quarta-feira, 30 de março de 2022

O Governo de Espanha e o Sahara Ocidental: AAPSO manifesta indignação – Carta à Embaixadora Marta Betanzos Roig


A Embaixadora de Espanha em Portugal, Marta Betanzos Roig

A Associação de Amizade Portugal-Sahara Ocidental (AAPSO) endereçou uma carta à Embaixadora de Espanha em Portugal onde manifesta a sua indignação e incompreensão pela reviravolta da posição de Madrid em relação ao processo de descolonização inacabado daquela que foi a 53.ª Província de Espanha, ao tempo de Franco.

Eis o teor da carta:


Exma. Senhora

Embaixadora Marta Betanzos Roig


Embaixada de Espanha em Portugal


Exma. Senhora Embaixadora


É com grande pesar que nos dirigimos à Representação diplomática de Espanha para protestar contra a recente decisão do Presidente do Governo Pedro Sánchez de considerar oficialmente que o plano de autonomia proposto pelo Reino de Marrocos em 2007 representa a proposta "mais séria, realista e credível" para a resolução do conflito saharaui. Mais grave é a afirmação de que este posicionamento serve " para garantir a estabilidade, soberania, integridade territorial e prosperidade dos nossos dois países ". Como se sabe, a "integridade territorial" de Marrocos significa, para este país, o reconhecimento da sua soberania sobre o território não-autónomo do Sahara Ocidental.


Espantou-nos o fundo e a forma, ambos em consonância. Uma tomada de posição não discutida com nenhuma instância política do país, que foi revelada parcialmente pela outra parte, e cujo conteúdo completo acabou por ser divulgado por um jornal e não pelo próprio governo, é perturbadora e reveladora. Só faz sentido porque quem decidiu enveredar por este caminho sabia que não teria a aprovação nem da maioria dos dirigentes políticos, nem dos dois principais órgãos representativos – Senado e Congresso – nem da cidadania espanhola. Numa democracia, uma situação destas é incompreensível e perigosa.


As explicações sobre o fundo não convencem. Se as aceitamos, mostram um país fragilizado, só preocupado consigo mesmo, desdenhoso do Direito Internacional e cúmplice da violação continuada dos Direitos Humanos do povo saharaui. Inaceitável. Se as interpretamos, encontramos uma política externa submissa a um regime corrupto, violador dos Direitos Humanos do seu próprio povo e daqueles que subjugou há quase cinco décadas, à revelia do Direito Internacional. Premiar a chantagem é igualmente inaceitável. E inútil: o alento fará subir a parada da pressão permanente até que todos os objectivos sejam atingidos.


Acompanhámos durante muitos anos a luta do povo de Timor-Leste contra a ocupação ilegal da sua pátria, que culminou no exercício do seu inalienável direito à autodeterminação. Nenhum governo pode decidir o destino de outro povo, só o povo saharaui poderá pronunciar-se, através de um referendo, sobre o seu futuro.


Todos sabemos – e o Tribunal Geral da União Europeia foi a mais recente instância internacional a confirmá-lo – que o Sahara Ocidental é um território separado e distinto do de Marrocos, que este último não tem soberania sobre aquela área, e que a Frente POLISARIO é o representante do povo saharaui. A Espanha, como muitos outros países, não poderá ignorá-lo para sempre. Um dia terá de assumir a sua responsabilidade como Potência Administrante que cometeu um terrível erro político em 1975. Esperamos sinceramente que esse momento chegue o mais depressa possível, porque nessa altura a Espanha dará um exemplo de coragem a favor da paz e do desenvolvimento, do qual toda a região mediterrânica beneficiará.

Aceite, senhora Embaixadora, os nossos melhores cumprimentos.

A direcção da Associação de Amizade Portugal-Sahara Ocidental


25 de Março de 2022

#Espanha #Saharaoccidental #saaraocidental #Portugal


terça-feira, 29 de março de 2022

A defesa da autodeterminação tem dias - o caso do Saara Ocidental




José Manuel Pureza Dirigente do Bloco de Esquerda, professor universitário

29 Março de 2022 - EXPRESSO

Desengane-se quem acha que isto é um problema de Espanha. Não é. Todas vozes que, em todo o mundo, se têm levantado a favor da indiscutibilidade do direito à autodeterminação estão confrontadas com uma exigência de coerência. O Governo português também, portanto.

O amplo movimento de repúdio da invasão russa da Ucrânia e da guerra por ela originada tem assumido o direito à autodeterminação dos povos como pilar indiscutível das relações internacionais contemporâneas. As considerações de realpolitik ou as leituras centradas nos equilíbrios geopolíticos entre as zonas de influência das potências têm sido invariavelmente desconsideradas.
Se uma condenação assim firme de todas as violações do direito à autodeterminação dos povos se vier a instalar como resultado da rejeição desta guerra e das lógicas imperiais que a causaram e alimentam, a ordem internacional terá dado um passo importante. Temo que assim não venha a ser e que a firmeza na defesa da autodeterminação continue a variar em função das emoções e das conveniências do momento. O que se está a passar no Saara Ocidental é disso prova.
Em recente carta do primeiro-ministro espanhol ao rei de Marrocos, Pedro Sánchez afirma que a proposta de um “regime de autonomia especial” para o Saara, apresentada por Rabat em 2007, é a “mais séria, realista e credível” para a resolução do conflito que se arrasta naquele território desde 1975. Com este gesto, o governo espanhol reincide na desconsideração do direito do povo do Saara Ocidental e do seu direito à autodeterminação. Fê-lo logo em 1975, ao transferir a administração da sua ex-colónia para Marrocos e para a Mauritânia. Essa desresponsabilização, que se manteve desde então, culmina com este reconhecimento de facto da soberania marroquina sobre o Saara, como penhor da garantia da “estabilidade, soberania, integridade territorial e prosperidade dos nossos dois países”, como escreveu Sánchez. Estabilidade, leia-se controlo dos fluxos migratórios. Prosperidade, leia-se aliança entre Espanha e Marrocos no dossiê gás natural. Integridade territorial, leia-se intocabilidade dos vestígios coloniais espanhóis de Ceuta e Melilla e inclusão do Saara Ocidental em Marrocos.
A racionalidade deste passo de Madrid tem, pois, a marca fria do primado da realpolitik sobre o tal pilar indiscutível das relações internacionais contemporâneas. A verdade é que os povos e os seus direitos não são todos iguais. Referindo-se à Ucrânia, o Secretário de Estado norte-americano Anthony Blinken afirmou que o conceito de esferas de influência, “no qual um país subjuga os vizinhos contra a sua vontade” está “ultrapassado”. Só está às vezes. O Saara Ocidental não é uma dessas vezes.
Desengane-se quem acha que isto é um problema de Espanha. Não é. Todas vozes que, em todo o mundo, se têm – e bem – levantado a favor da indiscutibilidade do direito à autodeterminação estão confrontadas com uma exigência de coerência. O Governo português também, portanto. Vai o Governo usar os argumentos do costume (boa vizinhança, não ingerência nos assuntos de outros Estados, convergência de posições europeias) para alinhar com o “realismo” de Madrid (e com Marrocos, por tabela) a propósito do Saara Ocidental, ou vai ser coerente com o discurso forte da exigência de cumprimento escrupuloso do Direito Internacional, contra ocupações, usurpações de território e de recursos e violações de direitos básicos dos povos? Vai o Governo português, face às novas adversidades criadas ao povo saarauí por Pedro Sánchez, ser coerente com o papel histórico que Portugal teve na defesa da autodeterminação do povo de Timor – contra todas as chantagens de realpolitik de então – ou vai esquecer tudo isso e fingir que o Saara é diferente? E a sociedade portuguesa, que gestos de solidariedade vai ter para com um povo, nosso vizinho, a quem a força e a conveniência negam a soberania e a independência?

