domingo, 2 de março de 2014

Mau momento para Marrocos




Pode ser que a independência do Sahara Ocidental não seja uma questão para a próxima semana. Mas o que se está a passar com Marrocos é algo, verdadeiramente, dramático. Nunca, antes, Marrocos, tinha passado por tão maus momentos na questão do Sahara Ocidental.
A intenção dos EUA de apresentar ao Conselho de Segurança uma Proposta para a ampliação do mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), colocou Marrocos na posição de um Estado pária.

Recordemos os factos:

Os EUA apresentam uma proposta de Resolução do Conselho de Segurança que inclui uma coisa tão normal como a MINURSO se ocupar da supervisão dos Direitos Humanos. E que posição adotou Marrocos, na altura? A pior.

Para chumbar a proposta, Marrocos teve que empregar todos os seus recursos, incluindo uma viagem do rei, desenhando o pior panorama possível: "comparecer perante o mundo como um adversário do monitoramento dos Direitos Humanos em qualquer parte do mundo."

Muitos chefes de Estado viajam até Washington e a outros lugares para assinar acordos comerciais, aprovar Tratados, ou mesmo a assistir a funerais de personalidades da estatura de Nelson Mandela. Mas fazer uma viagem real, com a única finalidade de se opor à supervisão de Direitos Humanos, “merece um Prémio”…

Certamente, essa imagem tem um custo. E esse custo é o que está pagando Marrocos. O problema do Palácio Real marroquino é que não calculou bem que essa eventualidade – a proposta dos EUA – é uma eventualidade cíclica. Ou seja, todos os meses de abril, esse fantasma volta a pairar sob os céus da ONU. E, consequentemente, resulta fatal para a imagem de Marrocos organizar uma viagem real a Washington, cada mês de abril, com o único propósito de fazer oposição a supervisão de Direitos Humanos, Uma autêntica espada de Dâmocles real que é difícil de vencer.

A esse fantasma que sobrevoa, ciclicamente, os céus da ONU, veio juntar-se outro fantasma que, desta vez, sobrevoa os céus do norte da Europa. O possível reconhecimento da República Saharaui por Estados tão sérios como os do norte da Europa.

Ante este letal panorama, Marrocos esboçou uma estratégia que, ao que parece, está a resultar num fracasso em toda a linha. Vejamos.

UM.- Consciente de que no tema dos Direitos Humanos vai acabar por ceder, a menos que queira arrastar a altiva França à categoria de Estados párias, agora quer evitar o choque frontal e empregar uma política de alianças internacionais que, eventualmente, possam preencher o vazio deixado pela França. Ou, na linguagem de um embaixador francês, para suprir os carinhos de cama de que a França já não tem vontade.

DOIS.- Com esse objetivo, ou seja, para travar relações internacionais sólidas, Marrocos acaba de dar-se conta de algo que nunca devia ter esquecido: o seu lugar natural não são as monarquias do Golfo, nem a União Europeia, mas África. Ciente disso, Marrocos iniciou uma frenética atividade diplomática, com o intuito de a) retirar reconhecimentos à RASD e b) obter apoio na África, seu lugar natural.

Para retirar reconhecimentos à RASD, Marrocos, não teve outra escolha que aliar-se ao submundo internacional, com os consequentes custos para a sua imagem. Basta olhar para a lista de países que retiraram o seu reconhecimento para comprovar que o denominador comum em todos eles é drogas, corrupção e Estados falidos. É aí, nesses Estados que exibem um qualquer desses três elementos, que Marrocos obtém êxitos. A pouco honrosa posição no ranking mundial de produção de cannabis que ocupa Marrocos é um bom argumento e também uma boa maneira de se relacionar com o submundo internacional.

TRÊS.- Consciente de que tanto nos EUA, como na Europa, começa a perder influência, Marrocos, decide embarcar para África. Daí o tema repetido muito ultimamente em Rabat: "ganhar de volta África e regressar à União Africana." E, para isso, nada melhor do que uma viagem do rei por África. Um passeio com duas visitas oficiais do Estado (Mali e  Guiné Conacri) e duas visitas normais (Costa do Marfim e Gabão). O que acontece é que os resultados, até agora, são um fracasso de grandes dimensões.

No Mali, as coisas correram tão mal que, inclusive, certa imprensa marroquina se pergunta qual o resultado obtido, se nem mesmo a declaração conjunta final se refere à tão desejada alusão ao plano de autonomia marroquino?

Quanto à Guiné Conacri, o assunto roça a gargalhada. Enquanto toda a África se reunia na Nigéria, com a própria presença de François Hollande e também do Presidente saharaui, Marrocos tem que mendigar que, pelo menos, algum porteiro ou contínuo se dignasse receber o seu Rei em Conacri, já que o chefe de Estado e o seu governo tinham ido para a Nigéria, onde se estavam de facto a passar coisas, deixando Mohamed VI e a sua comitiva, de 600 acompanhantes, esperando no país vizinho. Agora, parece que procuram espaço numa próxima oportunidade, entre segunda-feira ou quarta-feira, porque o presidente da Guiné Conacri tem outro compromisso no Gana, na próxima semana.

QUATRO.- Como se faltasse algum ingrediente, enquanto o Rei está de safari em África (a julgar pelos seus resultados, em vez de visitas de Estado podemos catalogá-las de safaris), eis que ocorre a maior crise nas relações franco-marroquinas desde a independência. A invisibilidade do Rei nesta crise e a sua resistência em intervir, levam a pensar que acima de todas as considerações, Marrocos está convencido de que, na Europa e nos EUA, resta-lhe pouco tempo e que é em África, que tem que lutar.
E um dado final: ontem mesmo, o Departamento de Estado dos EUA divulgou o seu relatório anual sobre a situação dos Direitos Humanos no mundo. Relatório em que, mais uma vez, Marrocos é alvo de graves acusações como que a poder indiciar que os EUA poderão voltar a apresentar em abril de 2014 um projeto de resolução idêntico ao apresentado em abril de 2013.

Por Haddamin Moulud Said


Fonte: Libres Opiniones

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