Entrevista a Omar Radi, militante da ATTAC/CADTM Maroc,
jornalista do semanário marroquino TelQuel
Os deputados
marroquinos aprovaram o orçamento 2014. O que representa este orçamento para a
população marroquina?
O projeto de orçamento 2014 inscreve-se na continuidade das
leis de finanças anteriores. Ataca o nível de vida da maioria dos marroquinos, ao
seu poder de compra (por exemplo através do aumento do IVA de 7 para 10% e de
14 para 20%, incluindo os produtos de primeira necessidade) ao mesmo tempo que
concede novos incentivos fiscais aos empresários - em torno dos 30 mil milhões de dirhams (2,67
mil milhões de euros). O orçamento do Palácio Real teve um novo aumento. O reu
custa à população marroquina cerca de 700 000 euros por dia. Os orçamentos da Defesa,
do ministério do Interior e dos Serviços de Informações continuam a ser dos
mais elevados, e esperamos um aumento no orçamento da Defesa, já que as armas continua
a ser a prioridade número um do Estado marroquino, enquanto os hospitais estão
mal equipados, e há apenas um lugar na Universidade para cada quatro estudantes...
Estamos numa dinâmica de austeridade semelhante à da Europa.
Confirma que o projeto
do TGV Casablanca-Tanger tem sido alvo de muitas contestações? E que existem
outros « grandes projetos inúteis e impostos» a Marrocos ?
Em 2007, como Marrocos contava com o apoio da França face à
Argélia sobre a questão do Sahara no seio do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, o rei firmou um acordo com a França, durante uma visita de Sarkozy a Marrocos,
para a construção da linha TGV exclusivamente por grupos franceses. As multinacionais
que beneficiam com o projeto são a Alstom e a SNCF. E sem que haja concurso
internacional, conforme exigido pela legislação e as regras de concorrência
europeias. Isso levou o BEI (Banco Europeu de Investimento), então sob
presidência alemã, a negar um empréstimo ao Marrocos para a compra de combóios de
alta velocidade, a Alemanha e a sua empresa nacional Siemens também querem vender
TGVs. ..
O governo e o parlamento marroquino não foram consultados, o
que causou grande descontentamento. A oposição ao TGV tornou-se num apelo a um
debate nacional. Casablanca-Tânger é o trajeto mais coberto por estradas, já
existe uma linha férrea, enquanto algumas áreas não são servidas nem estrada bem
por comboio . Por exemplo, enquanto nós contestávamos o TGV , 70 pessoas
morreram num acidente numa estrada perigosa de montanha entre Marraquexe e
Ouarzazate. Há mais de 10 anos, que os habitantes vêm pedindo um túnel para
tornar o tráfego mais seguro. Este escândalo não pôs em xeque o projeto TGV cujo
dinheiro poderia ser usado para instalações de maior prioridade. A vida de um
marroquino não tem nenhum valor para o Estado e aqueles que decidem. Até à
data, estamos perante um facto consumado: os carris estão no lugar e 50 % do obra
está feita. Vai custar cerca de 5 mil milhões de euros ou seja, por comparação,
900 universidades.
Se a linha Casablanca-Tânger é emblemática do "grandes
projetos desnecessários e impostos", também podemos mencionar o projeto da
central solar de Ouarzazate no quadro da Desertec (que visa aproveitar o
potencial das energia renováveis dos países do Médio Oriente e Norte da África
para cobrir as necessidades de eletricidade da Europa), onde o governo
marroquino se endividou bastante. A energia solar destina-se a exportação e não
a uso local. O projeto tem todo o ar de se poder tornar um «elefante branco». A
questão de oportunidades não é clara (quais serão ao países compradores? A que preço).
Além disso, estas centrais de energia solar necessitam ser resfriadoe e para
isso será utilizada a água subterrânea de Ouarzazate, já muito rara. Isso
prenuncia um desastre ecológico na região que o Estado está tentando esconder.
Qual é o estado da
resistência hoje? O movimento de 20 de fevereiro continua ativo?
O movimento 20 de fevereiro enfraqueceu, foi praticamente dissolvido,
por várias razões. A repressão policial e a prisão de ativistas quebrou o
movimento. O regime aplica uma estratégia seletiva e cerca de 200 pessoas, os
dirigentes do do movimento, estão na prisão. Os Media escondem a realidade da
opinião pública marroquina e não transmitiu ou divulgou as ações do 20F. Ao
mesmo tempo, o movimento sofria de contradições internas, conflitos entre as
diversas componentes, até mesmo a autocensura - às vezes gostaríamos de ter ido
mais longe no braço-de-ferro com o regime - e, finalmente, a ausência de alternativas:
expressa-se raiva, mas não se formulam nenhumas alternativas reais, soluções
concretas, face ao regime político vigente.
Depois de três anos agitados, estamos num período de
paz-podre. As pessoas sentem-se exaustas, há poucas motivações. Surgem lutas
sociais esporádicas e esparsas: a luta pela libertação dos presos, os
trabalhadores realizam greves, subsiste um movimento de «ocupas», as lutas dos licenciados
desempregados, as lutas das mulheres contra o microcrédito. Há apelos à mobilização,
para construir algo e fazer um balanço dos pontos fortes e fracos do movimento.
Estamos um pouco "em ponto morto", as pessoas tentam recuperar forças.
Nota
(1) O movimento do 20 de fevereiro nasceu em fevereiro de
2011, na esteira da Primavera Árabe, depois da fuga do tunisino Ben Ali e da
deposição de Mubarak no Egito.
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