(Pedro) Sanchez mente quando diz que está a agir "no quadro das Nações Unidas"


Pedro Sanchez e António Guterres, SG da ONU


A sua rendição com armas e bagagens à posição marroquina significa o esquecimento do referendo.


ABC - Sebastián Basco

Madrid - 27/03/2022 - No processo interminável de descolonização do antigo Sahara espanhol, que para a comunidade internacional é o Sahara Ocidental e para Rabat "o Sahara marroquino" ou "as nossas províncias do sul", as Nações Unidas emitiram um total de 68 resoluções.

Ao longo de quase meio século, transcorreram os mandatos de sete Secretários-Gerais, tendo sido nomeados seis Enviados Especiais. Do americano James Baker (Março de 1997) ao actual, o italiano Staffan de Mistura (Outubro de 2021), passando pelo peruano Álvaro de Soto (Junho de 2004), o holandês Peter von Walsum (Julho de 2005), o também americano Christopher Ross (Setembro de 2008) e o alemão Horst Köhler (Agosto de 2017).

Foram nomeados também quinze representantes especiais, dois dos quais, o suíço Johannes Manz e o italiano Francesco Bastagli, renunciaram por causa da prevaricação e das manobras políticas de Marrocos. Rabat lidou com todos eles e a todos eles esgotou a paciência.


Sustentado ao longo do tempo

As duas primeiras resoluções, 377/1975 de 22 de outubro e 380/1975 de 6 de novembro, no calor da Marcha Verde, formularam "um apelo à moderação das partes envolvidas" e solicitam ao Rei de Marrocos que "ponha imediatamente termo à marcha declarada para o Sahara Ocidental". As restantes sessenta e seis resoluções estabelecem como premissa a "autodeterminação do povo saharaui".

Na resolução 690/1991, de 29 de abril, é estabelecido como solução um "referendo para a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental". Em 973/1995 de 13 de janeiro de 1995, insiste-se num "referendo livre, justo e imparcial para a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental". Em 1309/2000, de 25 de julho, as partes foram convidadas a encetar um diálogo para "acordar uma solução política mutuamente aceitável", prevendo "o direito à autodeterminação do povo do Sahara Ocidental". E finalmente, a última, 2602/2021, de 29 de outubro, insiste em se alcançar "uma solução política justa e duradoura baseada no compromisso sobre a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental".

A autodeterminação significa consulta da população, referendo, e a solução marroquina de autonomia para o território em disputa não o prevê.


Justificar o passo dado

Quando Pedro Sánchez, na sua carta a Mohamed VI e nas suas declarações subsequentes à opinião pública espanhola com o objectivo óbvio de justificar o passo dado, afirma que está a agir "no quadro das Nações Unidas", não está a dizer a verdade porque omite a premissa fundamental da ONU durante os quase 47 anos em que este conflito decorre: a autodeterminação dos saharauis.

As relações diplomáticas entre Madrid e Rabat sempre se caracterizaram por omissões e mal-entendidos. Ambos os lados consideram que se um determinado assunto não for mencionado, é esquecido e está fora de consideração. Assim, a aceitação de Pedro Sánchez de que a autonomia do Sahara Ocidental sob soberania marroquina é "a base mais séria, credível e realista" para a resolução do problema implica que a Espanha renuncie a qualquer exigência futura - pelo menos com este primeiro-ministro - de um referendo aos saharauis. Isto vai contra o quadro da ONU.


segunda-feira, 28 de março de 2022

Governo de Israel secunda o executivo de Pedro Sanchez e aprova o “Plano de Autonomia” de Marrocos


 Nasser Bourita e Yair Lapid, ministros dos Negócios Estrangeiros de Marrocos
e de Israel /Foto EPA)


O ministro de Negócios Estrangeiros de Israel, Yair Lapid, expressou hoje o seu apoio ao plano de autonomia para o Sahara Ocidental proposta por Marrocos, após os ministros dos negócios estrangeiros dos dois países se terem reunido numa cimeira israelo-árabe no deserto de Negev, na Palestina ocupada.

A agência Reuters acrescenta que o Ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, depois de se encontrar com o seu homólogo marroquino Nasser Bourita, emitiu uma declaração afirmando que os dois países trabalhariam em conjunto para enfrentar "tentativas de minar a soberania e a integridade territorial marroquinas".

Acrescenta a agência que Lapid elogiou a recente decisão da Espanha de apoiar o plano de autonomia de Marrocos, descrevendo-o como um "desenvolvimento positivo".


Fosfatos: Israel participa no roubo dos recursos naturais do Sahara Ocidental


Porto de Ashdod, 40 km a sul de Tel Aviv, em Israel


Um carregamento de minerais fosfatados do Sahara Ocidental ocupado está prestes a ser desembarcado no porto de Ashdod, 40 km a sul de Tel Aviv, em Israel, denuncia esta segunda-feira a organização internacional Western Sahara Resource Watch (WSRW).

Segundo a organização, este é o "primeiro transporte registado de minerais fosfatados" desde a normalização das relações diplomáticas entre Marrocos e Israel em 2020.

A carga, que saiu do território saharaui ocupado a 17 de fevereiro no barco Keremcan Oba, com bandeira do Panamá, chegou ao seu destino por volta de 1 de março e tem estado à espera de ser descarregada desde então, informa a WSRW.

O navio, "contendo talvez cerca de 5.000 toneladas de rocha", está atualmente preso numa fila interminável, à espera de entrar no porto para descarregar.

