O jornalista Ignacio Cembrero revela os últimos desenvolvimentos ocorridos entre a oposição laica e islâmica em Marrocos...
Na Tunísia, Egipto e Líbia a chamada
primavera árabe triunfou em 2011. Ainda que, por vezes, tenha enveredado
por outras direções longe dos ideais de liberdade e justiça proclamadas pelos
cortejos de manifestantes.
Em Marrocos, ao contrário, fracassou.
Entrou em colapso porque o palácio real cedeu parcelas do poder para apaziguar
as reivindicações populares e porque os islamitas romperam com os jovens e com
a esquerda que haviam tomado as ruas.
Em Marrocos, os jovens rebeldes autodenominaram-se
Movimento 20 de Fevereiro (20 F) e foram secundados por um ou outro pequeno
partido de esquerda, sindicatos, um punhado de intelectuais e, principalmente, pela
Justiça e Caridade, a associação islâmica com maior capacidade de mobilização.
Desde que uma nova Constituição foi aprovada,
em julho de 2011, a qual outorga maiores competências ao Governo e ao Parlamento,
os protestos perderam folego. Cinco meses depois, Justiça e Caridade anunciou em
comunicado que se dissociava das marchas encabeçadas pelos jovens rebeldes sem
ter aclarado bem os motivos da decisão. A associação islamita mobilizava a
grande maioria dos manifestantes. A primavera árabe extinguiu-se em Marrocos. Nas
recentes manifestações de solidariedade com Gaza os militantes islamitas foram
de novo os mais numerosos.
Três anos depois daquela revolta
frustrada em Marrocos dois dos seus principais protagonistas retomaram o diálogo.
Justiça e Caridade, que o ano passado já propôs à esquerda criar uma frente comum,
organizou a 11 de julho um debate sem tabus, à porta fechada, entre cinco dos seus
máximos dirigentes e um grupo de intelectuais de esquerda ou liberais, alguns ligados
a pequenos partidos mas que participaram na reunião a título individual. Irá reativar-se
assim o motor da primavera árabe?
"Houve duas partes, primeiro fez-se
um diagnóstico da situação e depois examinámos se nos podíamos pôr de acordo
sobre as terapêuticas a empregar para superar os problemas do país",
explicou ao telefone Karim Tazi, um conhecido empresário do sector têxtil, que
participou na reunião. "Na primeira parte houve coincidência quanto ao bloqueio
político, as derrotas diplomáticas e a má situação económica por que passa Marrocos",
acrescentou.
A queda do crescimento económico em 2014
para os 2,5%, segundo o pronóstico oficial mais pessimista - um ritmo que não
permite criar emprego -, a diminuição do poder aquisitivo, o reflexo da supressão
das subvenções de produtos como os hidrocarbonetos, geram tensões sociais, concluíram
os assistentes à reunião.
Sobre os objetivos políticos houve menos
convergência de pontos de vista. "Compartilhamos o desejo de promover uma transição
que evite o país de uma explosão violenta", afirma Maati Monjib, professor
da Universidade Mohamed V de Rabat. "Trataremos de elaborar uma plataforma
política comum cuja prioridade será reivindicar uma nova e autêntica reforma da
Constituição", precisa Tazi. A Carta Magna adotada há três anos apenas
introduziu alterações cosméticas, segundo os assistentes.
"Justiça e Caridade evoluiu muito
desde 2011", prossegue o empresário, ainda que reconheça que, aos olhos dos
laicos, resta-lhe ainda muito caminho a percorrer. Partindo do exemplo da Tunísia,
que aprovou no início do ano uma Constituição democrática, [Justiça e Caridade]
"é agora mais recetiva a uma monarquia parlamentar, ao Estado civil, à liberdade
de consciência", o mesmo é dizer ao direito de cada um escolher a sua
religião, assegura Tazi. "Mas tem que acabar de aclarar a sua posição",
conclui. Islamitas e opositores laicos voltarão a reunir-se no outono.
Na Tunísia, o único país em que a
primavera árabe parece ter êxito, jovens laicos e de esquerdas constituíram o motor
da mudança juntamente com os islamitas de Ennahda, o ramo local dos Irmãos Muçulmanos,
que se juntou à revolta ao cabo de várias semanas.
Ambas as forças, islamitas e laicos, têm
hoje em dia aproximadamente o mesmo peso. Não é assim em Marrocos onde a
juventude progressista, os intelectuais e os pequenos partidos de uma esquerda
fragmentada são um peso ligeiro face à Justiça e Caridade.
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