domingo, 16 de novembro de 2025

"Timor-Leste continua a posicionar-se firmemente ao lado do povo saharaui, apoiando o seu direito à autodeterminação e à plena soberania sobre o seu território" (Primeiro-Ministro de Timor-Leste)

 


Díli (Timor-Leste), 16 de novembro de 2025 – O Primeiro-Ministro da República Democrática de Timor-Leste, Kay Rala Xanana Gusmão, reafirmou o firme compromisso do seu país ao lado do povo saharaui, apoiando o seu direito à autodeterminação e à plena soberania sobre o seu território.

A declaração foi feita numa carta datada de 4 de novembro de 2025, enviada pelo Primeiro-Ministro timorense ao Presidente da República e Secretário-Geral da Frente Polisario, Brahim Ghali.
"Timor-Leste continua a posicionar-se firmemente ao lado do povo saharaui, apoiando o seu direito à autodeterminação e à plena soberania sobre a sua terra.

E reconhecemos, pela nossa própria experiência, o profundo significado dessas aspirações e o dever moral que recai sobre os Estados para as apoiar.

A coragem e a resiliência do povo saharaui continuam a ser uma fonte de inspiração para todos os que acreditam na liberdade e na dignidade humana", escreveu o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão na sua mensagem ao Presidente Brahim Ghali.(SPS)

50.º aniversário do Tratado Tripartido de Madrid: o protesto saiu à rua em Madrid


Milhares de espanhóis e saharauis desceram à rua em Madrid, tal como o fazem todos os anos, para protestarem e denunciarem esse ignóbil ato que foi o Tratado Tripartido de Madrid, pelo qual Espanha, em 14 de novembro de 1975, repartiu o território da sua antiga colónia do Sahara Ocidental por Marrocos e Mauritânia, abandonando o seu povo à sorte dos invasores.


Bilbau acolhe jornada sobre vítimas saharauis do franquismo e pós-franquismo


No próximo dia 19 de novembro, Bilbau acolhe a jornada “Contra o Esquecimento. Vítimas do franquismo e o Sahara Ocidental”, uma iniciativa que procura envolver organizações sociais, academia, instituições e partidos políticos no aprofundamento da verdade histórica e na defesa da justiça para o povo saharaui.

O encontro é organizado pelo Instituto Hegoa (Universidade do País Basco), Euskal Fondoa e a Delegação Saharaui no País Basco, com o apoio da Câmara Municipal de Bilbao, e integra a 10.ª edição dos Dias Europeus de Solidariedade Local, promovidos pela União Europeia através da plataforma PLATFORMA.

A jornada decorrerá entre as 09h30 e as 17h30, no Itsasmuseum Bilbao, reunindo representantes de organizações saharauis — como a AFAPREDESA (associação de familiares de presos e desaparecidos), e a AFAB, que representa familiares e amigos de Basiri (Mohamed Sidi Brahim Basir, líder nacionalista saharaui morto em 1970 pelas autoridades coloniais espanholas na sequência do levantamento de Zemla no Sahara Ocidental) — bem como juristas, investigadores, jornalistas e dirigentes políticos. Estarão também presentes associações de vítimas do franquismo, como a Martxoak 3 Elkartea.




Nova investigação sobre a responsabilidade do Estado espanhol

O encontro terá como eixo central a apresentação do estudo “Saharauis: as outras vítimas do franquismo e pós-franquismo. Memória, desmemória e responsabilidades do Estado espanhol”, realizado por Abdeslam Aomar Lahsen, presidente da AFAPREDESA.

A investigação analisa a relação entre Espanha e o Sahara Ocidental sob a perspectiva do colonialismo e das violações de direitos humanos sofridas pela população saharaui durante a ditadura franquista e nos anos posteriores. O trabalho enquadra-se nos princípios da justiça transicional e na Lei de Memória Democrática de 2022, defendendo o reconhecimento do povo saharaui como vítima direta do regime franquista.

Com esta jornada, os organizadores pretendem reforçar a visibilidade destas violações históricas e impulsionar mecanismos institucionais de memória, reparação e responsabilidade.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Jornalistas saharauis discutem dossiê do Sahara Ocidental no Parlamento Europeu


 

Uma delegação da Liga de Periodistas y Escritores Saharauis en Europa (Lpese), composta por cerca de vinte membros, realizou uma visita de trabalho ao Parlamento Europeu, em Bruxelas, para discutir a situação do Sahara Ocidental com vários eurodeputados.
Segundo relata o Periodistas en Español, os jornalistas saharauis alertaram para as tentativas da Comissão Europeia de contornar a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que anulou acordos UE-Marrocos por incluírem o território do Sahara Ocidental sem o consentimento do seu povo. A delegação recordou que “não há solução possível para o conflito sem o respeito pela vontade do povo saharauí” e reiterou que a exploração de recursos naturais só pode ocorrer com o aval do Frente Polisario.
Durante a visita, foi também sublinhada a importância de reforçar a “diplomacia mediática” para combater a desinformação e dar maior visibilidade à causa saharaui nos fóruns internacionais.
O encontro decorreu semanas depois da criação, no Parlamento Europeu, do grupo de amizade Paz para o Povo Saharaui e num contexto marcado por novas resoluções da ONU e pelo 50.º aniversário dos Acordos de Madrid, que dividiram o território.
A Lpese destacou ainda os atuais desafios enfrentados pela República Árabe Saharaui Democrática (RASD) e a necessidade de garantir o cumprimento do Direito Internacional e das resoluções das Nações Unidas

Fonte: Periodistas em Español



quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Pedro Sánchez volta a evitar o tema do Sahara Ocidental no Congresso e enfrenta críticas de vários partidos

 

Pedro Sanchez. Foto La Moncloa


No debate parlamentar de 12 de novembro, o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez voltou a não mencionar o Sahara Ocidental, apesar das perguntas de Sumar, EH Bildu, Podemos e BNG, que exigiram um reposicionamento do Governo sobre o território ocupado por Marrocos.
A deputada Verónica Martínez Barbero (Sumar) criticou o chefe do Governo por ignorar um tema que considerou “uma questão de justiça e de decência política”. Contestou ainda o apoio implícito de Espanha à mais recente resolução do Conselho de Segurança da ONU, que privilegia o plano marroquino de autonomia, e lembrou que o Tribunal de Justiça da UE já determinou que o Sahara Ocidental não faz parte de Marrocos.
Sumar questionou também porque continua bloqueada no Parlamento a proposta de lei para conceder nacionalidade espanhola aos saharauis. Sánchez, na resposta, não fez qualquer referência ao território, limitando-se a advertir os seus parceiros de Governo sobre críticas internas.
EH Bildu, Podemos e BNG alinharam nas críticas, pedindo o abandono do apoio espanhol ao plano marroquino e a reposição da defesa do direito à autodeterminação do povo saharaui.
A porta-voz de EH Bildu, Mertxe Aizpurua, alertou para o risco de Espanha legitimar a “impunidade” de Marrocos. Ione Belarra (Podemos) afirmou que a maioria da sociedade espanhola quer uma mudança de posição e o respeito pelos direitos saharauis. Néstor Rego (BNG) associou o caso ao da Palestina, pedindo “liberdade para todos os povos”.
O Governo espanhol mantém, desde 2022, o apoio ao plano de autonomia marroquino — uma mudança histórica que continua a gerar forte contestação no Parlamento. Mudança política que surgiu após o telemóvel do chefe de Governo espanhol e de vários dos seus ministros terem sido alvo da espionagem marroquina-israelita através do programa Pegasus.