A Western Sahara Resource Watch não sabe que empresa está por detrás destas importações. No entanto, recorda que a Ratio Petroleum é a única empresa israelita que concluiu hoje um acordo de exploração de hidrocarbonetos no Sahara Ocidental.

A organização salientou que tal exploração é contrária ao direito internacional, uma vez que se realiza sem ter em conta a vontade e os interesses do povo saharaui.

domingo, 27 de março de 2022

Face ao isolamento do Governo do PSOE, Josep Borrell vem em socorro de Pedro Sanchez

 



O isolamento do Presidente do Governo espanhol e do seu ministro dos Negócios Estrangeiros é tal que o Alto Representante da União Europeia (UE) para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, teve que vir em socorro de Pedro Sanchez e José Manuel Albares.

Borrel não é particularmente brilhante e, em boa parte das vezes, seria bem melhor estar calado. De uma assentada defende o indefensável e coloca também mal a Comissão Europeia nesta "fotografia".

 

Lusa – 27-03-2022 - O Alto Representante da União Europeia (UE) para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, rejeitou categoricamente que a mudança de rumo do Governo espanhol na política sobre o Sahara Ocidental contrarie as disposições das Nações Unidas.

"Espanha não vai contra uma resolução da ONU. Nem a União Europeia", garantiu Borrell à Efe numa entrevista no âmbito do Fórum de Doha.

De acordo com Borrell, a posição da União Europeia sobre o conflito do Sahara Ocidental não mudou. "Continuamos a dizer a mesma coisa, ou seja, que o conflito deve ter uma solução no quadro das resoluções das Nações Unidas", disse.

"Apoiamos o enviado especial da ONU (para o Sahara Ocidental, Staffan) De Mistura, e esta solução deve ser encontrada no quadro de um acordo entre as partes", acrescentou.

Sobre a nova posição do Governo espanhol, que apoia a proposta de Marrocos de que o Sahara Ocidental, uma antiga colónia espanhola, seja uma das suas regiões, embora com autonomia, Borrell disse que tinha de "continuar a ser encontrada num acordo entre as partes".

Borrell disse que embora não fosse o "porta-voz" do Governo espanhol sobre esta questão, tinha ouvido o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares, "explicar muito claramente no Parlamento, dizendo que a posição espanhola também continua no quadro das Nações Unidas, que o Governo espanhol manifestou a sua preferência por uma das soluções possíveis, mas que esta solução tinha de continuar a ser encontrada no quadro de um acordo entre as partes".

Grande manifestação de solidariedade ao povo saharaui e rejeição do apoio de Pedro Sánchez a Marrocos

 


Contramutis– 26-03-2022

  • · Condenam a traição do governo socialista ao apoiar o ocupante do Sahara Ocidental.

  • ·  Denunciam que o povo saharaui sofre detenções arbitrárias, torturas, execuções sumárias, julgamentos sem garantias, desaparecimentos forçados, violações das liberdades de imprensa, expressão, opinião e reunião.

  • · O governo espanhol, ao proteger a ocupação ilegal do Sahara Ocidental, dá cobertura legal às violações dos direitos humanos.



"Não em nosso nome". Sob esta palavra de ordem, teve lugar uma grande concentração frente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, UE e Cooperação, na Plaza de la Provincia em Madrid, que manifestou rejeição e repúdio pelo apoio do governo espanhol ao plano de autonomia marroquino para o Sahara Ocidental.

Vários milhares de saharauis e apoiantes da causa saharaui, de Madrid e de várias partes de Espanha, manifestaram a sua condenação da "traição" do governo de Pedro Sánchez ao apoiar o ocupante marroquino da antiga colónia espanhola.



"Mais uma vez querem eliminar os direitos do povo saharaui e nós não o permitiremos", disse o actor Willy Toledo, lendo uma declaração da Coordinadora Estatal de Asociaciones Solidarias con el Sáhara (CEAS-Sáhara), os organizadores da concentração.

Na declaração aprovada sublinha-se que “o Sahara Ocidental não faz parte da integridade territorial de Marrocos e que se trata de um Território Não Autónomo até à descolonização, com o direito à autodeterminação e à independência reconhecido pelas Nações Unidas, "pelo qual a Espanha não se pode dissociar das suas responsabilidades como potência administrante do território".

Proteger a ocupação ilegal do Sahara Ocidental", acrescenta o texto, "supõe para o governo espanhol dar cobertura legal às violações dos direitos humanos denunciadas pelas organizações internacionais, e à pilhagem dos seus recursos naturais".





Depois de perguntar a Sánchez se acredita poder decidir em nome do povo saharaui e se o governo mais progressista da história não sabe o que se passa no Sahara ocupado, é feita a seguinte declaração: "Sob ocupação marroquina, o povo saharaui sofre detenções arbitrárias, torturas, execuções sumárias, julgamentos injustos, desaparecimentos forçados, violações das liberdades de imprensa, expressão, opinião, reunião e todo o tipo de discriminação económica, social, laboral e cultural. Tudo isto por defenderem pacificamente o seu direito à autodeterminação".

Depois foi feita a pergunta: "O que está a ser denunciado na Ucrânia é permitido e protegido no Sahara?


O comício contou com a presença, entre outros, dos deputados europeus Izquierda Unida-Unidas Podemos Sira Rego e Manu Pineda; a porta-voz de Podemos, Isa Serra; a porta-voz de Más Madrid na Assembleia, Mónica García, e o co-fundador de Podemos, Juan Carlos Monedero.

Isa Serra declarou que a decisão de Sánchez sobre o Sahara Ocidental é uma reviravolta histórica em relação à posição espanhola, aos programas eleitorais do Partido Socialista e às resoluções da ONU, o que "não é admissível".

"A sociedade espanhola tem um compromisso com o povo saharaui e é muito grave tomar o lado do ocupante, daqueles que violam os direitos humanos, contra as decisões do tribunal da União Europeia e as resoluções da ONU” - acrescentou.

O actor Carlos Bardem leu uma carta dirigida à sua mãe, Pilar Bardem, defensora do povo saharaui, que faleceu a 17 de Julho passado e que se tornou cidadã saharaui a título póstumo e honorária. A carta começa com "Sim, mãe, o teu povo foi traído de novo".

sexta-feira, 25 de março de 2022

Espanha: Associação de Professores de direito internacional denuncia o apoio de Sánchez ao plano de Marrocos para o Sahara Ocidental



Contramutis - - 25-03-2022 - Alegam que a decisão do primeiro-ministro constitui uma grave violação do direito internacional e um reconhecimento implícito da soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental ilegalmente ocupado.

A AEPDIRI deixa claro que a Espanha é o poder administrante do Sahara Ocidental e tem a obrigação legal e política de tomar todas as medidas necessárias para garantir a efetiva autodeterminação do povo saharaui.

