marrocos. Já lá vão quase 50 anos.



No dia de abertura da Festa foram muitas as centenas de pessoas que visitaram não só a tenda (Jaima) saharaui como o Stand da Frente POLISARIO, onde se puderam informar do desenvolvimento da luta de libertação do Povo Saharaui e manifestar o seu apoio solidário com a sua causa.

A Festa do AVANTE!, que se realiza desde 1976, atrai não só os militantes e simpatizantes do Partido Comunista Português (PCP), mas também muitos que vão em busca de bons espectáculos musicais e um alegre convívio.