Documentário sobre Aminetu Haidar expõe papel de Espanha e Marrocos na crise do Sahara Ocidental



A ativista saharaui Aminetu Haidar, conhecida como a “Gandhi saharaui”, regressa ao centro do debate político com o documentário Aminetu, realizado por Lucía Muñoz Lucena e produzido pela EntreFronteras, que estreou no Festival Internacional de Cinema do Sahara (FiSahara), em Madrid. O filme revive os 32 dias de greve de fome que, em 2009, colocaram sob pressão o governo de José Luis Rodríguez Zapatero e expuseram as fragilidades da política espanhola em relação ao Sahara Ocidental.




A obra, descrita como um “docuthriller”, combina jornalismo de investigação e narrativa política para reconstruir o episódio em que Haidar, impedida de regressar a El Aaiún, recusou aceitar a nacionalidade marroquina e manteve o protesto até ser autorizada a voltar ao território ocupado. O caso abriu uma crise diplomática entre Madrid e Rabat e revelou divisões internas no executivo espanhol.

O documentário inclui testemunhos de figuras como o juiz Baltasar Garzón, a advogada canária Inés Miranda, a mulher de José Saramago, Pilar del Río, e o actor espanhol Pepe Viyuela, bem como antigos responsáveis políticos — entre eles Agustín Santos Maraver, então chefe de gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, e Luis Planas, atual ministro da Agricultura e ex-embaixador em Marrocos, que defende a proposta marroquina de autonomia como a solução “mais realista” para o conflito.

Zapatero, Miguel Ángel Moratinos e José María Aznar recusaram participar no filme, que denuncia o “apagão político” de 2009 e a persistente “dívida histórica” de Espanha desde o abandono da colónia em 1975.




Durante a apresentação, Haidar — vencedora do Prémio Right Livelihood, conhecido como o “Nobel Alternativo da Paz” — alertou para o crescente desespero entre os jovens saharauis e para o risco de um regresso da violência, num contexto em que o Conselho de Segurança da ONU voltou a favorecer a proposta de autonomia marroquina.

“Não sou o centro da história, o centro é o meu povo”, disse Haidar, que continua a ser um dos rostos mais persistentes da resistência pacífica saharaui.

Fonte: El Independiente (Francisco Carrión, 12/11/2025)


AMINETU

Realização: Lucía Muñoz Lucena

País: Espanha

Ano: 2025

Duração: 1h 30min

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Brahim Ghali nas celebrações do 50.º aniversário da independência de Angola

 

Brahim Ghali na tribuna de honra de Chefes de Estado e de Governo

O Presidente da República Saharaui e Secretário-Geral da Frente Polisario, Ibrahim Ghali, participou hoje, terça-feira, nas comemorações do 50.º aniversário da independência de Angola, a convite do seu homólogo João Lourenço.
As comemorações, cujo lema era «Angola... 50 anos de independência nacional... Preservar e valorizar as conquistas... Construir um futuro melhor», começaram com a chegada do Presidente João Lourenço ao pódio de honra, onde estavam sentados os chefes de Estado e de Governo participantes no evento.

O evento contou com um desfile da banda militar e apresentações folclóricas que expressaram a cultura e o património angolanos, seguido de um discurso do Presidente João Lourenço, no qual deu as boas-vindas às delegações de chefes de Estado e de Governo e organizações internacionais, agradecendo-lhes pela sua presença e por partilharem as comemorações do povo angolano pelos 50 anos de independência.

O Presidente angolano, João Lourenço.


No seu discurso, o presidente angolano fez uma retrospectiva das conquistas e dos ganhos alcançados por Angola nos últimos 50 anos, a todos os níveis e em vários domínios, destacando o papel de Angola como força ativa no continente africano.
O presidente Ibrahim Ghali está acompanhado por uma delegação composta por: Ministro dos Negócios Estrangeiros e dos Assuntos Africanos Mohamed Yasslem Bissat; Chefe de Investigação, Estudos e Comunicação Social do Secretariado da Organização Política, Membro do Secretariado Nacional Larbas; Conselheiro da Presidência Abati Abrika, Embaixador e Diretor do Protocolo Presidencial Salha Al-Abd e Embaixador Saharaui em Angola Hamdi Al-Khalil Mayara.

Aminetu Haidar: «O direito à autodeterminação é o único princípio que garante uma solução justa e duradoura para o conflito do Sahara Ocidental»

 


«O único princípio capaz de garantir uma solução justa e duradoura para o conflito do Sahara Ocidental é permitir que o povo saharaui exerça o seu direito à autodeterminação», afirmou a presidente da Instância Saharaui contra a Ocupação Marroquina, Aminetu Haidar.

Aminetu Haidar afirmou, numa entrevista concedida à televisão espanhola transmitida esta segunda-feira, que «ninguém pode substituir o povo saharaui no exercício do seu direito à autodeterminação».Depois de destacar a realidade da ocupação do Sahara Ocidental, a defensora saharaui dos direitos humanos condenou «energicamente» que o ocupante marroquino «continue a atacar a existência do povo saharaui e os seus direitos fundamentais e legítimos, em primeiro lugar o seu direito à autodeterminação», salientando que os saharauis «representam hoje apenas 25 % da população total das Zonas Ocupadas, em consequência da continuação de políticas sistemáticas que atentam contra a sua existência e os seus direitos fundamentais».

A famosa ativista saharaui assinalou que «a mudança nas táticas de repressão marroquinas, que passaram da tortura e da detenção direta para uma repressão económica silenciosa, é uma estratégia que visa asfixiar os saharauis e obrigá-los a partir ou a submeter-se».

É importante lembrar que, juntamente com a política contínua de colonização e o controlo total dos colonos marroquinos sobre todos os aspetos da vida nas Zonas Ocupadas, Marrocos tem persistido nos seus crimes atrozes contra civis saharauis.

Marrocos cometeu assassinatos, torturas, prisões e detenções arbitrárias, execuções extrajudiciais, deportações forçadas e deslocações. Também destrói, saqueia, rouba e confisca propriedade privada, além de ataques militares contra civis.

