- Filipe VI reúne-se 2.ª e 3.ª feira em Rabat com o rei marroquino
- Celebra os seus 15 anos de reinado com a visita de Filipe VI
- Abriu a mão para controlar os distúrbios, mas voltou às suas origens autoritárias
- Persegue os dissidentes, humilha o governo dos islamitas...
- Não os deixa sequer proibir as telenovelas
EL MUNDO - IGNACIO
CEMBRERO 13/07/2014 02
Mouad
Belghouate já não canta “Os Cães do
Estado”, um título que aludia às forças antidistúrbios marroquinas. Apodado
Lhaqed (O Devastador) o raper, de 26 anos, cumpre pena de prisão no cárcere de
Oukacha em Casablanca. Como se não bastassem duas condenações anteriores, no
passado dia 1 de Julho foi de novo condenado a mais quatro meses por estar embriagado
na via pública e, alegadamente, ter agredido as forças da ordem. Acusações que
recusa.
Lhaqued era uma das
vozes mais visíveis do movimento 20 de Fevereiro (20F), que encarnou há três anos
a versão marroquina da Primavera Árabe. Outros dos seus protagonistas estão
também atrás das grades por delitos que, aparentemente, não têm relação com
aquelas revoltas. Em meados de
maio nove jovens foram condenados de uma tacada a penas até um ano de
prisão.
"No que concerne
aos direitos humanos em Marrocos observamos com frequência cerimónias de corta-fitas
para inaugurar grandes projetos", refere Eric Goldstein, vice-diretor
para o mundo árabe da ONG norte-americana Human
Rights Watch. "Mas por detrás do ecrã, as autoridades continuam a deter
e a prender dissidentes com acusações fabricadas, ao mesmo tempo que dispersam
à cacetada manifestações pacíficas, sobretudo no Sahara Ocidental", afirma.
As sentenças
punitivas "demonstram que o regime voltou às suas essências", afirma Aboubakr Jamai, ex-diretor
do desaparecido semanário marroquino “Le Journal Hebdo”
e agora professor de história na sede europeia de uma universidade norte-americana.
O rei Mohamed VI foi
controlando com habilidade essa onda de protestos que, em 2011, sacudiu Marrocos
e a maioria dos países árabes. Aos olhos de investidores e analistas, Marrocos
é o país mais estável do norte de África. Assim o reflete, por exemplo, o
índice que anualmente elaboram a fundação norte-americana “The Fund for Peace” e a revista
“Foreign Policy”.
Por essa razão
Marrocos é a principal aposta norte-africana da Europa, à frente da Tunísia, e
evidentemente também de Espanha. O
rei Filipe VI reunir-se à 2.ª e 3.º feira próximas em Rabat com Mohamed VI,
uma semana antes de este cumprir o 15.º aniversário da sua entronização.
As promessas do
monarca alauita no seu discurso
de 9 de março de 2011: a elaboração de uma nova Constituição que transfere
alguns poderes do rei para o chefe do Governo e a
realização das eleições mais transparentes da sua história que deram uma curta
maioria islamita desativaram a primavera árabe. Como em outros países da região,
os islamitas do Partido da
Justiça e do Desenvolvimento (PJD) chegaram ao Governo, em janeiro de 2012,
Mas aí tudo acabou. Ao contrário do Egipto ou da Tunísia, não exerceram o poder.
Os 30 meses que Abdelilá
Benkiran leva à frente de um Governo de coligação estão sendo um rosário de
humilhações para os islamitas. Talvez a mais chamativa tenha sido a proibição pelo
Ministério do Interior, em setembro de 2012, de uma concentração, numa praça de
Tânger, que deveria concluir o congresso das juventudes do PJD. Benkiran ia ser
o principal orador, mas o Interior alegou razões de "segurança e manutenção
da ordem" e vetou a sua realização.
