Por Erica
Vásquez*
Apesar do silêncio
dos meios de Comunicação internacionais, a resistência é um fenómeno quotidiano
no Sahara Ocidental. As mulheres saharauis lideram o caminho.
A 15 de
junho 2014 fui testemunha de como grupos de manifestantes pacíficos eram
espancados, com inusitada força, das ruas até às suas casas. O mais aterrador
foi ver uma mulher que recebeu um murro na cara e foi arrastada desde o passeio
para a estrada, por onde circulava o trânsito.
No dia 15 de
cada mês é organizada uma manifestação não violenta nas principais cidades do
Sahara Ocidental ocupado: El Aaiún, Smara, Dakhla e Bojador. A manifestação
maior tem lugar na Avenida Smara, em El Aaiún, a cidade mais populosa nos territórios.
É nesta cidade também onde vivem os ativistas mais prominentes e porta-vozes
saharauis, como Aminetou Haidar e Mohamed Dadash.
As forças de
segurança marroquinas preparam-se afincadamente para a manifestação mensual na
Avenida Smara. Os agentes de polícia de choque vão completamente vestidos, dos
pés à cabeça, com uniformes antidistúrbios, mantêm as mãos aperradas nas suas
armas e colocam vários veículos blindados nas esquinas das ruas, nos
cruzamentos de vias e nas ruelas dos bairros.
Embora sejam
civis desarmados quem participa nas manifestações mensais, as forças de segurança
marroquinas utilizam com frequência uma força excessiva para dispersar os
manifestantes. A repressão de que fui testemunha não foi um caso isolado. Segundo
inúmeros ativistas saharauis, a expressão pública da resistência saharaui é, quase
sempre, dispersa pelas autoridades através do uso da força.
Mulheres saharauis como ativistas e
líderes
No começo da
ocupação militar em 1976, muitos homens saharauis juntaram-se ao exército de
libertação e lutaram contra o Estado marroquino durante vários anos. Na sua ausência,
as mulheres saharauis foram as principais responsáveis pelo seu lar, pelas
crianças e pelo dinheiro da família. Ao mesmo tempo, muitas mulheres prestavam
informações à Frente Polisario - principal grupo da resistência saharaui -
sobre a dinâmica interna da ocupação.
Os que trabalhavam
como informadores da resistência eram detidos e encarcerados ilegalmente pelo Estado
marroquino. Muitas mulheres foram obrigadas de um dia para o outro a deixar as
suas famílias e os seus filhos, já que foram detidas e encarceradas, algumas
durante 11 anos. Foram torturadas, interrogadas e maltratadas durante a sua
detenção em prisões secretas localizadas nos territórios ocupados e em Marrocos.
Durante o trabalho de campo realizado no Verão de 2014 entrevistei dezenas de
mulheres que tinham sido torturadas e encarceradas na década de 80. Foram postas
em liberdade em 1991 pelo governo de Marrocos, devido à pressão imposta pelas Nações
Unidas. Todos os ativistas entrevistados, desde a sua libertação, continuam envolvidos
no movimento de resistência. Depois de anos de tortura, nem a injustiça nem as
constantes violações dos direitos humanos os dissuadiram a abandonar a luta
pela autodeterminação.
Hoje em dia,
a presença de mulheres saharauis nas manifestações de rua é maioritária. Isso é
representativo da composição do conjunto de ativistas saharauis nos territórios
ocupados. Embora tanto os homens como as mulheres participem ativamente nos atos
de resistência, as mulheres saharauis tratam da maior parte da comunicação entre
os ativistas de uma cidade e outra. Organizam manifestações, conferências de imprensa,
são ativas no trabalho do jornalismo clandestino e colaboram numa base
consistente com as organizações internacionais de Direitos Humanos. O objetivo
principal dos atos de resistência é conseguir a autodeterminação do povo saharaui
e o método utilizado é pacífico, tendo como premissa a não-violência. Todos os
ativistas, homens e mulheres, reiteram a importância do pacifismo e apoiam-se
no Direito Internacional para apoiar a sua causa. Desde a intermediação das Nações
Unidas para o Cessar-Fogo de 1991, a resistência dos saharauis sempre empregou métodos
pacíficos de protesto frente à repressão estatal marroquina.
Resistência política a longo prazo
define a sociedade saharaui
Os meios de resistência
à ocupação e a organização de atos de protesto constituem uma parte importante
da vida social no Sahara Ocidental. As famílias reúnem-se em redor da televisão,
sintonizando a RASD TV, que é a cadeia de televisão pública nacional da Frente
Polisario. Imagens do exército de liberação saharaui são vistas e revistas, assim
como o mártir e fundador da resistência, El Ouali Mustapha Sayed. A política e
a resistência política fazem parte da vida quotidiana, constantemente visível e
presente.
Fora do
círculo da família, as mulheres saharauis conversam muitas vezes sobre a ação
política e a propaganda com amigos e colegas. Compartilham histórias de injustiça
e abusos de direitos humanos noutras cidades dos territórios ocupados e, dessa
forma, se mantêm informadas sobre as muitas atividades da resistência. Não se
tratam de reuniões meramente sociais, são usadas para compartilhar informações
e planear conjuntamente projetos e ações de resistência.
Enquanto a
discussão do conflito domina a vida social nos territórios ocupados, a questão
do Sahara Ocidental recebe muito pouca atenção dos media internacionais. Nos
últimos anos tem havido um punhado de artigos que abordam o importante papel
das mulheres na política de resistência saharaui.
No entanto,
a cobertura informativa é sistematicamente impedida, já que as autoridades
marroquinas não permitem a livre entrada nos territórios ocupados. Daí que a
cobertura tenha incidido sobre a liderança das mulheres saharauis nos campos de
refugiados em Tindouf, Argélia.
Mas como é
que um conflito que começou em 1975 e um movimento de resistência não-violenta
permanecem quatro décadas num relativo anonimato? Isto deve-se, em grande parte,
à eficácia da ocupação militar marroquina. O governo marroquino criou um nível
de vigilância que controla fortemente o fluxo de visitantes estrangeiros nos
territórios ocupados.
Como
resultado, apenas alguns jornalistas conseguiram entrar e fazer com êxito o seu
trabalho de informação no interior do território.
Em julho de
2014, um jornalista alemão e outro britânico entraram nos territórios ocupados
para cobrir o que acontecia numa manifestação mensal que se realiza todos os
dias 15 de cada mês. Em questão de horas foram identificados, interrogados e
expulsos. Este é um pequeno exemplo da eficácia da ocupação marroquina, que
rastreia os visitantes estrangeiros e expulsa-os dos territórios para prevenir
eficazmente qualquer tipo de cobertura sobre as violações de direitos humanos e
a violência policial marroquina no Sahara Ocidental
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* Erica Vásquez
recolheu a informação utilizada neste artigo durante um estudo de campo nos
territórios ocupados do Sahara Ocidental, entre Maio e Julho de 2014. O seu
trabalho foi possível graças ao apoio prestado pelo Instituto de Georgetown
sobre Mulheres, Paz e Segurança e o Centro de Georgetown de Estudos Árabes Contemporâneos.
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