A ativista e defensora incansável dos Direitos Humanos no território foi agraciada ao longo das suas muitas décadas de resistência vários prestigiados prémios internacionais, entre os quais Robert F. Kennedy Human Rights Award (2008); Civil Courage Prize (2009); Right Livelihood Award (2019); Solidar Silver Rose Award (2007) e o Juan María Bandrés Award (2006), entre outros.

domingo, 9 de novembro de 2025

Entrevista com Sidi Mohamed Omar, representante da Frente Polisario na ONU: "A resolução da ONU fala do plano de Marrocos como base de negociação, mas não como a única"

Sidi Mohamed Omar, embaixador do Frente Polisario na ONU

 

O 'Público' (Espanha) fala com o representante da Frente Polisario junto da ONU e coordenador junto da MINURSO no 50º aniversário da Marcha Verde.

Emilia G. Morales Madrid-07/11/2025 | Publico


O 50.º aniversário da Marcha Verde de Marrocos sobre o Sahara apanhou as partes na mesma posição de há décadas. Desde que, em 1991, a ONU estabeleceu a sua folha de rota para o referendo de independência da antiga colónia espanhola — através da MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental) —, o boicote de Marrocos impediu qualquer avanço na sua concretização.
Pelo contrário, no passado 31 de outubro, a resolução do Conselho de Segurança da ONU que deveria renovar o mandato da MINURSO propôs como ponto de partida para as negociações sobre o referendo de autodeterminação o plano marroquino para o Sahara.

Esta mudança de narrativa deu novo fôlego às ambições expansionistas de Rabat e aprofundou a desproteção do povo saharaui, já fragilizado pelo apoio do governo de Pedro Sánchez ao plano marroquino em 2022. O Público falou sobre estas questões com Sidi Mohamed Omar, embaixador do Frente Polisario na ONU e coordenador junto da MINURSO, quando se cumprem cinco décadas do deslocamento forçado da população saharaui do seu território histórico.


Os EUA tentaram impor a sua posição nacional sobre o Sahara”

Quais são, na sua opinião, os aspetos mais lesivos da última renovação da MINURSO aprovada pelo Conselho de Segurança a 31 de outubro? Porque acha que o Conselho mudou agora a sua posição sobre o plano de Marrocos?

É importante sublinhar que a última resolução adotada pelo Conselho de Segurança sobre a MINURSO — a resolução 2797 (2025) — foi o resultado de longas e intensas negociações entre os seus membros, uma vez que os Estados Unidos procuraram simplesmente impor a sua posição nacional através do projeto de resolução que apresentaram como penholder (redator principal) das resoluções sobre a MINURSO.
Como se sabe, os EUA tomaram uma decisão sobre o Sahara Ocidental em 2020, durante a administração do presidente Donald Trump, decisão reafirmada em abril de 2025. A França também adotou uma posição semelhante no ano anterior. Naturalmente, vários membros do Conselho — incluindo membros permanentes — opuseram-se firmemente à abordagem unilateral dos EUA, apoiada por França, e insistiram na necessidade de uma resolução equilibrada, coerente com a Carta das Nações Unidas e com as resoluções anteriores sobre o Sahara Ocidental.
É certo que o Conselho menciona a “proposta” de Marrocos como “uma base” para negociações, mas não a estabelece como “a única base”. Além disso, acolhe com agrado outras propostas e ideias para alcançar uma solução definitiva. O mais importante é que reafirma que a solução deve ser mutuamente aceitável para ambas as partes — o Frente Polisario e Marrocos — e que deve garantir a autodeterminação do povo saharaui.


A proposta marroquina é juridicamente inaceitável”

Pode explicar aos leitores qual é o problema de incluir o plano marroquino como ponto de partida para resolver a questão do Sahara?


Como confirmado pelo Tribunal Internacional de Justiça, pelas resoluções da Assembleia-Geral da ONU e por tribunais africanos e europeus, Marrocos não exerce soberania nem tem mandato administrativo sobre o Sahara Ocidental. Há, pelo menos, quatro razões que tornam a sua “proposta” totalmente inaceitável do ponto de vista jurídico e político.

Marcha Verde, a invasão civil e militar marroquina da colónia espanhola
do Sahara Ocidental -  06 de novembro de 1975 . Foto AFP


Em primeiro lugar, Marrocos é apenas uma potência ocupante do território, que continua a ser um caso de descolonização. Por essa razão, não pode conceder “autonomia” nem qualquer outro “estatuto territorial” ao Sahara, pois isso violaria o estatuto internacional do território e as resoluções pertinentes da ONU.
Em segundo lugar, a proposta compromete o direito do povo saharaui à autodeterminação, pois pré-determina o resultado da consulta ao restringi-lo a uma única opção — a “autonomia”. Isso equivaleria a Marrocos decidir em nome do povo saharaui, algo incompatível com o direito internacional.
Em terceiro lugar, o plano elimina a opção da independência, que sempre foi a principal reivindicação do povo saharaui sob liderança do Frente Polisario.
E, em quarto lugar, trata-se de uma proposta extremamente perigosa, pois não só inviabiliza uma paz justa e duradoura, como recompensa Marrocos pela ocupação ilegal do Sahara Ocidental através da força. Tal criaria um precedente muito grave em África e no mundo. Por tudo isto, a “proposta” marroquina, que não passa de uma farsa, não pode servir de ponto de partida para resolver a descolonização do Sahara Ocidental — nem hoje, nem amanhã, nem nunca.

A Argélia não se absteve — recusou participar na votação”


A Argélia foi vista como tendo vetado a resolução ao não votar. Concorda? E como estão as relações com Argel?

Na realidade, a Argélia não se absteve; optou por não participar na votação, o que é diferente. Como explicou o seu representante permanente na ONU, a Argélia quis assim marcar distância de um texto que não reflete fielmente a doutrina da ONU sobre a descolonização.

Manifestantes saharauis em El Aaiun, poucos
dias antes da Marcha Verde.


As relações entre a Argélia e a República Árabe Saharaui Democrática (RASD) são excelentes, como sempre foram. Fiel à sua história e princípios, e como defensora do direito dos povos à autodeterminação e à liberdade, a Argélia foi um dos primeiros países a apoiar a luta de libertação saharaui — apoio que continua a prestar de forma generosa, em conformidade com as resoluções da ONU desde a década de 1970.


A ONU continua a ser o fórum legítimo”


A ONU continua a ser um espaço válido para resolver o conflito? Procuram outras vias diplomáticas?

A Carta das Nações Unidas é a “constituição suprema” do mundo, e a organização continua a ser a garante do direito internacional. Por isso, a ONU mantém plena validade como foro para resolver a questão do Sahara Ocidental, que é essencialmente um processo de descolonização inacabado.
A solução baseia-se no exercício do direito inalienável à autodeterminação e independência por parte do povo saharaui, através de um referendo livre e justo sob supervisão internacional.

Se a diplomacia falhar, recorreremos a todos os meios legítimos”


Se a via diplomática falhar, o que resta ao Frente Polisario?