Há muitos outros
casos de menosprezo real por Benkiran, desde as ordens dadas para investigar a corrupção
policial e aduaneira no norte do país, até nomeações como a do ex-primeiro-ministro,
Driss
Jettou, como o presidente do Tribunal de Contas.
Tudo isso sem que o governo e o seu líder tenham sido informados.
Luta pelas telenovelas
No início deste verão
as impotências islâmicas foram reveladas pelo seu desespero com a programação
da televisão pública que, teoricamente, está sob a tutela de seu ministro das
Comunicações, Mustafa el khalfi. Este apodou no Senado as telenovelas de "abominação",
especialmente as mexicanas, por serem consideradas libertinas. Deu o exemplo de
um filme em que uma mulher tem um relacionamento com um empregado doméstico.
"No Dia do Juízo Final não estarei pronto para assumir a responsabilidade
perante Deus" destas séries, afirmou.
Dias antes, perante o
plenário da Câmara de Representantes (câmara baixa), o ministro acusou os seus detratores
de querer "converter Marrocos num prostíbulo mexicano" suscitando uma
onda de protestos, entre as quais uma do ministério dos Negócios Estrangeiros
do México. El Khalfi viu-se obrigado a retificar no Twitter.
Eneko
Landaburu, que até ao ano passado foi embaixador da União Europeia em Rabat,
recorda como numa ocasião Benkiran lhe disse: "Não fui eu; foi o patrão".
Explicava assim, sem contrariedade alguma, que era o rei quem tinha tomado uma determinada
decisão que era da sua competência. "O Governo marroquino não tem o
controle efetivo das alavancas do poder", defende Bernabé López, o mais
reputado dos peritos espanhóis do Magreb.
"O problema de
fundo é que temos um Governo que não governa, que não aplica a Constituição de
2011 que supostamente lhe atribui mais poderes", constata num editorial
Toufic Bouachrin, diretor do “Akhbar al Youm”,
talvez o diário que goza de maior margem de manobra. Não está claro que, mesmo
que o tivesse querido, Benkiran tivesse podido fazer outra interpretação da Lei fundamental.
Para certos setores
laicos e inclusive progressistas não lhes desgosta que o palácio real tenha
posto trela curta aos barbudos, como popularmente são chamados os islamitas.
"Rejeitamos que Marrocos caia na armadilha de países como o Iraque, Síria,
Iémen, Líbia ou mesmo a Tunísia, onde as coisas não são ainda claras",
declarava Driss Lachgar,
o líder dos socialistas marroquinos, no
oitavo congresso da sua juventude. O PJD é "obscurantista",
denunciou.
"Se não fosse o palácio
a cortar-lhes as vazas estaríamos rezando a todas horas", comenta um empresário
de Casablanca que foge para a Europa quando chega o Ramadão (mês de jejum islâmico).
"Acredite-me, comparada com tudo o que nos rodeia no mundo árabe, a
monarquia marroquina é um mal menor para os seus súbditos e para os seus vizinhos
europeus", sublinhava.
O arranque do verão
coincide com a metade da legislatura que, em Marrocos dura 5 anos. A imprensa
que não pertence a partidos políticos faz um balanço muito negativo destes primeiros
30 meses de Benkiran. "O programa que consiste em lutar contra a corrupção
está paralisado (...)", afirma em editorial Bouachrin. "A reforma da
Justiça continua a ser uma promessa", recorda.
"A liberdade de
imprensa retrocedeu com este Governo", realça ainda o diretor do ”Akhbar
al Youm”. Bekiran " deixou que os centros de poder, da segurança, das
finanças ou da Justiça ajustem contas com a imprensa independente e, por isso, irrita",
prossegue sem explicar de quem dependem esses censores. "A imprensa
independente e valente desapareceu neste país excepto alguns meios que continuam
lutando contra ventos e marés", lamenta-se.