O apoio do governo espanhol ao plano de autonomia de Marrocos para o Sahara Ocidental nega o direito à autodeterminação do povo saharaui e constitui uma grave violação do direito internacional, segundo a Associação Espanhola de Professores de Direito Internacional e de Relações Internacionais (AEPDIRI).



A associação afirma que a decisão do Presidente do Governo, Pedro Sánchez, "implica o reconhecimento implícito da soberania marroquina sobre a parte do Sahara Ocidental que ocupa ilegalmente", e "implica a responsabilidade internacional do nosso Estado, na medida em que contribui para consolidar a grave violação de uma norma imperativa do direito internacional".

Em comunicado, a AEPDIRI, criada em 1978 para promover o estudo e o avanço do direito internacional público e privado, do direito da União Europeia e das relações internacionais, assinala que o direito à autodeterminação dos povos é um dos princípios fundamentais do direito internacional (Carta das Nações Unidas e os Pactos sobre os Direitos Humanos de 1966), e que a Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral afirma o direito dos povos sob domínio colonial à independência através da consulta às suas populações.

Indica que esta Resolução é aplicável à descolonização do Sahara Ocidental segundo o Tribunal Internacional de Justiça, "que reconheceu o direito do povo saharaui à autodeterminação através da livre e genuína expressão da sua vontade".

A associação recorda resoluções do Conselho de Segurança da ONU, como o Plano de Resolução, livremente negociado por Marrocos e pela Frente Polisario, que prevê a realização de um referendo de autodeterminação, e outra que criou a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), que elaborou o recenseamento em 2000, mas que "só o veto da França no Conselho de Segurança impede a MINURSO de concluir os seus trabalhos através da organização do referendo".

A associação de professores recorda que no referendo acordado entre as partes, o povo saharaui deve decidir entre a independência do território e a sua integração em Marrocos e que "a proposta de autonomia é uma proposta de integração do Sahara Ocidental em Marrocos e não constitui uma expressão do direito à autodeterminação dos povos se não for livremente decidida pelo povo saharaui, num referendo no qual a opção de independência esteja também incluída".

Sobre o plano de autonomia de Marrocos, apresentado em 2007 após a rejeição final de um referendo de autodeterminação, a AEPDIRI afirma que "nunca obteve o apoio do Conselho de Segurança ou da Assembleia Geral das Nações Unidas, e é categoricamente rejeitada pela Frente Polisario".

Acrescenta que uma parte do território está sob ocupação marroquina e outra é controlada pela República Árabe Saharaui Democrática, um Estado membro da União Africana, "de modo que o plano de autonomia é, além disso, impossível de implementar na parte não ocupada do território".

A AEPDIRI afirma que o Direito Internacional Geral estabelece "a obrigação de todos os Estados de não reconhecerem uma situação resultante do uso da força, tal como a resultante da imposição a um povo colonial, após a invasão, de um regime de ocupação por outro Estado, bem como a obrigação de todos os Estados não contribuírem para a consolidação e legitimação de uma invasão".

Sobre o estatuto da Espanha como potência administrante do Sahara Ocidental, que foi negado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares, a associação de professores especifica que "desde 1963, e em conformidade com a Resolução 1956 (XVIII) da Assembleia Geral, a Espanha é a potência administrante, estatuto jurídico confirmado pelo Tribunal Nacional em 2014, pelo que tem a obrigação legal e política de tomar todas as medidas necessárias para garantir a efetiva autodeterminação do povo saharaui".


Concessões infinitas: A inclinação de Espanha para Marrocos

 


Artigo de Andrew Lebovich e Hugh Lovatt no “The European Council on Foreign Relations” -  A recente iniciativa de Espanha tem pouco a ver com a paz no Sahara Ocidental e tudo a ver com o seu desejo de restabelecer os laços com Marrocos. Mas, em última análise, a Espanha apenas se tornou mais vulnerável à pressão marroquina.

Em 19 de março, a Espanha deu um grande passo na direção de Marrocos, apoiando seu plano para resolver o conflito de longa data no Sahara Ocidental. Madrid claramente planeou essa mudança para agradar ao seu vizinho do Sul, depois de um ano em que seu relacionamento foi particularmente tenso. As comemorações em Rabat indicam que os marroquinos apreciaram o gesto. Mas, para a Espanha, isso pode ter apenas benefícios fugazes. A medida é estrategicamente míope, pois recompensa a campanha de pressão do Marrocos contra a Espanha – explorando sua vulnerabilidade à migração ilegal – e incentiva comportamentos semelhantes no futuro. No processo, a Espanha corre o risco de desencadear uma nova crise com a Argélia que pode minar os esforços europeus para enfrentar a Rússia na sua guerra na Ucrânia.

O movimento surpresa veio à tona quando o rei Mohamed VI revelou parte do conteúdo de uma carta particular do primeiro-ministro Pedro Sanchez. A carta apoia a posição de Rabat sobre o Sahara Ocidental, descrevendo a proposta de 2007 de Marrocos para a autonomia saharaui – que integraria o território em Marrocos – como a base “mais séria, realista e credível” para resolver o conflito. Isso segue uma posição semelhante de Berlim. Numa tentativa de consertar as suas relações com Rabat, o governo alemão descreveu o plano de Marrocos como uma “contribuição importante”. A Espanha é agora o mais forte defensor europeu do plano de autonomia de Marrocos – mesmo em comparação com a França, uma aliada próxima de Marrocos. Até agora, Paris absteve-se de usar superlativos ao apoiar a natureza “séria e credível” do plano.

No entanto, como a Europa trabalha para defender a ordem internacional baseada em regras contra a invasão da Rússia à Ucrânia, é particularmente perigoso para a Espanha apoiar as reivindicações marroquinas sobre o Sahara Ocidental - que anexou ilegalmente em 1976. Ao fazê-lo, Madrid expôs-se a acusações de duplicidade de critérios. 

Fundamentalmente, os cálculos de Madrid têm pouco a ver com o Sahara Ocidental. A decisão de Espanha é apenas o último movimento num esforço a longo prazo para normalizar a sua relação com Marrocos. Esta tem vindo a ser perturbada desde que Espanha permitiu o líder da Frente Polisario - o movimento de independência nacional saharaui – a receber tratamento para a covid-19 num hospital espanhol, em abril de 2021. Marrocos retaliou ao afrouxar os seus controlos fronteiriços, levando cerca de 10.000 migrantes a entrar em Ceuta, uma cidade espanhola contestada no norte de África. Esta decisão, que o ministro da defesa espanhol descreveu como "chantagem", enquadra-se num padrão em que Marrocos utiliza a migração para tentar forçar a Europa a aceitar a sua posição sobre o Sahara Ocidental.

