quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A resistência política no Sahara Ocidental, liderada por mulheres. A definição de uma sociedade.



Por Erica Vásquez*

Apesar do silêncio dos meios de Comunicação internacionais, a resistência é um fenómeno quotidiano no Sahara Ocidental. As mulheres saharauis lideram o caminho.
A 15 de junho 2014 fui testemunha de como grupos de manifestantes pacíficos eram espancados, com inusitada força, das ruas até às suas casas. O mais aterrador foi ver uma mulher que recebeu um murro na cara e foi arrastada desde o passeio para a estrada, por onde circulava o trânsito.

No dia 15 de cada mês é organizada uma manifestação não violenta nas principais cidades do Sahara Ocidental ocupado: El Aaiún, Smara, Dakhla e Bojador. A manifestação maior tem lugar na Avenida Smara, em El Aaiún, a cidade mais populosa nos territórios. É nesta cidade também onde vivem os ativistas mais prominentes e porta-vozes saharauis, como Aminetou Haidar e Mohamed Dadash.


As forças de segurança marroquinas preparam-se afincadamente para a manifestação mensual na Avenida Smara. Os agentes de polícia de choque vão completamente vestidos, dos pés à cabeça, com uniformes antidistúrbios, mantêm as mãos aperradas nas suas armas e colocam vários veículos blindados nas esquinas das ruas, nos cruzamentos de vias e nas ruelas dos bairros.
Embora sejam civis desarmados quem participa nas manifestações mensais, as forças de segurança marroquinas utilizam com frequência uma força excessiva para dispersar os manifestantes. A repressão de que fui testemunha não foi um caso isolado. Segundo inúmeros ativistas saharauis, a expressão pública da resistência saharaui é, quase sempre, dispersa pelas autoridades através do uso da força.

Mulheres saharauis como ativistas e líderes

No começo da ocupação militar em 1976, muitos homens saharauis juntaram-se ao exército de libertação e lutaram contra o Estado marroquino durante vários anos. Na sua ausência, as mulheres saharauis foram as principais responsáveis pelo seu lar, pelas crianças e pelo dinheiro da família. Ao mesmo tempo, muitas mulheres prestavam informações à Frente Polisario - principal grupo da resistência saharaui - sobre a dinâmica interna da ocupação.


Os que trabalhavam como informadores da resistência eram detidos e encarcerados ilegalmente pelo Estado marroquino. Muitas mulheres foram obrigadas de um dia para o outro a deixar as suas famílias e os seus filhos, já que foram detidas e encarceradas, algumas durante 11 anos. Foram torturadas, interrogadas e maltratadas durante a sua detenção em prisões secretas localizadas nos territórios ocupados e em Marrocos. Durante o trabalho de campo realizado no Verão de 2014 entrevistei dezenas de mulheres que tinham sido torturadas e encarceradas na década de 80. Foram postas em liberdade em 1991 pelo governo de Marrocos, devido à pressão imposta pelas Nações Unidas. Todos os ativistas entrevistados, desde a sua libertação, continuam envolvidos no movimento de resistência. Depois de anos de tortura, nem a injustiça nem as constantes violações dos direitos humanos os dissuadiram a abandonar a luta pela autodeterminação.

Hoje em dia, a presença de mulheres saharauis nas manifestações de rua é maioritária. Isso é representativo da composição do conjunto de ativistas saharauis nos territórios ocupados. Embora tanto os homens como as mulheres participem ativamente nos atos de resistência, as mulheres saharauis tratam da maior parte da comunicação entre os ativistas de uma cidade e outra. Organizam manifestações, conferências de imprensa, são ativas no trabalho do jornalismo clandestino e colaboram numa base consistente com as organizações internacionais de Direitos Humanos. O objetivo principal dos atos de resistência é conseguir a autodeterminação do povo saharaui e o método utilizado é pacífico, tendo como premissa a não-violência. Todos os ativistas, homens e mulheres, reiteram a importância do pacifismo e apoiam-se no Direito Internacional para apoiar a sua causa. Desde a intermediação das Nações Unidas para o Cessar-Fogo de 1991, a resistência dos saharauis sempre empregou métodos pacíficos de protesto frente à repressão estatal marroquina.

Resistência política a longo prazo define a sociedade saharaui

Os meios de resistência à ocupação e a organização de atos de protesto constituem uma parte importante da vida social no Sahara Ocidental. As famílias reúnem-se em redor da televisão, sintonizando a RASD TV, que é a cadeia de televisão pública nacional da Frente Polisario. Imagens do exército de liberação saharaui são vistas e revistas, assim como o mártir e fundador da resistência, El Ouali Mustapha Sayed. A política e a resistência política fazem parte da vida quotidiana, constantemente visível e presente.


Fora do círculo da família, as mulheres saharauis conversam muitas vezes sobre a ação política e a propaganda com amigos e colegas. Compartilham histórias de injustiça e abusos de direitos humanos noutras cidades dos territórios ocupados e, dessa forma, se mantêm informadas sobre as muitas atividades da resistência. Não se tratam de reuniões meramente sociais, são usadas para compartilhar informações e planear conjuntamente projetos e ações de resistência.
Enquanto a discussão do conflito domina a vida social nos territórios ocupados, a questão do Sahara Ocidental recebe muito pouca atenção dos media internacionais. Nos últimos anos tem havido um punhado de artigos que abordam o importante papel das mulheres na política de resistência saharaui.

No entanto, a cobertura informativa é sistematicamente impedida, já que as autoridades marroquinas não permitem a livre entrada nos territórios ocupados. Daí que a cobertura tenha incidido sobre a liderança das mulheres saharauis nos campos de refugiados em Tindouf, Argélia.
Mas como é que um conflito que começou em 1975 e um movimento de resistência não-violenta permanecem quatro décadas num relativo anonimato? Isto deve-se, em grande parte, à eficácia da ocupação militar marroquina. O governo marroquino criou um nível de vigilância que controla fortemente o fluxo de visitantes estrangeiros nos territórios ocupados.


Como resultado, apenas alguns jornalistas conseguiram entrar e fazer com êxito o seu trabalho de informação no interior do território.

Em julho de 2014, um jornalista alemão e outro britânico entraram nos territórios ocupados para cobrir o que acontecia numa manifestação mensal que se realiza todos os dias 15 de cada mês. Em questão de horas foram identificados, interrogados e expulsos. Este é um pequeno exemplo da eficácia da ocupação marroquina, que rastreia os visitantes estrangeiros e expulsa-os dos territórios para prevenir eficazmente qualquer tipo de cobertura sobre as violações de direitos humanos e a violência policial marroquina no Sahara Ocidental
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* Erica Vásquez recolheu a informação utilizada neste artigo durante um estudo de campo nos territórios ocupados do Sahara Ocidental, entre Maio e Julho de 2014. O seu trabalho foi possível graças ao apoio prestado pelo Instituto de Georgetown sobre Mulheres, Paz e Segurança e o Centro de Georgetown de Estudos Árabes Contemporâneos.

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