quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Sahara Ocidental, um povo ignorado

 

Eduardo Fungairiño — Colaborador da Liga Española Pro Derechos Humanos, publica hoje no diário espanhol La Razon, um alerta para aquilo que poderá ser não só uma ilegalidade, como a consumação de uma verdadeira espoliação colonial: o Acordo de Pescas EU-Marrocos

Na primeira quinzena de dezembro, o Parlamento Europeu pronunciar-se-á sobre a ratificação do Protocolo de Acordo Pesqueiro entre a União Europeia e Marrocos, protocolo que foi firmado em Rabat a 24 de julho de 2013 pela comissária da Pesca, Maria Damanaki, e o ministro marroquino da Pesca, Aziz Ajanuch. Chega-se a este acordo depois de o próprio Parlamento Europeu, a 13 de dezembro de 2011, ter rejeitado o acordo anterior. Entre as razões da rejeição, destacava então a falta de garantias para a população saharaui, detentora das águas do Sahara Ocidental, ilegalmente ocupadas e exploradas por Marrocos, a última potência colonial em África.

As águas saharauis foram qualificadas na ocasião como águas marroquinas pelo presidente Rodríguez Zapatero (PSOE), como o foram também agora pelo ministro Arias Cañete (PP), para quem o Sahara e os saharauis não existem, já que, recentemente, se referiu em Bruxelas às populações costeiras e aos habitantes que vivem ao sul de Agadir («Agrosfera», TVE 2, 26/10/2013). Tais águas são as que se estendem desde o paralelo 27º 40' N (fronteira com a nossa antiga colónia de Cabo Juby, a atual Tarfaya) até ao paralelo 21º 09' N (Cabo Branco); até um limite de 12 milhas náuticas (águas territoriais) ou de 200 milhas náuticas (Zona Económica Exclusiva).



Como foi dito repetidas vezes, a ocupação ilegal do Sahara Ocidental por Marrocos (descaradamente tutelada pela França, e não reconhecida por nenhum dos Estados que formam parte das Nações Unidas) não se relaciona apenas com os direitos humanos pessoais dos habitantes saharauis. Tem também a ver com os bens materiais e coletivos de que são titulares. Segundo o art.º 73 da Carta das Nações Unidas os interesses – políticos, económicos, sociais e educativos – dos territórios cujos povos não tenham alcançado a plenitude do governo próprio estão por cima de todo um sistema de paz e de segurança internacional.

O Sahara Ocidental também está abrangido pela Resolução 1803 (XVII), de 14 de dezembro de 1962 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que se refere à soberania permanente sobre os recursos naturais; e pelo art.º 1.2 do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, elaborado em Nova Iorque a 19 de dezembro de 1966, segundo o qual todos os povos podem dispor livremente das suas riquezas e recursos naturais sem que, em nenhum caso, se possa privar um povo dos seus próprios meios de subsistência.

Ou seja, a União Europeia pode cometer uma ilegalidade se acorda com Marrocos a repartição ou a gestão de bens que não são seus — as pescas saharianas —, já que estas se encontram em águas de um território que está sujeito a descolonização e pendente da realização de um referendo sobre a sua independência. E o que é pior ainda, sem consultar a população saharaui, que é a titular das ditas pescas.



Os que apoiam a ratificação do acordo pesqueiro euro-marroquino defendem que o mesmo salvaguarda os Direitos Humanos e os interesses económicos da população saharaui. Isso dias depois das Forças de Segurança marroquinas (que necessitaram de reforços trazidos de Marrocos) terem dispersado à bastonada e com bombas de gás lacrimogéneo manifestações de saharauis durante a visita a El Aaiún de Christopher Ross, o enviado pessoal do secretário-geral das Nações Unidas. Com um saldo de feridos, detenções arbitrárias e invasões domiciliárias injustificados, não só em El Aaiún, mas também em Smara e em Dakhla (a antiga Villa Cisneros). Dizer que se respeitam os Direitos Humanos, quando se impedem os direitos mínimos de manifestação, deslocação, liberdade e integridade física é não conhecer a realidade da vida no Sahara ocupado. Para isso contribuí seguramente o nulo interesse da imprensa, radio e televisão do nosso país (e do resto da Europa) sobre os sofrimentos de uma população submetida por uma potência colonial que só aspira a poder expressar a sua opinião sobre a autodeterminação seguindo o mandato das Nações Unidas.

Chama a atenção que em todo o articulado do Protocolo não apareça a mínima referência ao Sahara ou aos saharauis. No art.º 2 parágrafo quarto, no art.º 4.2 e no art.º 4.4 fala-se da zona de pesca marroquina; e no art.º 5.1 faz-se referência aos recursos pesqueiros marroquinos. Nada se diz sobre o limite meridional das águas marroquinas, o referido paralelo 27º 40', nem das consequências jurídicas derivadas da ilegalidade da apropriação das águas ao sul do referido meridiano. Não se estabelece que montante da contrapartida financeira que a UE terá que satisfazer (40 milhões de Euros anuais), deveria ser destinado à população saharaui (que não foi consultada na elaboração do Protocolo), com que critérios e mediante que controlos sobre o seu destino final. Para a Comissão Europeia o Sahara e os saharauis não existem.

Se o Protocolo for ratificado pelo Parlamento, consumar-se-á uma espoliação colonial, precisamente quando a Assembleia Geral convida todos os governos e organizações do sistema das Nações Unidas a que adotem todas as medidas possíveis para garantir que se respeite e proteja plenamente a soberania permanente dos povos dos Territórios Não Autónomos e os seus recursos naturais, em conformidade com as resoluções das Nações Unidas relativas à descolonização.

Seria lamentável que a União Europeia, no que diz respeito às populações dos territórios invadidos e submetidos a um  regime colonial, prosseguisse um rumo diferente daquele que traçam as resoluções das Nações Unidas


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