O governo espanhol tem feito vários esforços para aplacar Rabat. Em julho de 2021, despediu a então Ministra dos Negócios Estrangeiros, Arancha Gonzalez Laya. Alguns meses mais tarde, o governo espanhol ofereceu-se para fornecer gás natural a Marrocos. (Isto seguiu-se à decisão da Argélia de terminar o seu contrato com Marrocos sobre o Gasoduto Magrebe-Europa - um movimento motivado por um aumento das tensões entre os dois países rivais). E, em janeiro de 2022, o rei espanhol exaltou a amizade do seu país com Marrocos. Contudo, nada disto teve o efeito pretendido sobre o governo marroquino, que deixou claro que este não aceitaria nada menos do que um aval espanhol da sua posição sobre o Sahara Ocidental.

Na tentativa de resolver uma crise na sua fronteira sul, Madrid pode ter criado outra. E pode ter complicado os esforços europeus para enfrentar a Rússia. A mudança repentina causou um verdadeiro choque e raiva na Argélia, um defensor constante da Frente Polisario. A Argélia retirou agora o seu embaixador em Espanha em protesto, mas não há garantias de que as consequências políticas fiquem por aí.

Dado o recente aumento dos preços globais da energia, as exportações de gás da Argélia proporcionam-lhe uma importante fonte de influência sobre a Europa. A Rússia, um dos parceiros mais próximos da Argélia, pode empurrar o país nesta direcção para limitar a capacidade da Europa de travar as suas importações de energia russa. E a Europa está dependente da Argélia noutras áreas importantes, incluindo a cooperação anti-terrorista no Sahel. A decisão de Madrid poderia perturbar seriamente essa cooperação.

A decisão do rei marroquino de revelar a posição espanhola sobre o Sahara Ocidental parece ter deixado os dirigentes em Madrid em polvorosa para recuperar do atraso. Eles aparentemente esperavam que a carta fosse mantida em privado, pelo menos até que Sanchez visitasse Rabat. Isto levou a uma considerável confusão quanto ao que fez exatamente o governo espanhol, criando uma forte impressão de que a Espanha simplesmente cedeu à pressão marroquina sobre o Sahara Ocidental para reparar a sua relação bilateral.


"Ao recusarem usar a sua influência sobre Marrocos, a Espanha e a UE reduzem o seu próprio poder de negociação e reforçam a perceção entre muitos líderes do Médio Oriente e do Norte de África de que os europeus são atores inconsequentes na região".


Para tentar limitar os danos, a Espanha enviou recentemente o seu novo ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares, a uma reunião com o enviado da ONU para o processo de paz no Sahara Ocidental, Staffan De Mistura - na qual reafirmou o apoio espanhol a uma "solução mutuamente acordada no quadro das Nações Unidas". A Espanha negou que a sua decisão representa uma mudança política fundamental, mesmo quando a descreve como um "ponto de viragem histórico" que cria uma nova base para as relações bilaterais com Marrocos. Tais contradições apenas realçam a confusão estratégica de Madrid.

Ainda não está claro se Marrocos prometeu algo à Espanha em troca do seu gesto de apoio. Para além de um compromisso geral de colocar as relações bilaterais numa base nova e positiva, Madrid poderá ter obtido algumas garantias sobre a cooperação marroquina no controlo da migração e a normalização das relações com Ceuta e Melilla - duas cidades espanholas sobre as quais Marrocos reivindica a soberania. Estas questões estão há muito na lista de desejos da Espanha. Mas quaisquer concessões de Marrocos nestas áreas parecem ser limitadas e não vinculativas. Igualmente importante, a relação bilateral inclinou-se a favor de Rabat e minou as futuras posições negociais da Espanha.

Este episódio é mais um lembrete de como as preocupações da Europa sobre migração e terrorismo a deixam vulnerável à coerção por parte de Estados estrangeiros. Se, como é provável, o Tribunal de Justiça Europeu continuar a decidir contra a inclusão do Sahara Ocidental nas relações comerciais da União Europeia com Marrocos - outra das principais reivindicações de Rabat - a Espanha voltará a estar sob pressão marroquina. Em última análise, é pouco provável que Rabat mude as suas táticas até obter a plena aceitação espanhola (e europeia) da sua reivindicação de soberania para o Sahara Ocidental.

A decisão da Espanha é especialmente pouco oportuna, dado que Marrocos não participou na recente votação da Assembleia Geral da ONU para condenar a guerra da Rússia contra a Ucrânia. De facto, há indícios de que Rabat tem desde então reforçado os seus laços com Moscovo. O aparente alheamento de Marrocos entre a Europa e a Rússia é motivada pelos seus próprios interesses - incluindo a necessidade de salvaguardar as exportações de trigo à medida que os preços internos dos alimentos aumentam. A este respeito, não está a comportar-se de forma diferente de outros Estados do Médio Oriente, como Israel e os Emirados Árabes Unidos.

No entanto, a Europa faz cada vez mais concessões aos seus parceiros no Médio Oriente e Norte de África sem exercer sobre eles a sua considerável influência económica e financeira para alcançar os seus objetivos de política externa. A recusa de Marrocos em participar na votação da ONU gerou uma grande frustração entre os países europeus. Contudo, até agora, a sua resposta tem sido aumentar os incentivos de cooperação com Marrocos. A Espanha não está sozinha nisto. A 10 de março, pouco depois da votação, a Comissão Europeia prometeu mobilizar um investimento adicional de 8,4 mil milhões de euros em Marrocos e anunciou uma nova parceria com o país intitulada Link Up Africa. Tal como com as concessões de Espanha, nada disto produziu uma mudança favorável na política marroquina.

Naturalmente, a Espanha e a UE precisam de manter laços estreitos com Marrocos - como Albares explicou hoje ao parlamento espanhol. Mas isto não deve ser exclusivamente nos termos de Marrocos. Ao recusarem usar a sua influência sobre Marrocos, a Espanha e a UE reduzem o seu próprio poder de negociação e reforçam a perceção entre muitos líderes do Médio Oriente e do Norte de África de que os europeus são atores inconsequentes na região. A Europa tem um valor económico, financeiro, e político para os seus parceiros regionais que a Rússia e mesmo a China não podem facilmente replicar. Numa altura em que a UE só pode proteger os seus interesses regionais através da intensificação da concorrência com outras potências globais, não pode dar-se ao luxo de fazer concessões infindáveis por tão pouco em troca.

