Eduardo
Fungairiño — Colaborador da Liga Española Pro Derechos Humanos, publica
hoje no diário espanhol La Razon, um alerta para aquilo que poderá ser não só
uma ilegalidade, como a consumação de uma verdadeira espoliação colonial: o
Acordo de Pescas EU-Marrocos
Na primeira quinzena de dezembro, o Parlamento Europeu pronunciar-se-á
sobre a ratificação do Protocolo de Acordo Pesqueiro entre a União Europeia e
Marrocos, protocolo que foi firmado em Rabat a 24 de julho de 2013 pela comissária
da Pesca, Maria Damanaki, e o ministro marroquino da Pesca, Aziz Ajanuch. Chega-se
a este acordo depois de o próprio Parlamento Europeu, a 13 de dezembro de 2011,
ter rejeitado o acordo anterior. Entre as razões da rejeição, destacava então a
falta de garantias para a população saharaui, detentora das águas do Sahara
Ocidental, ilegalmente ocupadas e exploradas por Marrocos, a última potência
colonial em África.
As águas saharauis foram qualificadas na ocasião como águas
marroquinas pelo presidente Rodríguez Zapatero (PSOE), como o foram também agora
pelo ministro Arias Cañete (PP), para quem o Sahara e os saharauis não existem,
já que, recentemente, se referiu em Bruxelas às populações costeiras e aos
habitantes que vivem ao sul de Agadir («Agrosfera», TVE 2, 26/10/2013). Tais águas
são as que se estendem desde o paralelo 27º 40' N (fronteira com a nossa antiga
colónia de Cabo Juby, a atual Tarfaya) até ao paralelo 21º 09' N (Cabo Branco);
até um limite de 12 milhas náuticas (águas territoriais) ou de 200 milhas
náuticas (Zona Económica Exclusiva).
Como foi dito repetidas vezes, a ocupação ilegal do Sahara
Ocidental por Marrocos (descaradamente tutelada pela França, e não reconhecida por
nenhum dos Estados que formam parte das Nações Unidas) não se relaciona apenas
com os direitos humanos pessoais dos habitantes saharauis. Tem também a ver com
os bens materiais e coletivos de que são titulares. Segundo o art.º 73 da Carta
das Nações Unidas os interesses – políticos, económicos, sociais e educativos –
dos territórios cujos povos não tenham alcançado a plenitude do governo próprio
estão por cima de todo um sistema de paz e de segurança internacional.
O Sahara Ocidental também está abrangido pela Resolução 1803
(XVII), de 14 de dezembro de 1962 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que se
refere à soberania permanente sobre os recursos naturais; e pelo art.º 1.2 do
Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, elaborado em Nova
Iorque a 19 de dezembro de 1966, segundo o qual todos os povos podem dispor livremente
das suas riquezas e recursos naturais sem que, em nenhum caso, se possa privar
um povo dos seus próprios meios de subsistência.
Ou seja, a União Europeia pode cometer uma ilegalidade se acorda
com Marrocos a repartição ou a gestão de bens que não são seus — as pescas saharianas
—, já que estas se encontram em águas de um território que está sujeito a
descolonização e pendente da realização de um referendo sobre a sua independência.
E o que é pior ainda, sem consultar a população saharaui, que é a titular das ditas
pescas.
Os que apoiam a ratificação do acordo pesqueiro euro-marroquino
defendem que o mesmo salvaguarda os Direitos Humanos e os interesses económicos
da população saharaui. Isso dias depois das Forças de Segurança marroquinas (que
necessitaram de reforços trazidos de Marrocos) terem dispersado à bastonada e
com bombas de gás lacrimogéneo manifestações de saharauis durante a visita a El
Aaiún de Christopher Ross, o enviado pessoal do secretário-geral das Nações Unidas.
Com um saldo de feridos, detenções arbitrárias e invasões domiciliárias injustificados,
não só em El Aaiún, mas também em Smara e em Dakhla (a antiga Villa Cisneros).
Dizer que se respeitam os Direitos Humanos, quando se impedem os direitos mínimos
de manifestação, deslocação, liberdade e integridade física é não conhecer a realidade
da vida no Sahara ocupado. Para isso contribuí seguramente o nulo interesse da imprensa,
radio e televisão do nosso país (e do resto da Europa) sobre os sofrimentos de
uma população submetida por uma potência colonial que só aspira a poder expressar
a sua opinião sobre a autodeterminação seguindo o mandato das Nações Unidas.
Chama a atenção que em todo o articulado do Protocolo não
apareça a mínima referência ao Sahara ou aos saharauis. No art.º 2 parágrafo quarto,
no art.º 4.2 e no art.º 4.4 fala-se da zona de pesca marroquina; e no art.º 5.1
faz-se referência aos recursos pesqueiros marroquinos. Nada se diz sobre o limite
meridional das águas marroquinas, o referido paralelo 27º 40', nem das consequências
jurídicas derivadas da ilegalidade da apropriação das águas ao sul do referido meridiano.
Não se estabelece que montante da contrapartida financeira que a UE terá que satisfazer
(40 milhões de Euros anuais), deveria ser destinado à população saharaui (que não
foi consultada na elaboração do Protocolo), com que critérios e mediante que
controlos sobre o seu destino final. Para a Comissão Europeia o Sahara e os saharauis
não existem.
Se o Protocolo for ratificado pelo Parlamento, consumar-se-á
uma espoliação colonial, precisamente quando a Assembleia Geral convida todos os
governos e organizações do sistema das Nações Unidas a que adotem todas as
medidas possíveis para garantir que se respeite e proteja plenamente a soberania
permanente dos povos dos Territórios Não Autónomos e os seus recursos naturais,
em conformidade com as resoluções das Nações Unidas relativas à descolonização.
Seria lamentável que a União Europeia, no que diz respeito
às populações dos territórios invadidos e submetidos a um regime colonial, prosseguisse um rumo diferente
daquele que traçam as resoluções das Nações Unidas
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