Como aprendemos nos estudos sobre paz e conflitos, as guerras eclodem geralmente quando a diplomacia falha. O povo saharaui e o Frente Polisario continuam a optar pela paz e pela via diplomática, tendo feito enormes sacrifícios por uma paz justa e duradoura.

Mas o nosso povo está firmemente comprometido com o seu direito inalienável à autodeterminação, e continuará a usar todos os meios legítimos para defender os seus direitos e resistir à ocupação ilegal de Marrocos.


Trump violou a Carta da ONU”


Como afetaram as políticas de Obama e Trump a causa saharaui?


A decisão tomada por Donald Trump, em 10 de dezembro de 2020, foi um verdadeiro quid pro quo, e é lamentável porque viola a Carta da ONU e as resoluções que os próprios EUA redigiram e aprovaram nas últimas décadas.

Esta posição rompe com a política tradicional americana sobre o Sahara e com o respeito histórico dos EUA pelo direito à autodeterminação, consagrado na sua própria Constituição. O resultado é o enfraquecimento dos esforços da ONU e o encorajamento do regime marroquino, agravando as tensões dentro e fora da nossa região.


Mantemos diálogo aberto com todos, exceto França”


Qual é a relação atual do Frente Polisario com Rússia e China?

Mantemos contactos diretos e abertos com todos os membros do Conselho de Segurança, incluindo os cinco permanentes — com exceção de França, por razões óbvias.

As nossas relações com Rússia e China baseiam-se na defesa comum dos princípios da Carta da ONU, da resolução pacífica dos conflitos e do direito dos povos à autodeterminação. Ambos os países reafirmaram recentemente esta posição ao abster-se na votação da MINURSO, sublinhando a necessidade de uma solução mutuamente aceitável que garanta a autodeterminação do povo saharaui.


Sahara e Palestina são espelhos da descolonização falhada”

Que paralelismos vê entre os casos do Sahara e da Palestina?


Existem muitos paralelismos. Ambos os povos sofrem ocupação estrangeira, ambos têm direito reconhecido à autodeterminação, e ambos enfrentam potências ocupantes que cooperam para consolidar a sua presença ilegal.


Elemento da MINURSO com populares saharauis - Foto ONU


Sofremos políticas de terra queimada, colonização, deportações, violações de direitos humanos e pilhagem de recursos naturais. Em suma, somos dois povos que apenas procuram justiça, liberdade e dignidade nas suas próprias terras.

A viragem de Sánchez foi deplorável”

O governo espanhol tem sido crítico de Israel, mas evasivo quanto ao Sahara. Há diálogo com Madrid?

A nossa posição sobre a mudança de postura do governo espanhol é bem conhecida: foi deplorável. Viola o direito internacional aplicável ao Sahara como caso de descolonização e rompe o consenso histórico entre forças políticas espanholas sobre esta questão.
Além disso, contradiz a responsabilidade jurídica e moral de Espanha, que continua a ser, segundo o próprio direito espanhol e a doutrina da ONU, a potência administrante do Sahara Ocidental. Não posso confirmar se houve conversações recentes com o governo espanhol, mas mantemos o tema ativo através dos nossos representantes no país.

Os refugiados não querem caridade, querem justiça”

Depois de 50 anos, quais são as principais necessidades da população saharaui nos campos de refugiados na Argélia?

O nosso povo vive há cinco décadas nos campos de Tindouf, no sudoeste da Argélia — uma das situações de refúgio mais longas de África. Não somos refugiados por catástrofes naturais, mas por expulsão forçada pelas forças de ocupação marroquinas.
Graças às instituições da RASD, à ajuda internacional e ao apoio da Argélia, conseguimos satisfazer muitas necessidades básicas. Mas continuamos dependentes de ajuda humanitária, vulnerável a crises globais. O que o nosso povo precisa não é de uma solução humanitária, mas de uma solução política justa que permita o regresso a uma pátria livre e soberana.


Nos territórios ocupados, o povo saharaui vive um inferno”

Qual é a situação da população saharaui nos territórios ocupados?

Como documentam inúmeras organizações de direitos humanos, os saharauis nos territórios ocupados vivem sob repressão brutal, sujeitos a violência física e psicológica diária, sem escrutínio internacional devido à censura imposta por Marrocos.
O regime aplica uma política de colonização e deslocamento, incentivando a instalação de colonos marroquinos para alterar a composição demográfica e perpetuar a ocupação ilegal.
Marrocos recusa qualquer monitorização internacional de direitos humanos no território, temendo que o mundo conheça as atrocidades cometidas pelas suas forças de segurança.


Recorremos à justiça europeia para travar o saque de recursos”


Nos territórios saharauis ocupados por Marrocos, Rabat está a levar a cabo um processo de colonização económica, normalizando o turismo e espoliando os recursos naturais ao permitir que empresas ocidentais os explorem. O que pode a Frente Polisario fazer para travar este processo?


É verdade que, desde 1975, o regime marroquino tem tentado impor à força um facto consumado no Sahara Ocidental ocupado, ao mesmo tempo que procura «normalizar» a sua ocupação ilegal através do envolvimento de terceiros no território, nomeadamente por meio de acordos transacionais. Como é sabido, o Sahara Ocidental é um país rico em recursos naturais, razão principal pela qual Marrocos o invadiu em 1975.
De acordo com o direito internacional, o povo do Sahara Ocidental, como povo de um território não autónomo, tem direito não só a um processo de autodeterminação, mas também à soberania permanente sobre os seus recursos naturais. Neste contexto, a Frente Polisario tomou medidas firmes para defender os direitos do nosso povo, apresentando ações judiciais perante a justiça europeia para contestar os acordos comerciais e de pesca assinados entre a UE e Marrocos que afetam o Saara Ocidental. O resultado foram sentenças muito significativas, a última das quais proferida em outubro do ano passado.


As sentenças da UE são uma arma jurídica e moral”


Há alguns meses, o Tribunal de Justiça da UE manifestou-se contra a inclusão de produtos do Sahara Ocidental no acordo comercial entre a UE e Marrocos. À luz dos acontecimentos, esta sentença serve para alguma coisa?

