terça-feira, 23 de julho de 2013

“Declaração conjunta” hispano-marroquina: García-Margallo mente (de novo) sobre o Sahara Ocidental



A chamada “declaração conjunta” hispano-marroquina datada de 18 de julho revela que o ministro García-Margallo mentiu (novamente) em relação ao Sahara Ocidental. Ainda que o ministro não se canse de dizer que “em Rabat e em Argel” o Governo tem a mesma posição, um simples cotejo de declarações mostra que é falso. Mais, a posição exposta unilateralmente por Espanha nesta declaração tão pouco coincide (para variar) com o que o ministro afirmou ante o Congresso dos Deputados.

I. O QUE DIZ O MINISTRO GARCÍA-MARGALLO EM 2012 E 2013

- Declarações de García-Margallo recolhidas pela agência Europa Press a 17 de julho de 2013:

Questionada sobre se o conflito do Sahara está na agenda desta visita, García-Margallo avançou que esta questão estará presente na declaração conjunta que será tornada pública pelos dois países por ocasião da visita do Rei Juan Carlos. Neste comunicado, afirmou, será refletida a posição que Espanha defendeu em Marrocos e Argélia e que advoga “uma solução estável, pacífica e justa” de acordo com “os parâmetros da ONU”.

- Comparência do ministro ante a Comissão de Assuntos Exteriores do Congresso a 20 de setembro de 2012:

Para evitar equívocos, por lo que se refiere al fondo del conflicto, repito que la posición española, que expuse aquí, en Rabat y en Argel, sobre el Sáhara Occidental es la siguiente. España apoya una solución política justa, duradera y mutuamente aceptable que prevea la libre determinación del pueblo del Sáhara Occidental en el marco de las disposiciones conformes a los principios y propósitos de la Carta de Naciones Unidas.

- Comparência do ministro García-Margallo ante a Comissão de Assuntos Exteriores do Senado a 7 de março de 2012:

En el tema del Sáhara, y aprovecho para hacer una alusión al señor Anasagasti, la postura del Gobierno es absolutamente clara e insisto en que hemos manifestado lo mismo en Rabat y en Argel.

II. O QUE O GOVERNO ESPANHOL DISSE EM ARGEL A 10 DE JANEIRO DE 2013
O Presidente do Governo, Mariano Rajoy, acompanhado do seu ministro de Exteriores, García-Margallo, viajou a Argel no marco da Quinta reunião de Alto Nível entre ambos os países.
Os dois governos firmaram uma “declaração comum” a 10 de janeiro de 2013.
É inútil procurar em qualquer página oficial do Governo Espanhol ou do Ministério de Assuntos Exteriores o texto dessa declaração. Há que acorrer a fontes argelinas para encontrar o texto em francês ou em espanhol.
Nessa declaração diz-se sobre o Sahara Ocidental:

46. Tratándose de la cuestión del Sahara Occidental, las dos partes reafirman su apoyo a los esfuerzos de Naciones Unidas para una solución política justa, definitiva y mutuamente aceptable, que consagre el derecho a la autodeterminación del pueblo saharaui en el marco de la Carta y de las resoluciones pertinentes de Naciones Unidas. Reiteran a este respecto su apoyo decidido a los esfuerzos del Representante Personal del Secretario General de Naciones Unidas para el Sahara Occidental, Sr. Christopher Ross, y reafirman su compromiso para contribuir al trabajo realizado por el Secretario General de la ONU, de su Enviado especial y de la Minurso.

III. O QUE O GOVERNO ESPANHOL DISSE EM RABAT A 18 DE JULHO DE 2013
Isto foi o que disse o Governo Espanhol em Rabat a 18 de julho de 2013 sobre o Sahara Ocidental:

España ha reiterado su apoyo a los esfuerzos desplegados en el marco de Naciones Unidas para alcanzar una solución política justa, duradera y mutuamente aceptable a la cuestión del Sahara Occidental, de conformidad con los parámetros definidos por el Consejo de Seguridad.

Advirta-se que, no texto publicado pelo Ministério de Negócios Estrangeiros marroquino há uma divergência terminológica IMPORTANTE.
Enquanto o comunicado do Ministério marroquino fala de “Sahara” sem mais nada (denominação que não corresponde a nenhuma entidade política), o comunicado espanhol fala de “Sahara Ocidental”.

IV. O GOVERNO ESPANHOL NÃO DISSE O MESMO EM RABAT, EM ARGEL… OU EM MADRID
Comprovemos as diferenças do discurso.

1) O Governo Espanhol não disse o mesmo sobre a AUTODETERMINAÇÃO DO POVO SAHARAUI

Enquanto em Madrid e em Argel o Governo defende:
- “uma solução política justa, definitiva e mutuamente aceitável, que consagre o direito à autodeterminação do povo saharaui” (Argel, 2013)
- “uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável que preveja a livre determinação do povo do Sahara Ocidental” (Madrid, Congresso dos Deputados, 2012).

Em Rabat omite toda e qualquer referência à “autodeterminação” ou ao “povo” do Sahara Ocidental:
- “uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável para a questão do Sahara Ocidental” (Rabat, 2013).

2) O Governo não disse o mesmo sobre a DOUTRINA DAS NAÇÕES UNIDAS sobre o Sahara Ocidental.

Enquanto em Madrid e em Argel o Governo defende a doutrina das Nações Unidas que compreende, como não poderia deixar de ser, as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas (órgão competente em matéria de descolonização) e do Tribunal Internacional de Justiça:
- “Espanha apoia uma solução (…) no marco das disposições conformes aos princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas” (Madrid, Congresso dos Deputados, 2012).
- “as duas partes reafirmam o seu apoio aos esforços das Nações Unidas para uma solução (…) (…) no marco da Carta e das resoluções pertinentes das Nações Unidas“ (Argel, 2013).

3) O Governo não disse o mesmo sobre o Enviado Pessoal do Secretário-Geral da ONU, Christopher Ross:

- “as duas partes (…) Reiteram a este respeito o seu apoio decidido aos esforços do Representante Pessoal do Secretário-Geral das Nações Unidas para o Sahara Ocidental, Sr. Christopher Ross, e reafirmam o seu compromisso para contribuir para o trabalho realizado pelo Secretário-Geral da ONU, do seu Enviado especial e da Minurso“ (Argel, 2013).
- Nenhuma referência a Ross, nem à MINURSO em Rabat, 2013.
 
Garcia-Margallo no Parlamento espanhol


Creio que os dados falam por si mesmos.
À luz dos mesmos, fica para mim claro que o ministro García-Margallo:
- mentiu aos representantes do povo espanhol no Parlamento (Congresso dos Deputados e Senado)
- mentiu à opinião pública com as suas declarações aos meios de comunicação social.

Pelo que foi provado, considero que o ministro, numa democracia constitucional seria, ou deveria ser imediatamente destituído.

Fonte: Desde el Atlántico / Por Carlos Ruiz Miguel*


*Catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Santiago de Compostela desde 2001. 

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