A viagem do Rei a Marrocos concluiu com um rotundo fracasso
político e com indícios de que o Rei de Espanha violou a Constituição Espanhola.
Corifeus do lobby pro-marroquino, propagandista e, em elevada proporção,
ignorantes e indocumentados não cessaram de repetir-nos que a viagem foi um grande
“êxito”. A realidade, no entanto, é outra. Lástima que a imensa maioria dos meios
espanhóis o ocultem. Paradoxalmente, há que acorrer a fontes marroquinas para
conhecer uma realidade que lobby, propagandistas e, em elevada proporção,
ignorantes e indocumentados ocultam à opinião pública espanhola.
I. UMA VIAGEM POLITICAMENTE
FRACASSADA
Afirmei-o
aqui a 17 de julho: nenhuma das razões alegadas publicamente para
justificar esta absurda viagem apresentam sustentação. O suposto motivo
económico da viagem não só não tem base, com é um puro sarcasmo quando se comprova
que entre os representantes de empresas que o Governo espanhol “convidou” a fazerem-se
representar no séquito real se encontram duas que sofreram na carne e nos seus
balanços perdas provocadas pela arbitrariedade e a corrupção que reinam em Marrocos:
ACS (sucessora da Dragados) e a Telefónica.
Para fazer um balanço político da viagem do Rei e cinco
ministros do Governo Espanhol a Marrocos convém ler o COMUNICADO
CONJUNTO divulgado no dia 16 de julho. Para conhecer o comunicado há que acorrer
à página do Ministério de Negócios Estrangeiros marroquino porque resulta que ele
não aparece (ou pelo menos eu não o encontrei) na página do Ministério Espanhol.
Não deixa de ser chamativo que a página web de um país terceiromundista
publique o comunicado… e a página do interlocutor europeu não o tenha publicado
… ou é a ocultação deliberada à imprensa espanhola, esperando publicar o fiasco
quando a visita já não for notícia e não vier já a ser tratada em qualquer
jornal?
Pois bem, a leitura do comunicado conjunto revela que nesta
visita só houve fumo. Dela apenas resulta um novo acordo que tão pouco tem algum
conteúdo: a assinatura entre as confederações patronais espanhola e marroquina
de um “acordo que prevê a criação no futuro
de um comité que tenha por objetivo aumentar os projetos comuns“. Ou seja,
um “bluff”.
Mas a extensão máxima do fracasso é dada pela questão do Sahara
Ocidental, tanto na sua dimensão política como económica (acordo de pesca da UE
com Marrocos sobre as águas do Sahara Ocidental).
O parágrafo da declaração conjunta prévio ao parágrafo que fala
do Sahara Ocidental começa assim: “as duas partes demonstraram uma grande
convergência de pontos de vista sobre questões de interesse comum, em
particular a situação no Médio Oriente... ".
No entanto, o parágrafo sobre a questão política do Sahara
Ocidental diz:
Espanha reiterou o seu
apoio aos esforços desenvolvidos no âmbito das Nações Unidas para alcançar um
acordo político justo, duradouro e uma solução mutuamente aceitável para a
questão do Sahara, de acordo com os parâmetros definidos pelo Conselho de
Segurança
Algo semelhante acontece com a questão do acordo de pesca:
Fiel à sua política, a Espanha continua a
apoiar Marrocos ... em direção a um novo acordo de pesca no menor prazo
possível
Note-se que estes parágrafos sobre o Sahara Ocidental (que é
chamado de "Sahara" privando-o do seu nome oficial) contêm uma
declaração UNILATERAL de Espanha. É lamentável que haja que acorrer à imprensa
digital marroquina para saber mais sobre isso, já que quase nenhum órgão de
informação espanhol é capaz de dar informações em vez de propaganda quando se
trata de Marrocos. Apenas Natalia
Junquera, no El País, dá nota essa discordância.
Onde está então o sucesso da viagem e dos esforços desenvolvidos
pelo rei e de CINCO ministros?
Nem a propósito, no dia que terminou a visita do Rei, as
autoridades marroquinas permitiram uma avalanche a um posto fronteiriço entre
Espanha e Marrocos, em Melilha, que obrigou a polícia espanhola a disparar
tiros para o ar.
II. O REI DE ESPANHA FAZ
POLÍTICA EXTERIOR VIOLANDO A CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA
Pode-se pois considerar dentro do normal que um sujeito como
García-Margallo (de que ainda está fresco na memória o seu último fiasco com a Bolívia)
“esteja
encantado” com a viagem do Rei de Espanha a Marrocos.
Mas convém recordar ao nosso Ministro de Negócios
Estrangeiros que para tomar posse do cargo que, com tanto desacerto ocupa, teve
que jurar cumprir a Constituição Espanhola de que vou recordar alguns artigos
que o afetam diretamente:
- artigo 97: “O Governo dirige a política interior e
exterior, …”
- artigo 64.1: “Os atos do Rei serão referendados pelo
Presidente do Governo e, em cada caso, pelos Ministros competentes”
Há também que consultar a página web do Ministério de Negócios
Estrangeiros marroquino para conhecer um comunicado de 16 de julho que informa
que o Rei de Marrocos e o Rei de Espanha tiveram uma entrevista A SÓS durante a
qual “procederam a um amplo intercâmbio
de pontos de vista sobre as principais questões regionais e internacionais de
interesse comum“.
Vejamos se alguns enfim aprendem.
O Rei de Marrocos, como monarca absoluto que é, não é apenas
Chefe de Estado. É também o verdadeiro Chefe de Governo. Afirmei-o neste blog no
início do mandato do governo de Rajoy: para falar de política, o homólogo de
Mohamed VI é Rajoy.
O Rei de Espanha NÃO PODE FAZER POLÍTICA EXTERIOR. Isso é inconstitucional.
E além disso, a sua presença em qualquer ato ou encontro que possa ter caráter
político DEVE ESTAR REFERENDADO COM A PRESENÇA DE UM MINISTRO. A acreditar no
que diz o comunicado do Ministério de Exteriores marroquino, o Rei de Espanha NÃO
ESTEVE ACOMPANHADO DE NENHUM MINISTRO ESPANHOL NA SUA ENTREVISTA COM MOHAMED VI
EM QUE SE TRATOU DE POLÍTICA EXTERIOR ESPANHOLA.
Se o Rei de Espanha, 35 anos depois de a ter promulgado não
conhece a Constituição … ou o que é pior, a viola conscientemente, talvez seja o
momento de as Cortes o considerarem inapto para desempenhar o seu cargo.
Fonte: Desde el Atlántico / Por Carlos Ruiz Miguel*
*Catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Santiago
de Compostela desde 2001.
Sem comentários:
Enviar um comentário