Não há dúvida de que as sentenças proferidas recentemente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) são significativas e úteis tanto do ponto de vista jurídico como político, uma vez que constituem um valioso instrumento legal e um elemento dissuasor contra a pilhagem dos nossos recursos naturais.
Como se recordará, as sentenças anularam os acordos comerciais entre a UE e Marrocos em matéria de pesca e agricultura que envolvem o Sahara Ocidental. Também deixaram inequivocamente claro que qualquer acordo ou atividade económica que envolva o Território e que não tenha o consentimento autêntico e livremente concedido pelo povo saharaui seria ilegal segundo o direito internacional e europeu.
As decisões do TJUE obrigam claramente a UE, incluindo os seus Estados-Membros e instituições, a cumprir e fazer cumprir o seu mandato. Resta saber se a UE acatará as decisões da sua própria justiça ou se será tentada a sacrificar a justiça e o Estado de direito em nome da conveniência política no caso do Sahara Ocidental.
Em qualquer caso, a Frente Polisario está determinada a utilizar todos os meios legais para defender os direitos inalienáveis do nosso povo, incluindo o seu direito à soberania permanente sobre os seus recursos naturais.




sábado, 8 de novembro de 2025

“Sahara Ocidental: a Colónia que Espanha nunca Descolonizou”

 



O historiador e jornalista Pablo-Ignacio de Dalmases apresenta o livro “Sahara Ocidental: a Colónia que Espanha nunca Descolonizou” (Almuzara), uma análise aprofundada sobre a história contemporânea do Sahara Ocidental e as origens do conflito que levou à ocupação marroquina.
De Dalmases recorda que Espanha exerceu soberania sobre o território durante quase um século, até abdicar dele em 1975, quando o regime de Franco, enfraquecido, cedeu à pressão de Marrocos e Mauritânia, renunciando ao referendo de autodeterminação previsto pela ONU e a que o país Ibérico se havia comprometido. O autor descreve essa decisão como uma traição aos compromissos com o povo saharaui, que desencadeou uma guerra com a Frente POLISARIO e deixou milhares de pessoas entre o exílio e a ocupação.
O livro percorre o período colonial espanhol — quando o Sahara Ocidental chegou a ser considerado “uma província tão espanhola como Cuenca” — e analisa as tentativas de autonomia frustradas, as ligações históricas entre saharauis e espanhóis e o atual impasse político, que o autor qualifica como “a Palestina do Magrebe”.
Pablo-Ignacio de Dalmases, doutorado em História pela Universidade Autónoma de Barcelona, foi diretor da Rádio Nacional e da Televisão Espanhola no Sahara, além de jornalista, professor e autor de diversas obras sobre a presença espanhola em África e o processo de descolonização.

Retrocesso para o Sahara Ocidental - a Opinião de Christopher Ross

 


A mais recente resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre o Sahara Ocidental representa um retrocesso no processo de paz, alerta o ex-Enviado Pessoal do SG das Nações Unidas Christopher Ross num artigo publicado no sítio do "International Centre for Dialogue Initiatives» . Segundo o diplomata norte-americano, o texto impulsionado pelos Estados Unidos favorece a posição de Marrocos e ameaça minar décadas de esforços pela autodeterminação saharaui.
Ross, que mediou o dossier entre 2009 e 2017, considera que a resolução de 31 de outubro, inspirada no reconhecimento de Donald Trump da soberania marroquina sobre o território, rompe o equilíbrio tradicional da ONU e enfraquece o papel da MINURSO. O ex-enviado alerta que, sem pressão internacional equilibrada e sem envolvimento direto do povo saharaui, o impasse político e o risco de instabilidade entre Marrocos e Argélia tenderão a agravar-se.


7 de novembro de 2025
Christopher Ross

A resolução que o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou em 31 de outubro sobre o conflito do Sahara Ocidental, que já dura há 50 anos, representa um retrocesso, apesar das alegações em contrário dos seus defensores.

Desde 2007, em todas as resoluções, o Conselho tem apelado ao Secretário-Geral e ao seu Enviado Pessoal para que “ajudem as partes a alcançar uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável, que preveja a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental”. No entanto, para além de exortar as partes a negociarem de boa-fé e sem condições prévias, o Conselho nunca forneceu orientações concretas. Essas têm sido deixadas ao critério das partes, sob a égide do Secretário-Geral e do seu Enviado Pessoal.

Ambiguidade sobre a soberania marroquina e a autodeterminação saharaui
Desta vez, os Estados Unidos, enquanto penholder (isto é, líder das negociações) sobre o Sahara Ocidental, decidiram tentar usar esta nova resolução para forçar progressos em linha com o reconhecimento, por Donald Trump, em dezembro de 2020, da soberania de Marrocos sobre o território. Assim, no seu primeiro esboço, apelavam às partes para negociarem a partir da proposta marroquina de abril de 2007 — que previa uma autonomia sob soberania marroquina —, qualificando-a como “a solução mais viável”.

Contudo, o texto não chegou a afirmar explicitamente que Marrocos tem soberania sobre o território e, tal como todas as resoluções anteriores (que reafirmava no preâmbulo), manteve a exigência de autodeterminação. Ainda assim, em nenhum momento mencionou a proposta simultânea da Frente POLISARIO, que previa a realização de um referendo incluindo a opção da independência e de relações próximas com Marrocos caso essa opção fosse escolhida.

Este projeto de resolução desencadeou intensas divergências entre os membros do Conselho. A Rússia opôs-se à tentativa dos EUA de usar o texto para apoiar a sua posição nacional sobre o conflito, e vários membros criticaram o seu caráter fortemente desequilibrado. Muitos também se opuseram à proposta de reduzir o mandato da MINURSO de um ano para seis meses. Rejeitaram o argumento americano de que tal aumento de pressão facilitaria um acordo e insistiram na importância de preservar a capacidade da MINURSO de monitorizar o cessar-fogo e a situação no terreno em nome do Conselho.

A Argélia, dentro do Conselho, e a Frente POLISARIO, fora dele, condenaram a omissão de qualquer referência à proposta da POLISARIO.

Durante as negociações, os EUA introduziram várias revisões, sendo a mais importante a reformulação da referência à proposta marroquina — que passou a ser “uma das soluções mais viáveis” (a most feasible solution), em vez de “a mais viável” (the most feasible) —, bem como a extensão do mandato da MINURSO por mais um ano. Estas e outras pequenas alterações bastaram para evitar um veto.

A resolução acabou por ser adotada, apesar do seu desequilíbrio, com os votos favoráveis dos EUA, França, Reino Unido e oito membros não permanentes, e as abstenções da Rússia, China e Paquistão. A Argélia não votou. O representante permanente da Rússia, ao explicar a abstenção, comentou ironicamente esperar que a “carga de cowboys” americana, ao impulsionar a proposta marroquina de autonomia, não levasse a um aumento das tensões regionais.

Uma oportunidade inédita para a paz duradoura no Sahara Ocidental?
Para onde nos leva então esta resolução? Ela saúda “a iniciativa do Enviado Pessoal de reunir as partes para aproveitar o momento e esta oportunidade sem precedentes para uma paz duradoura” (sic) e expressa “apreço aos Estados Unidos pela sua disponibilidade em acolher negociações”.

Será instrutivo observar como reagirão a POLISARIO e a Argélia a um apelo a novas reuniões presenciais nestas circunstâncias. É provável que participem, especialmente se Marrocos aliviar a pressão para que a Argélia seja o seu único interlocutor neste dossier e se os EUA acolherem as conversações.