Autores: Andrew Lebovich (@tweetsintheME on Twitter) e Hugh Lovatt (@h_lovatt on Twitter)

The European Council on Foreign Relations

quinta-feira, 24 de março de 2022

Bloco de Esquerda repudia reconhecimento por Espanha da ocupação marroquina do Sahara Ocidental



Em comunicado, a Comissão Política bloquista defende o direito à autodeterminação do povo saharauí, solidariza-se com a Frente Polisario e saúda as organizações que em Espanha contestam a viragem de Pedro Sánchez.


Comunicado da Comissão Política do Bloco

"As promessas nunca cumpridas ao povo saharaui"

A carta do Primeiro Ministro espanhol ao rei de Marrocos, em que afirma que a proposta de “regime de autonomia especial” para o Sahara Ocidental, feita por Rabat em 2007, é a “mais séria, realista e credível” para aquele território, é uma decisão deplorável para todos os que assumem o direito de autodeterminação dos povos como um pilar inquestionável das relações internacionais e uma afronta ao povo saharauí.

Cedendo à chantagem quer da monarquia marroquina  - concretizada no incentivo à entrada de dezenas de milhar de migrantes em Ceuta e Melilla - quer dos Estados Unidos - cuja Administração Trump reconheceu a soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental, posição reiterada pela atual Administração Biden -, o Estado espanhol abandonou de novo o povo saharauí às mãos do ocupante, em flagrante contraste com o discurso oficial contra a ocupação da Ucrânia pela Rússia e a favor do direito do povo ucraniano à independência.

Esta mudança de posição do Governo espanhol não altera a natureza do que está em jogo no Sahara Ocidental. E o que está em jogo é o cumprimento do Direito Internacional, que impõe que nenhuma solução sobre territórios não autónomos, como o Sahara Ocidental, é legítima se não se fundamentar na vontade expressa do respetivo povo em ato de autodeterminação. O que está em jogo é o respeito por repetidas decisões do Tribunal Geral da UE que sentenciou que Marrocos e o Sahara Ocidental são dois territórios distintos, que o primeiro não tem soberania sobre o segundo e que a Frente POLISARIO é o único legítimo representante do povo saharauí.

Portugal – que soube enfrentar todas as chantagens e fazer sua a defesa do direito do povo de Timor Leste à autodeterminação – tem de ser coerente com o que então afirmou e que agora afirma relativamente à Ucrânia: nenhuma solução para o Sahara Ocidental é legítima se não decorrer de um ato de autodeterminação do seu povo.

O Bloco de Esquerda saúda as forças políticas que, em Espanha, repudiaram a decisão de Pedro Sanchez e expressa toda a sua solidariedade com o povo saharauí e a Frente POLISARIO, seu único representante.

O Bloco insta o Governo português a empenhar-se para que o mandato do Representante Pessoal do Secretário Geral das Nações Unidas para o Sahara Ocidental conduza rapidamente à realização de um referendo de autodeterminação naquele território, única solução que respeita o Direito Internacional.


Pelo direito à autodeterminação do Saara Ocidental - Comunicado do Partido LIVRE



22 Março, 2022 - Numa radical alteração de posicionamento, o governo espanhol declarou o seu apoio à proposta marroquina, feita em 2007, de autonomia para o Saara Ocidental. Esta proposta, até agora rejeitada e que confirma, de facto, a ocupação do território sarauí por parte de Marrocos, é contrária ao direito internacional e às resoluções das Nações Unidas que exigem um referendo à autodeterminação do Saara Ocidental. 

Esta incompreensível decisão do governo espanhol e consequente abandono do povo sarauí não pode ser vista de forma isolada. Há pouco mais de um ano, no final do mandato de Donald Trump, dava-se a normalização de relações diplomáticas entre Israel e Marrocos, a troco do reconhecimento da soberania deste último sobre o Saara Ocidental por parte dos EUA. 

No caso espanhol, esta decisão tem como contrapartidas expectáveis um controlo férreo por parte de Marrocos dos fluxos migratórios em direção a Espanha e à Europa em geral e um reconhecimento dos territórios de Ceuta e Melila. De relembrar que o povo sarauí luta há décadas pelo seu direito à autodeterminação, sob um contínuo clima de conflito e de abuso por parte das forças armadas marroquinas.

O LIVRE considera inalienável o direito à autodeterminação do povo sarauí, e, enquanto subscritor dos princípios do Direito Internacional, manifesta a sua preocupação e oposição à posição do governo espanhol, pois esta contribui para o adiamento de uma solução pacífica e duradoura na região do Saara Ocidental. O LIVRE insta ainda o governo português, e de acordo com a proposta aprovada na Assembleia da República em 2018, a promover uma ação consequente de política externa pela autodeterminação do povo sarauí e na defesa de um processo credível para um referendo no Saara Ocidental, conforme defendido pelo LIVRE no seu programa eleitoral de 2022.

quarta-feira, 23 de março de 2022

Carlos Ruiz Miguel, Diretor do Centro de Estudos sobre o Sahara Ocidental ao “Le Soir d’Algerie”: «A posição de Sanchez é fruto de pressões marroquina e norte-americana»

 


“Le Soir d’Algerie” – 21-03-2022 - jornalista Tarek Hafid

Carlos Ruiz Miguel, Professor de Direito Constitucional e Director do Centro de Estudos do Sahara Ocidental da Universidade de Santiago de Compostela, acredita que o apoio demonstrado pelo presidente do governo espanhol é "o resultado da pressão marroquina e norte-americana". Segundo ele, esta reviravolta imposta por Pedro Sanchez na questão do Sahara Ocidental pode ser a causa de uma crise com a Argélia, o principal fornecedor de gás natural de Espanha.

 

Le Soir d'Algérie: Qual é a natureza da mensagem enviada pelo Primeiro-Ministro espanhol ao Rei de Marrocos, na qual anunciou que o plano de "autonomia" é "a base mais séria, realista e credível para a resolução do litígio"?

Carlos Ruiz Miguel : Este é um documento que o governo espanhol queria manter em segredo, mas foi revelado pelo gabinete do rei de Marrocos. O que foi dito é que se trata de uma “carta” do presidente do governo espanhol ao rei de Marrocos. Mas o texto completo e autêntico desta carta não foi divulgado. Parece que esta carta é a expressão de um acordo secreto cujos termos são desconhecidos. [NOTA: O teor da carta foi hoje dado a conhecer em exclusivo pelo jornal EL PAIS – ver imagem]

 

O que explica tal reação de Pedro Sánchez neste preciso momento? Ele foi pressionado?

Na minha opinião, a posição do presidente espanhol é fruto de uma dupla pressão: marroquina e norte-americana. Perante a pressão marroquina, a Espanha teria solicitado a intervenção norte-americana que parece ter patrocinado este acordo secreto.

 

Esta declaração marca uma negação por parte do Estado espanhol (que continua a ser a potência de administrante do Sahara Ocidental) do plano de resolução que prevê a organização de um referendo de autodeterminação?

