A chamada “declaração conjunta” hispano-marroquina datada de
18 de julho revela que o ministro García-Margallo mentiu (novamente) em relação
ao Sahara Ocidental. Ainda que o ministro não se canse de dizer que “em Rabat e
em Argel” o Governo tem a mesma posição, um simples cotejo de declarações mostra
que é falso. Mais, a posição exposta unilateralmente por Espanha nesta declaração
tão pouco coincide (para variar) com o que o ministro afirmou ante o Congresso
dos Deputados.
I. O QUE DIZ O
MINISTRO GARCÍA-MARGALLO EM 2012 E 2013
- Declarações de García-Margallo recolhidas pela agência
Europa Press a 17 de julho de 2013:
Questionada sobre se o conflito do Sahara está na agenda desta
visita, García-Margallo avançou que esta questão estará presente na declaração conjunta
que será tornada pública pelos dois países por ocasião da visita do Rei Juan
Carlos. Neste comunicado, afirmou, será refletida a posição que Espanha defendeu
em Marrocos e Argélia e que advoga “uma solução estável, pacífica e justa” de
acordo com “os parâmetros da ONU”.
- Comparência do ministro ante a Comissão de Assuntos
Exteriores do Congresso a 20 de setembro de 2012:
Para evitar equívocos, por lo que se refiere al fondo del
conflicto, repito que la posición española, que expuse aquí, en Rabat y en
Argel, sobre el Sáhara Occidental es la siguiente. España apoya una solución
política justa, duradera y mutuamente aceptable que prevea la libre
determinación del pueblo del Sáhara Occidental en el marco de las disposiciones
conformes a los principios y propósitos de la Carta de Naciones Unidas.
- Comparência do ministro García-Margallo ante a Comissão de
Assuntos Exteriores do Senado a 7 de março de 2012:
En el tema del Sáhara, y aprovecho para hacer una alusión
al señor Anasagasti, la postura del Gobierno es absolutamente clara e insisto
en que hemos manifestado lo mismo en Rabat y en Argel.
II. O QUE O GOVERNO
ESPANHOL DISSE EM ARGEL A 10 DE JANEIRO DE 2013
O Presidente do Governo, Mariano Rajoy, acompanhado do seu
ministro de Exteriores, García-Margallo, viajou a Argel no marco da Quinta
reunião de Alto Nível entre ambos os países.
Os dois governos firmaram uma “declaração comum” a 10 de janeiro
de 2013.
É inútil procurar em qualquer página oficial do Governo Espanhol
ou do Ministério de Assuntos Exteriores o texto dessa declaração. Há que
acorrer a fontes argelinas para encontrar o texto em francês ou em espanhol.
Nessa declaração diz-se sobre o Sahara Ocidental:
46. Tratándose de la cuestión del Sahara Occidental, las
dos partes reafirman su apoyo a los esfuerzos de Naciones Unidas para una
solución política justa, definitiva y mutuamente aceptable, que consagre el
derecho a la autodeterminación del pueblo saharaui en el marco de la Carta y de
las resoluciones pertinentes de Naciones Unidas. Reiteran a este respecto su
apoyo decidido a los esfuerzos del Representante Personal del Secretario
General de Naciones Unidas para el Sahara Occidental, Sr. Christopher Ross, y
reafirman su compromiso para contribuir al trabajo realizado por el Secretario
General de la ONU, de su Enviado especial y de la Minurso.
III. O QUE O GOVERNO
ESPANHOL DISSE EM RABAT A 18 DE JULHO DE 2013
Isto foi o que disse o Governo Espanhol em Rabat a 18 de julho
de 2013 sobre o Sahara Ocidental:
España ha reiterado su apoyo a los esfuerzos desplegados
en el marco de Naciones Unidas para alcanzar una solución política justa,
duradera y mutuamente aceptable a la cuestión del Sahara Occidental, de
conformidad con los parámetros definidos por el Consejo de Seguridad.
Advirta-se que, no texto publicado pelo Ministério de Negócios
Estrangeiros marroquino há uma divergência terminológica IMPORTANTE.
Enquanto o comunicado do Ministério marroquino fala de “Sahara” sem
mais nada (denominação que não corresponde a nenhuma entidade política), o
comunicado espanhol fala de “Sahara Ocidental”.
IV. O GOVERNO ESPANHOL
NÃO DISSE O MESMO EM RABAT, EM ARGEL… OU EM MADRID
Comprovemos as diferenças do discurso.
1) O Governo Espanhol não disse o mesmo sobre a
AUTODETERMINAÇÃO DO POVO SAHARAUI
Enquanto em Madrid e em Argel o Governo defende:
- “uma solução política
justa, definitiva e mutuamente aceitável, que consagre o direito à autodeterminação
do povo saharaui” (Argel, 2013)
- “uma solução política
justa, duradoura e mutuamente aceitável que preveja a livre determinação do povo
do Sahara Ocidental” (Madrid, Congresso dos Deputados, 2012).
Em Rabat omite toda e qualquer referência à “autodeterminação”
ou ao “povo” do Sahara Ocidental:
- “uma solução política
justa, duradoura e mutuamente aceitável para a questão do Sahara Ocidental”
(Rabat, 2013).
2) O Governo não disse o mesmo sobre a DOUTRINA DAS NAÇÕES UNIDAS
sobre o Sahara Ocidental.
Enquanto em Madrid e em Argel o Governo defende a doutrina das
Nações Unidas que compreende, como não poderia deixar de ser, as resoluções da
Assembleia Geral das Nações Unidas (órgão competente em matéria de descolonização)
e do Tribunal Internacional de Justiça:
- “Espanha apoia uma
solução (…) no marco das disposições conformes aos princípios e propósitos da
Carta das Nações Unidas” (Madrid, Congresso dos Deputados, 2012).
- “as duas partes
reafirmam o seu apoio aos esforços das Nações Unidas para uma solução (…) (…) no
marco da Carta e das resoluções pertinentes das Nações Unidas“ (Argel,
2013).
3) O Governo não disse o mesmo sobre o Enviado Pessoal do
Secretário-Geral da ONU, Christopher Ross:
- “as duas partes (…)
Reiteram a este respeito o seu apoio decidido aos esforços do Representante Pessoal
do Secretário-Geral das Nações Unidas para o Sahara Ocidental, Sr. Christopher
Ross, e reafirmam o seu compromisso para contribuir para o trabalho realizado pelo
Secretário-Geral da ONU, do seu Enviado especial e da Minurso“ (Argel,
2013).
- Nenhuma referência a Ross, nem à MINURSO em Rabat, 2013.
Creio que os dados falam por si mesmos.
À luz dos mesmos, fica para mim claro que o ministro
García-Margallo:
- mentiu aos representantes do povo espanhol no Parlamento
(Congresso dos Deputados e Senado)
- mentiu à opinião pública com as suas declarações aos meios
de comunicação social.
Pelo que foi provado, considero que o ministro, numa democracia
constitucional seria, ou deveria ser imediatamente destituído.
Fonte: Desde el Atlántico / Por Carlos Ruiz Miguel*
*Catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Santiago
de Compostela desde 2001.
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