Dito isto, os respetivos papéis do Enviado Pessoal e dos EUA em qualquer reunião futura permanecem por esclarecer. Seja como for, as posições das partes continuarão inflexíveis.

O que poderão fazer os membros individuais do Conselho — e outros, como a Espanha — para ajudar o Enviado Pessoal a romper este impasse? E o que poderá ele fazer para organizar verdadeiras negociações sem pré-condições, quando Marrocos insiste em limitar as discussões à sua proposta de autonomia como condição prévia, agora com a bênção do Conselho?

A resposta simples, em ambos os casos, é: muito pouco.
Sem forte pressão externa (ou uma mudança para o Capítulo VII da Carta da ONU — hipótese que, quando a sugeri em tom de brincadeira, levou os membros do Conselho a “explodirem”), o impasse que tem paralisado este dossier continuará indefinidamente. Ambas as partes são inflexíveis e contam com apoios sólidos.

A pressão seletiva em favor de Marrocos, como tenta esta resolução, não ajudará. Apenas levará as partes a endurecerem ainda mais. Marrocos procurará obter ainda mais apoios internacionais, enquanto a POLISARIO e a Argélia reforçarão a sua oposição.

Num contexto em que não existe respeito ou confiança mútuos, nenhuma das partes tem motivação para trabalhar em prol de uma solução. Se os EUA acabarem por acolher negociações e tentarem mediar um “acordo de compromisso” para somar à sua lista de conflitos resolvidos, os seus esforços cairão em ouvidos surdos.

Ambas as partes (ou três, se contarmos a Argélia, como Marrocos pretende) acreditam que as suas interpretações históricas, documentais e diplomáticas servem os seus interesses e sustentam as suas posições.

Marrocos continua a defender a sua “causa nacional” perante a sua população, cria factos no terreno, explora os recursos do território, incentiva a chegada de colonos e mostra-se desinteressado em negociações genuínas sem pré-condições — embora participe em reuniões formais que, como no passado, nunca conduzem a verdadeiras conversações.

A Frente POLISARIO, por seu lado, orgulha-se do reconhecimento, por parte de tribunais como o Tribunal Internacional de Justiça e a União Europeia, de que o Sahara Ocidental é uma entidade distinta de Marrocos, e acredita poder autogovernar-se e prosperar com base nos seus recursos — fosfatos, pesca, metais preciosos e turismo. Sem pressão da Argélia, a POLISARIO e os seus apoiantes entre o povo saharaui, que anseiam por decidir o seu próprio futuro, não têm qualquer incentivo para aceitar a proposta marroquina. Como um estudante refugiado me disse uma vez: “Por mais dura que seja a vida neste campo no deserto, é melhor do que beijar a mão do Rei.”

A Argélia, por sua vez, tem razões próprias para apoiar firmemente a busca da POLISARIO por um referendo e pela independência. Isso está em consonância com o seu próprio caminho para a independência — conquistada após anos de luta contra a França — e com o seu apoio histórico aos princípios universais de libertação nacional e autodeterminação.

Mais concretamente, apoiar um Sahara Ocidental independente ajuda a contrabalançar a retórica de certos setores da classe política marroquina que reivindicam o “Sahara Oriental”, ou seja, partes do deserto que historicamente pertenciam ao sultão, mas que foram atribuídas à Argélia pelos colonizadores franceses em 1934. A Argélia também pode querer manter Marrocos sob pressão na sua rivalidade pela supremacia regional e continental. Como o falecido presidente Boumediene terá dito: “Farei do Sahara uma pedra no sapato de Marrocos.”

A presença aberta de Israel em apoio a Marrocos nos últimos anos apenas reforça a determinação argelina.

O Conselho de Segurança, nesta conjuntura, tem pouca utilidade. Está demasiado dividido para fazer mais do que expressar apoio aos esforços do Enviado Pessoal. Alguns membros podem acreditar que a POLISARIO e a Argélia podem ser pressionadas a aceitar a proposta marroquina e que esta última resolução é um primeiro passo nesse sentido. A menos que já exista — ou venha a existir — algum acordo com a Argélia, tal é muito improvável. A Argélia não é conhecida por ceder a pressões nem por praticar uma diplomacia transacional.

Algumas sugestões sobre o caminho a seguir num dos conflitos mais longos do mundo
Não me atrevo a recomendar cursos de ação ao Enviado Pessoal, já que deixei este dossier há nove anos e ele conhece melhor do que eu o que é ou não possível hoje. No entanto, deixo três reflexões gerais:

Primeiro, aqueles que hoje chamamos de “influenciadores” deveriam trabalhar para envolver as gerações mais jovens dos três povos — do Sahara Ocidental, de Marrocos e da Argélia — na construção de pontes de compreensão e respeito mútuo, através de intercâmbios que recuperem a fluidez de comunicação que existia entre marroquinos e argelinos nos tempos do rei Hassan e que entretanto desapareceu. A previsão de Steve Witkoff de que Argélia e Marrocos normalizariam as suas relações em sessenta dias é, receio, uma fantasia. Este objetivo deve ser abordado com sensibilidade e paciência.

Segundo, as partes devem ser encorajadas, mesmo nesta fase inicial, a refletir sobre como as duas metades da população saharaui — nos campos de refugiados e no território — podem participar na definição do seu futuro. Sem a sua participação ativa, nenhum acordo poderá ser estável, duradouro e justo. Com demasiada frequência, analistas, sobretudo em Marrocos e nos EUA, afirmam que cabe apenas à Argélia e a Marrocos encontrar uma solução, passando por cima do povo saharaui. Isso não deve — e não pode — acontecer.

Terceiro, mesmo nesta fase inicial, deve pensar-se que tipo de garantias internacionais poderiam ser implementadas para qualquer acordo que venha a ser alcançado. Na ausência de confiança mútua, essas garantias serão cruciais para incentivar as partes a avançar e garantir que o acordo seja estável e duradouro.

Em suma, tanto o conflito do Sahara Ocidental como as más relações entre Marrocos e Argélia exigem uma gestão ativa para evitar que as tensões se transformem em ameaças graves à paz e à estabilidade. Pouco mais pode ser feito a curto prazo. Aqui, a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) tem um papel útil a desempenhar. Neste momento, porém, o Conselho — ao ter abraçado a proposta marroquina — não o tem.



Christopher Ross foi diplomata norte-americano durante mais de 20 anos, tendo servido em Tripoli, Fez e Argel. Foi Enviado Pessoal do Secretário-Geral das Nações Unidas para o Sahara Ocidental entre 2009 e 2017.