Esta declaração é uma violação das obrigações da Espanha como potência administrante do território. A Espanha tem a obrigação de completar a descolonização e, se não tiver o controle do território, deve em qualquer caso agir para que a descolonização seja completa. Quando há um conflito aberto entre a potência ocupante e o movimento de libertação saharaui, esta declaração significa a perda da neutralidade para se colocar ao lado do agressor. Isso ao mesmo tempo em que a Espanha está se posicionando contra a Rússia por causa de sua invasão da Ucrânia....

 

O que a Espanha deve fazer para cumprir sua responsabilidade em relação ao Sahara Ocidental?

Na minha opinião, uma vez que Marrocos tenha demonstrado que não honrou os seus compromissos oficiais para facilitar a descolonização, o único resultado de acordo com a legalidade internacional será o reconhecimento da RASD (República Árabe Saharaui Democrática). Esta é a doutrina estabelecida pelo ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki.

 

Como reagiram a esta declaração a classe política espanhola e o movimento de solidariedade que apoia o povo saharaui?

Reagiram unanimemente com espanto e com deceção em alguns casos.

 

O que é considerado uma "reviravolta" espanhola terá consequências nos combates entre a Frente Polisario e Marrocos?

A nível militar, penso que este acordo não terá consequências na guerra que está a decorrer no Sahara Ocidental.

 

O governo argelino disse estar "surpreso com a repentina inversão" da posição da Espanha sobre a questão do Sahara Ocidental e decidiu chamar o seu embaixador em Madrid. Será este o início de uma crise entre a Argélia e a Espanha? Quais poderão ser as consequências?

Sim, é o início de uma crise que terá graves consequências para a Espanha. No preciso momento em que a eletricidade e o gás atingem preços mais altos, a Espanha irrita o seu principal fornecedor de gás. Para evitar as consequências, a Espanha queria que a Argélia aceitasse a proposta de aumentar as suas vendas de gás reabrindo o gasoduto que passa por Marrocos. Mas esta é uma pretensão fantasiosa que demonstra profunda ignorância.

O Presidente da República (da Argélia) recebe o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Portugal


O MNE português com o Presidente Abdelmadjid Tebboune (em cima) e com o seu homólogo argelino, Ramtane Lamamra (em baixo) 


Agências

Argel (ECS). - O Presidente da Argélia, Abdelmadjid Tebboune, recebeu hoje o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, segundo a APS.

A presidência argelina confirmou a reunião em comunicado, que contou também com a presença do ministro argelino dos Negócios Estrangeiros, Ramtane Lamamra, entre outras autoridades. A nota, recolhida pela agência noticiosa APS, não detalha o conteúdo desta reunião, segundo a Europa Press.

O encontro coincide com as crescentes tensões no fornecimento de energia na Europa, que depende fortemente do gás russo.

Portugal recebe, como a Espanha, gás da Argélia, embora no caso espanhol as relações com Argel tenham sido obscurecidas pelo apoio à iniciativa de autonomia de Marrocos para o Sahara Ocidental.

Nota: o encontro suscita todas as interrogações, tanto mais que Augusto Santos Silva não integrará o elenco do novo Governo Socialista, cuja composição será conhecida ainda hoje.


terça-feira, 22 de março de 2022

Inversão de marcha espanhola no Sahara Ocidental, entre a estupidez e o excesso


Pedro Sanchez, Presidente do Governo de Espanha (AFP/Vladimir Simicek)

 

Artigo do jornalista marroquino Ali Lmrabet – Middle East Eye – 22-03-2022


O importante neste caso é a incapacidade do governo espanhol em compreender que nem o Makhzen (poder do palácio em Marrocos) nem os líderes argelinos renunciarão aos objectivos que se fixaram.

 

Neste caso de inversão da posição histórica espanhola sobre o Sahara Ocidental, existem factos. E há interpretações.

 

Os factos são os seguintes. Neste conflito sem fim, o governo espanhol acaba de abandonar a sua tradicional neutralidade ativa de décadas para abraçar a posição marroquina.

A proposta de Rabat para uma resolução definitiva da questão é a concessão de autonomia. Deve dizer-se que esta não é uma autonomia generosa ao estilo espanhol com amplas prerrogativas. O regime alauita continuaria a controlar estreitamente a antiga colónia.

Esta brusca inversão espanhola é importante porque pode ter um efeito de arrastamento sobre outros Estados da UE, mas também porque para a ONU, a Espanha continua a ser o poder administrante do território - sendo Marrocos um administrador de facto - até que se realize um referendo sobre a autodeterminação.

Esta iniciativa espanhola (carta enviada por Pedro Sánchez, o presidente socialista do governo espanhol, ao Rei de Marrocos) apanhou todos de surpresa.

A começar pelas Nações Unidas, cujo porta-voz, Stéphane Dujarric, acaba de nos lembrar timidamente que o conflito deve ser resolvido no âmbito de um processo político ao abrigo das suas directivas. 

E, sobretudo, a classe política da Península Ibérica, da esquerda àa direita, que condenou, por uma vez em uníssono, a decisão de Sánchez de abandonar esta antiga província espanhola aos marroquinos por uma "segunda vez" (a primeira vez foi em 1975, quando Marrocos e a Mauritânia concordaram em dividir o Sahara Ocidental).

Os aliados do governo de Pedro Sánchez (o Podemos) e seus apoiantes parlamentares tornaram isto bem conhecido, acusando o executivo de ter cedido à "chantagem" por parte de Marrocos.

E mesmo o Partido Popular (PP), o principal partido da oposição, denunciou esta quebra no consenso nacional em matéria de política externa. De momento, apenas o Partido Socialista Espanhol dos Trabalhadores (PSOE) apoia o seu líder.

 

Imigração: uma cooperação crucial

Estes são os factos. Agora vêm as interpretações.

 

O que aconteceu para fazer de Sánchez, antigo apoiante do movimento independentista saharaui, minar uma posição consensual de 46 anos e virar as costas ao programa do seu próprio partido, com o risco de alienar os seus parceiros políticos e a Argélia, um "aliado estratégico", segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros espanhol?

Em primeiro lugar, houve a necessidade - diz-se em Madrid -, com a guerra em curso na Ucrânia, de não ter duas frentes abertas ao mesmo tempo. A russa e a marroquina.

Como se a Espanha tivesse uma posição preponderante nas estruturas da OTAN. Como se os saltos diplomáticos marroquinos pudessem ser vistos como constituindo uma verdadeira frente.

Editorialistas, muito raros, próximos das posições da Moncloa (sede do governo), no entanto sublinham este ponto. Alguns deles vão, sob uma chuva de reprovações é verdade, apresentar a autonomia sob controle marroquino como a melhor solução para o povo saharaui.