Ali
Anouzla, o jornalista mais crítico do sistema, está em liberdade
condicional desde outubro, acusado de apologia do terrorismo e colaboração com grupo
terrorista, por ter “linkado” um artigo do seu diário digital “Lakome”
ao blog jornalístico “Orilla
Sur” em que foi divulgado o primeiro vídeo do ramo norte-africano da
Al-Qaeda em Marrocos. O seu diário periódico digital, o terceiro mais lido em Marrocos,
foi fechado e ele corre o risco de ser condenado a 20 anos de prisão. Outro jornalista,
Mustafa
Hassnaoui, cumpre uma condenação de quatro anos de prisão efetiva.
Fomenta-se o descrédito
dos islâmicos moderados para, segundo Bernabé López, "derrubar em futuras
eleições o partido que tem servido para fazer uma transição sui generis". Quando o PJD perder nas
urnas, o Makhzen – como é designado todos os centros de poder próximos do rei -
pode definitivamente virar a página da primavera marroquina. Talvez seja então que
o Partido da Autenticidade e Modernidade (PAM),
criado em 2008 por um amigo do monarca, Fouad
Ali el Himma, assuma o cargo da chefia do governo. A julgar pelas suas
investidas, Benkiran considera o PAM como o seu principal adversário.
Por muito mau que seja
o balanço islamita – há apenas unanimidade em reconhecer a Benkiran o mérito de
ter baixado o défice orçamental de 7% para 5%... - não é claro que os marroquino
o venham a sancionar nas urnas dentro de dois anos. "Muitos marroquinos pensam
que não se lhes tem deixado governar", defende Eneko Landaburu.
Há, portanto, que lhes
dar uma segunda oportunidade quando houver de novo que ir votar. E é inclusive possível
que nas zonas rurais, onde ainda reside 45% da população, consigam ainda mais
votos. A sua passagem pelo Governo permitiu ao PJD dar-se a conhecer no campo onde
os funcionários do Interior incentivam a população a secundar os partidos artificiais.
Talvez não seja tão fácil afinal virar toda a página da Primavera Árabe.
O rei não conhece
"Orientalismos"
"Aproveito esta feliz
ocasião para dizer a Vossa Majestade quanto me orgulham os vínculos de sólida
amizade e consideração mútua que nos unem (...)". Mohamed VI, Rei de
Marrocos, prometia felicidades ao rei Filipe VI no telegrama de congratulações que
lhe enviou há três semanas. O novo rei da Espanha irá começar na segunda-feira a
sua primeira viagem a Marrocos. Compartilhará com o monarca alauita um
"Ftour 'ou jantar de quebra do jejum durante o mês do Ramadão.
Apesar da receção
calorosa, parte com uma desvantagem em relação a D. Juan Carlos. Seu pai era um
mestre em lidar com dirigentes árabes. Sabia que não podia abordar qualquer
questão sensível até ao final da conversa; sabia que um "não" tinha
tantas ‘nuances’ que até poderia converter-se num "sim". Ajudou as
empresas espanholas a fazer grandes contratos, o último dos quais o AVE [combóio
de alta velocidade] no deserto da Arábia Saudita. "Filipe VI é como sua
mãe, Dona Sofia, educada num colégio interno alemão; não sabe sintonizar-se com
os costumes dos povos "orientais", lembra um diplomata que viajou com
ele. Seu pai tentou aproximá-lo a essa cultura.
Em 1985, quando tinha
16 anos, enviou-o às celebrações da entronização do Sultão Qabus, do Omã.
"Mas eu não vi empatia", frisa o funcionário. A última vez que esteve
em Marrocos foi em 2012 para inaugurar um fórum de negócios em Casablanca. Com Marrocos,
mais que contratos, Don Juan Carlos conseguiu fazer baixar a tensão sempre que
a sua ajuda era solicitada. O presidente de governo Jose Luis Rodriguez
Zapatero pediu a sua contribuição para resolver o bloqueio da fronteira de
Melilla, em 2010. Um telefonema seu ao monarca alauita acabou com o problema. Obterá
Filipe VI os mesmos resultados quando ocorrerem fricções?
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