Sahara Ocidental: o lobbying de Paris junto das capitais europeias




O artigo publicado esta sexta-feira, 07 de novembro de 2025, pela Africa Intelligence – intitulado «Sahara Ocidental: le lobbying de Paris auprès des capitales européennes» e assinado pelo jornalista Jihâd Gillon – confirma o que já vínhamos denunciando em diferentes meios de comunicação: a França protagonizou uma intensa campanha de pressão diplomática para garantir que os países europeus representados no Conselho de Segurança votassem a favor da resolução 2797 (2025) sobre o Sahara Ocidental. A manobra, cujo objetivo central era blindar a menção do plano de autonomia marroquino no texto final, teve como alvo principal a Eslovénia, país que historicamente defende o princípio da autodeterminação devido à sua própria experiência histórica. Este caso ilustra claramente como os valores fundadores da União Europeia são sacrificados sem qualquer reparo quando se trata de proteger os interesses de um dos seus aliados estratégicos, Marrocos, mesmo à custa de violar princípios como a descolonização ou o direito à autodeterminação.

A reportagem constata que Paris desempenhou um papel fundamental como elo entre Washington e Rabat, assumindo a tarefa de superar as reticências da Dinamarca, Grécia e, sobretudo, da Eslovénia. Uma pressão que não só atuou nas capitais europeias, mas se estendeu ao próprio seio do Conselho de Segurança em Nova Iorque. Destaca-se especialmente a informação recolhida pela Africa Intelligence sobre os avisos franceses de um «possível desaparecimento da MINURSO» em caso de rejeição do texto, o que teria aberto caminho para os Estados Unidos imporem a sua estratégia unilateral e Marrocos o seu «facto consumado» no terreno. A sombra da chantagem paira sobre todo o processo, tornando-se uma estratégia de longo alcance com a qual Paris parece pretender transformar a ocupação num quadro internacionalmente aceitável.

A crónica revela ainda um dado inquietante e revelador: paralelamente a esta pressão diplomática, a França e Marrocos estão a trabalhar numa versão ampliada e «atualizada» do plano de autonomia marroquino, que Rabat pretende apresentar oficialmente a Staffan de Mistura este mês. Um documento «enriquecido» que pretende acrescentar novas camadas técnicas e políticas para conferir maior legitimidade ao que não passa de um projeto anexionista, concebido sem a participação do povo saharaui e contrário ao quadro jurídico internacional. Este plano, cujos primeiros traços remontam à visita oficial de Emmanuel Macron a Marrocos em outubro de 2024, inscreve-se numa estratégia claramente coordenada para normalizar a ocupação com a cumplicidade de certas potências ocidentais. É essencial salientar, tal como o texto o faz, que mesmo com este pacto de corredores, a delegação eslovena teve de o recordar no seu voto: «A Eslovénia continua a considerar o Sahara Ocidental como um território não autónomo». Uma declaração que revela que, apesar das pressões, nem todas as peças do tabuleiro estão alinhadas com o guião de Rabat.

Este episódio ilustra de forma incontestável como a resolução 2797 não foi o resultado de uma negociação multilateral transparente, mas sim de uma operação de lobby impulsionada por governos europeus cúmplices da pilhagem marroquina no Sahara Ocidental. A França, mais uma vez, confirma o seu papel como potência tutelar da monarquia marroquina, agindo contra os princípios do direito internacional que diz defender, enquanto utiliza as suas redes em Bruxelas, Paris e Nova Iorque para distorcer o quadro jurídico em benefício de uma agenda neocolonial. Perante este jogo de sombras, continua a ser urgente denunciá-lo, desativá-lo e voltar a colocar o foco onde ele deve estar: no direito do povo saharaui à autodeterminação, com base na legalidade internacional, nas resoluções da Assembleia Geral e nas sentenças do Tribunal Internacional de Justiça. E também lembrá-lo com uma verdade incómoda para muitos: que a Espanha continua a ser a potência administrante de jure do território e que, para além dos pactos energéticos e das manchetes interessadas, a descolonização continua pendente, e a responsabilidade é partilhada.

Fonte: No te Olvides del Sahara Occidental

𝗢 𝗦𝗮𝗵𝗮𝗿𝗮 𝗢𝗰𝗶𝗱𝗲𝗻𝘁𝗮𝗹 𝗳𝗼𝗶 𝘁𝗲𝗺𝗮 𝗻𝗼 𝗰𝗮𝗻𝗮𝗹 𝗟𝗮 𝗕𝗮𝘀𝗲, 𝗱𝗲 𝗣𝗮𝗯𝗹𝗼 𝗜𝗴𝗹𝗲𝘀𝗶𝗮𝘀.


𝗟𝗮 𝗕𝗮𝘀𝗲 𝟲𝘅𝟯𝟴 | 𝗦𝗮𝗵𝗮𝗿𝗮 𝗢𝗰𝗶𝗱𝗲𝗻𝘁𝗮𝗹: 𝗰𝗼𝗹𝗼𝗻𝗶𝗮𝗹𝗶𝘀𝗺𝗼 𝗲𝘀𝗽𝗮𝗻̃𝗼𝗹, 𝗼𝗰𝘂𝗽𝗮𝗰̧𝗮̃𝗼 𝗺𝗮𝗿𝗿𝗼𝗾𝘂𝗶𝗻𝗮 𝗲 𝗮 𝘁𝗿𝗮𝗶𝗰̧𝗮̃𝗼 𝗱𝗲 𝗣𝗲𝗱𝗿𝗼 𝗦𝗮́𝗻𝗰𝗵𝗲𝘇

No programa de 6/11/2025, Pablo Iglesias, Irene Zugasti, Manu Levin e Laura Arroyo analisam a traição do Governo espanhol ao direito de autodeterminação do povo saharaui e a última resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre o Sahara Ocidental, que reforça a agenda marroquina quando se completam 50 anos da Marcha Verde. Com a participação de Jadiyetu El Mohtar, representante da Frente Polisario na Bélgica.

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

A Robert F. Kennedy Human Rights denuncia parcialidade da ONU na resolução sobre o Sahara Ocidental

A Robert F. Kennedy Human Rights (RFKHR) e a saharaui Aminatou Haidar denunciam

A organização Robert F. Kennedy Human Rights (RFKHR) e a ativista saharaui Aminatou Haidar, vencedora do Prémio de Direitos Humanos RFK em 2008, manifestaram preocupação com a adoção da resolução 2797 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada a 31 de outubro sob patrocínio dos Estados Unidos.

A resolução renova por mais um ano o mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), mas é criticada por refletir o alinhamento de Washington com Marrocos e por considerar o plano de autonomia marroquino como a base para futuras negociações — posição que, segundo a RFKHR, ignora o direito à autodeterminação do povo saharaui e contraria o direito internacional.

“Esta abordagem desequilibrada representa um grave desvio dos princípios da legalidade internacional e ameaça o direito inalienável do povo saharaui à autodeterminação”, afirmou Aminatou Haidar, denunciando o “enviesamento liderado pelos Estados Unidos e França” e alertando para “a perda de credibilidade do Conselho de Segurança”.