Em segundo lugar, para Madrid, a cooperação com Marrocos na luta contra a imigração ilegal é essencial.

E não há dúvida sobre a possibilidade de outra raiva marroquina, como a de maio de 2021, quando as autoridades marroquinas abriram os portões de sua fronteira com Ceuta para deixar passar milhares de marroquinos, incluindo crianças.

Sobre este último ponto, para ajudar o seu chefe, Miquel Iceta, o Ministro da Cultura e do Desporto, retweetou um artigo publicado na imprensa que afirmava que, em troca do reconhecimento do plano de autonomia, Marrocos teria "desistido de Ceuta, Melilla e das Ilhas Canárias".

O facto de o Ministro Iceta, um dos leais seguidores de Sánchez, ter saltado alegremente para esta afirmação espantosa, ainda não corroborada para justificar a reviravolta espanhola, mostra que a «entourage» do presidente do governo ou está perplexa ou a dizer disparates.

A renúncia de Marrocos às suas reivindicações territoriais históricas sobre os enclaves de Ceuta e Melilla, mais do que as Ilhas Canárias, que não têm nenhuma reivindicação séria excepto no que diz respeito às águas territoriais, seria uma trovoada no céu patriótico marroquino.

Em terceiro lugar, fala-se de uma ligeira pressão americana sobre Pedro Sánchez para ser conciliador em relação às reivindicações marroquinas.

Isto é muito provável, uma vez que os americanos têm estado diplomaticamente envolvidos em convencer a Argélia a reabrir o Gasoduto do Magrebe Europeu (GME) que liga a Argélia a Espanha através de Marrocos.

A Secretária de Estado Adjunta dos EUA, Wendy Sherman, visitou pessoalmente Argel como parte de uma digressão que a levou a Rabat e Madrid. Sem sucesso.

Algumas horas antes de Marrocos anunciar a decisão espanhola de reconhecer o plano de autonomia marroquino, Argel respondeu rejeitando o pedido americano.

 

O mestre do tempo

Mas todas essas interpretações não podem explicar plenamente o excesso, segundo a grande maioria dos analistas espanhóis, da reviravolta espanhola, tanto mais que na Espanha o eleitor socialista, o de Pedro Sánchez, é aquele, junto com os outros simpatizantes da esquerda, que mais apoiam os independentistas saharauis.

Para alguns, há algo misterioso nessa reversão. Porque irritar a Argélia, o principal fornecedor de gás da Espanha, tem algo de "descabelado" (loucura), afirmam preocupados alguns comentaristas, que destacam a vulnerabilidade energética de seu país. A retirada pela Argélia do seu embaixador em Madrid mais fez adensar este panorama.

Outros acreditam que há uma conspiração hispano-americana-marroquina, com o apoio de Bruxelas, para empurrar os saharauis para os braços do regime.

Pode haver algo verdadeiro, e também muito falso, nesses comentários. Mas o importante é a incapacidade do governo espanhol de entender a idiossincrasia – uma palavra que os espanhóis adoram – do Makhzen marroquino e dos líderes argelinos.

O Palácio Real marroquino não abrirá mão de nada e não cederá nada à Espanha. Depois do Sahara, virá a vez de Ceuta e Melilla, hoje asfixiadas economicamente. Melilla foi privada da sua fronteira, velha de há muitas décadas, em 2018 sem protesto do governo Sánchez.

Da mesma forma, Rabat não retrocederá nas leis aprovadas pela Câmara dos Deputados em 2019, que delimitam suas fronteiras marítimas com a Espanha sobrepondo-se às das Ilhas Canárias.

O regime de Mohamed VI, como o de Hassan II, só entende a relação de forças. A Marcha Verde de 1975 e o assalto organizado a Ceuta em maio de 2021 são a expressão desta política musculada.

Para mostrar quem é o mestre do tempo, o Palácio Real marroquino – não La Moncloa – anunciou primeiro a reviravolta espanhola.

Aparentemente, nem Pedro Sánchez nem o pequeno grupo que o rodeia sabiam que a carta enviada pelo Presidente do Governo ao rei Mohamed VI há algum tempo - e não nesse mesmo dia como parecem acreditar em Espanha -, ia ser tornada pública pelos marroquinos, sem notificarem os espanhóis.

A vice-presidente do governo espanhol, Yolanda Díaz (do Unidas Podemos), declarou-se surpreendida e frustrada com o anúncio, do qual repetiu que não tinha tido conhecimento até que os marroquinos o tivessem noticiado na imprensa.

E o ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares, que se encontrava de visita a Barcelona, teve de realizar uma conferência de imprensa de emergência para confirmar o anúncio de Rabat. De acordo com testemunhas, Albares parecia ter sido apanhado desprevenido. Ele provavelmente esperava que o anúncio fosse feito em concertação com os marroquinos.

A outra idiossincrasia que os anfitriões de La Moncloa não compreendem é a argelina. Quando questionado sobre possíveis represálias argelinas após a aceitação do plano de autonomia, o Ministro Albares fingiu acreditar que os ganhos financeiros que Argel iria acumular ao aumentar o fornecimento de gás à Europa o impediriam de cometer o ato irreparável: privar Madrid do seu fornecimento de gás.

No entanto, se os argelinos, habituados a levar o seu tempo antes de tomarem decisões importantes, não fecharem a torneira do Medgaz, o gasoduto que liga a Argélia a Espanha, darão sem dúvida preferência num futuro próximo ao Transmed, o gasoduto que liga o seu país a Itália.

Quanto a futuros investimentos conjuntos hispano-argelinos, é provável que sofram desta raiva argelina que cresce a cada dia, se olharmos atentamente para as interpelações e anúncios de Argel.

O antigo embaixador espanhol em Rabat, Jorge Dezcallar, que foi também o antigo chefe dos serviços secretos espanhóis (CNI), acaba de escrever um artigo deopinião no diário El País.

Este conhecedor de Marrocos e do Makhzen, que concebeu o famoso "colchão de interesses" (enquanto houver grandes investimentos espanhóis em Marrocos, este último não se envolverá em hostilidades com Madrid), pergunta-se se a decisão de Pedro Sánchez é um ato bem pensado ou uma estupidez. E ele parece estar inclinado para este último.

 

(*) Ali Lmrabet é jornalista marroquino, ex-repórter do diário espanhol El Mundo, para o qual ainda trabalha como correspondente no Magrebe. Proibido de exercer a sua profissão de jornalista pelas autoridades marroquinas, colabora atualmente com vários meios de comunicação social espanhóis. Ppode segui-lo no Twitter: @alilmrabet.