O Sahara Ocidental é considerado pela ONU um território não autónomo, ocupado por Marrocos desde 1976, após a retirada de Espanha sem que fosse concretizada a transição para a independência. Desde então, o território tem permanecido em disputa entre Marrocos e a Frente Polisario, que reclama a realização de um referendo de autodeterminação previsto no cessar-fogo de 1991, mas nunca realizado.

A RFKHR recorda que a MINURSO, ao contrário de outras missões de paz da ONU, não possui mandato de monitorização de direitos humanos, apesar das denúncias de repressão, detenções arbitrárias e restrições à liberdade por parte das autoridades marroquinas nas zonas ocupadas.

Para Kerry Kennedy, presidente da organização, “a resolução do Conselho de Segurança representa um perigoso afastamento dos princípios fundamentais de liberdade e autodeterminação” e enfraquece a confiança na ONU como mediadora imparcial.

A RFKHR apela aos Estados-membros da ONU e da União Africana para que promovam mecanismos internacionais de vigilância de direitos humanos no território e pressionem Marrocos a cumprir as obrigações previstas na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Massad Boulos: Marrocos e a Frente Polisario são as duas partes em conflito e a proposta marroquina não é a única proposta para negociações

 

Massad Boulos, Conselheiro do Presidente dos EUA
para os Assuntos Africanos e Árabes 

O Conselheiro Sénior do Presidente dos EUA para os Assuntos Africanos e Árabes, Massad Boulos, afirmou que as duas partes em conflito são a Frente Polisario e Marrocos, referindo que a proposta marroquina não é a única solução para a questão do Sahara Ocidental.
Em entrevista ao programa "Diálogo" da France 24, Massad Boulos esclareceu que a recente resolução do Conselho de Segurança da ONU não considera a proposta marroquina a única solução para o conflito do Sahara Ocidental, mas antes abre caminho a outras propostas, referindo-se implicitamente à proposta da Frente Polisario.

Boulous declarou que as negociações estão abertas a todas as propostas e que a solução deve passar pela consulta ao povo saharaui.

O conselheiro do Presidente dos EUA indicou que as duas partes em conflito são Marrocos e a Frente Polisario, sublinhando que a solução deve ser satisfatória e aceitável para ambos os lados.

Boulous explicou que um referendo continua a ser uma opção através da qual o povo saharaui pode escolher o seu próprio destino.

Estas declarações refutam a propaganda marroquina que afirma que o Conselho de Segurança adoptou o plano de autonomia da ocupação marroquina como a única solução para o conflito do Sahara Ocidental. Demonstram também que a atual política externa norte-americana se faz de zig-zags estonteantes que deixam a previsibilidade para cálculos de adivinhação... 

Esse empolgamento das autoridades marroquinas é tanto que levaram o rei Mohamed VI a decretar mesmo um novo feriado nacional: O 31 de outubro, data em que a última resolução do CS da ONU foi votada. Há quem considere que a decisão do monarca é uma jogada de marketing política que visa também suscitar um contentamento popular e faça esquecer as reivindicações da Geração Z312.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Voto sobre o Sahara Ocidental no Conselho de Segurança: CAMPO DE UMA BATALHA EM CURSO

 COMUNICADO DE IMPRENSA



Voto sobre o Sahara Ocidental no Conselho de Segurança

CAMPO DE UMA BATALHA EM CURSO


No dia em que se assinalava o 50º aniversário do início da ocupação militar marroquina do Sahara Ocidental (31 Outubro 1975), o Conselho de Segurança deu um novo passo para oferecer vantagens a Marrocos numa futura negociação com a Frente POLISARIO sobre o futuro do território que a ONU continua a considerar como não-autónomo, pendente de um processo de descolonização.

O texto da resolução aprovada por 11 votos a favor, 3 abstenções (China, Paquistão e Rússia), 0 votos contra e uma recusa em participar na votação (Argélia), foi a expressão da batalha que se trava entre o respeito pelo Direito Internacional e as políticas transaccionais, versão em moda da realpolitik.

A primeira proposta, apresentada pelos EUA, foi alvo de acesos debates à porta fechada, que obrigaram a várias revisões muito significativas da redacção inicial, básica e totalmente alinhada com os interesses marroquinos.

O centro da questão é este: ao mesmo tempo que a resolução afirma respeitar todas as suas anteriores resoluções sobre o Sahara Ocidental, e reafirma que as negociações devem ser “consistentes com os princípios e objectivos da Carta das Nações Unidas, incluindo o princípio da autodeterminação”, na sua parte operativa apenas menciona a proposta de Rabat de autonomia no quadro da soberania marroquina e “esquece“ qualquer referência à proposta saharaui de realização de um referendo de autodeterminação para acolher a vontade do povo saharaui - esta, sim, formulada de acordo com o Direito Internacional.

A Missão diplomática da Eslovénia exprimiu sucintamente este ponto essencial na sua declaração final: o direito à autodeterminação é “um direito que, em termos simples, é o direito de escolher o próprio futuro político; está consagrado na Carta das Nações Unidas e não pode ser retirado a nenhum povo, nem pelo Conselho de Segurança nem pelos Estados-Membro”.

A inconsistência da resolução é tal que o Conselho de Segurança continua a apelar a uma negociação iniciada “sem pré-condições” e a requerer uma solução “justa, duradoura e mutuamente aceite” baseada… na visão de uma das partes - a parte infractora.

Ao Secretário-geral da ONU o Conselho de Segurança solicita uma tarefa espinhosa, a cumprir num prazo de seis meses: a da revisão estratégica do futuro estatuto da MINURSO – Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental, de acordo com as conclusões do processo negocial. António Guterres, que se bateu pela aplicação coerente do Direito Internacional no processo de libertação do povo de Timor-Leste, não pode deixar de fazer o mesmo no que diz respeito ao Sahara Ocidental. Apelamos a que use todos os seus poderes para que o respeito pela Carta e pelos princípios das Nações Unidas norteiem, de facto e claramente, o processo político que deverá levar à autodeterminação do povo saharaui.

O desfecho desta batalha está ainda longe. Ela insere-se numa disputa global de redefinição de hegemonias globais e regionais, e de zonas de influência, alicerçada em vantagens de curto prazo. Na qual os povos são vistos como marionetas e não agentes activos da sua própria vida e do seu futuro.

A Carta das Nações Unidas começa por “Nós os povos… decididos a”. O movimento solidário com o povo saharaui continua decidido a lutar, em todos os continentes, para que o Direito Internacional prevaleça sem ambiguidades, e para que os nossos governos se empenhem na defesa da paz e não da real politik, porque queremos realmente viver num mundo mais justo e sustentável.

Várias gerações deram vidas pela autodeterminação dos povos. A vontade do povo saharaui não pode continuar a ser silenciada. Residindo nele a verdadeira soberania sobre o território, a sua voz deve ser ouvida através de um referendo justo e livre — só assim poderá chegar ao fim o último vestígio de colonialismo em África.

Lisboa, 2 de Novembro de 2025