quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Marcha Verde: o barril de pólvora do Sahara certificou o último suspiro da ditadura









— A manobra do rei Hassan II de Marrocos para forçar a anexação do território saharaui com uma marcha pacífica, foi inspirada pelos EUA e financiada com dinheiro saudita;

— Com Franco agonizante, o príncipe Juan Carlos assumiu a chefia do Estado em funções. Viajou a El Aaiún com o objetivo de preservar a honra do exército, embora soubesse que os dados já estavam lançados


Fonte: El Mundo 16/10/2015

A história coloca a Franco nos seus últimos dias ante um conflito complicado: a questão do Sahara e a disputa com Marrocos. Na sequência do parecer do Tribunal de Justiça de Haia, contrário à posição marroquina sobre o Sahara, Hassan II anuncia na noite de 16 de outubro de 1975 a organização da Marcha Verde: a manifestação de um milhão de marroquinos que penetraria pacificamente no Sahara para exigir a sua incorporação em Marrocos. Por trás dessa manobra estava a assessoria logística norte-americana, o dinheiro saudita, as pressões de ambos, juntamente com as da França e da Liga Árabe.

Horas mais tarde, a 17 de outubro, o Conselho de Ministros decide ceder face à cartada marroquina. A ditadura, em pleno descrédito internacional, não poderia realizar o referendo no Sahara contra ventos e marés. Além disso, a Frente Polisario, porta-estandarte da independência saharaui, não contava com a simpatia de Madrid pelos seus ataques e sequestros.

No entanto, oficialmente, continuava a apoiar a autodeterminação e Jaime de Piniés, representante da Espanha na ONU, declara a 20 de outubro que o compromisso de organizar o referendo no Sahara seria cumprido e que o país se oporia, mesmo que militarmente, à Marcha Verde.







Dias de incerteza


O regime debate-se num mar de dúvidas e pressões. Marrocos, Mauritânia e os seus patrocinadores pressionavam o regime a deixar o território antes do avanço da Marcha Verde; enquanto a Argélia e o Comité de Descolonização da ONU exigiam que a Espanha mantivesse os seus compromissos e conduzisse o território ao referendo. E, em pleno temporal, a 28 de outubro, Franco sofre uma grave hemorragia estomacal e, daí, resulta claro que os seus dias estavam contados.

A 30 de Outubro, Juan Carlos tem que assumir novamente a chefia do Estado em funções. Dizia-se que nos amargos meses decorridos na sua anterior interinidade havia jurado nunca mais voltar a aceitá-la, mas voltou a fazê-lo de novo, talvez convencido de que desta vez seria definitiva.

Se a situação política era extremamente complexa, não era menor a incerteza reinante nas ruas, onde se respirava esse clima de transição ao mesmo tempo que se temia uma guerra contra o país vizinho. Por sua parte, o exército estava confuso e nervoso. Os altos comandos sabiam que o Sahara ia ser abandonado, mas não podiam sair de lá correndo: deviam manter as aparências e, portanto, a poucos quilómetros da fronteira com Marrocos num estreitamento da área viável para o movimento de massas, implantou um campo de minas com o objetivo de travar a Marcha Verde, a poucos quilómetros da fronteira.

Eu tinha chegado a El Aaiún a 18 de outubro enviado pela “Cambio 16”, após o anúncio da Marcha Verde. Na capital do Sahara vivia-se uma atmosfera tensa. Por um lado, os militares, para demonstrar a firmeza dos propósitos espanhóis, permitiam a presença de jornalistas na colocação do campo minado e faziam inúmeras declarações sobre as garantias espanholas na salvaguarda dos direitos dos saharauis. Mas registavam-se também confrontos entre patrulhas espanholas e forças militares marroquinas infiltradas no território ou com a guerrilha da Frente Polisario.

A população local não conseguia entender o que estava acontecendo; por um lado, seguiam as directivas da Polisario, mas, por outro, viam os seus representantes nas Cortes  (Parlamento espanhol)  a fugir para Marrocos; constatavam que reforços militares chegavam ao Sahara, ao mesmo tempo que, no porto e no aeroporto, se acumulavam os pertences das famílias espanholas que se preparavam para abandonar o território.

Salvar a honra

E então, surpreendentemente, no domingo 02 de novembro, às 11 horas, Juan Carlos desembarca em El Aaiún, acompanhado por altos representantes das Forças Armadas e altos representantes civis relacionados com o Sahara. Após as honras militares protocolares, todos se reuniram na sede do Estado-Maior Geral. Ali se expôs a situação em Espanha, as resoluções do Conselho de Ministros, as pressões internacionais e o propósito final de abandonar o território… mas salvaguardar-se-ia a honra do Exército: a Marcha Verde não atravessaria a linha minada.

Depois, Juan Carlos e a sua comitiva deslocaram-se ao quartel da Legião, na periferia da cidade, ali depositando uma coroa de flores aos mortos da Legião.

Uma hora mais tarde reunia-se num almoço organizado no Clube Militar com os chefes e oficiais das forças destacadas no Sahara, a quem dirigiu algumas palavras de incentivo com final sibilino. Às 16h00, Juan Carlos empreendeu o voo de regresso à Península. Qualquer observador atento depreendia que a sua intervenção como chefe interino do Estado, sabendo que sua entronização seria imediata, se destinava a proteger a imagem do Exército e a convencer e a ganhar para o seu lado os comandantes e oficiais – o que conseguiu-; mas que a sorte do Sahara já tinha sido decidida sem qualquer consulta.

Enquanto isso, em Madrid e Rabat, espanhóis, marroquinos e mauritanos limavam as últimas arestas do acordo sobre o Sahara, e a de 6 de novembro a Marcha Verde atravessa a fronteira e avança atá à linha minada. Ouvimo-los cantando à noite em volta de fogueiras, até que aborrecidos e gelados decidimos voltar a El Aaiún. Durou quatro dias a sua permanência a norte do campo minado: no dia 9, Hassan II sente que Marrocos tinha conseguido o seu objetivo e, "sem vencedores nem vencidos", no dia 10 os manifestantes começaram a retornar à sua terra. A 14 de novembro foi assinado em Madrid a transferência da administração do Sahara Ocidental para Marrocos e Mauritânia.

Franco morreu na madrugada do dia 20 e horas depois o chefe de Governo, Carlos Arias, leu o seu testamento em que ele pedia para Juan Carlos "o mesmo afeto e lealdade que a mim me haveis brindado e que lhe presteis, em todo o momento, o mesmo apoio e colaboração que tive de vós". Assim, o príncipe de Espanha concluiu aquela segunda interinidade como chefe de Estado para assumir o trono a 22 de novembro de 1975 e dirigir a Transição espanhola.



Discurso do príncipe JUAN CARLOS em El Aaúin, a 2 de novembro de 1975


"He venido a saludaros y vivir unas horas con vosotros; conozco vuestro espíritu, vuestra disciplina y vuestra eficacia. Siento no poder estar más tiempo aquí, con estas magníficas unidades, pero quería daros personalmente la seguridad de que se hará cuanto sea necesario para que nuestro Ejército conserve intacto su prestigio y el honor. España cumplirá sus compromisos y tratará de mantener la paz, don precioso que tenemos que conservar. No se debe poner en peligro vida humana alguna cuando se ofrecen soluciones justas y desinteresadas y se busca con afán la cooperación y entendimiento entre los pueblos. Deseamos proteger también los legítimos derechos de la población civil saharaui, ya que nuestra misión en el mundo y nuestra historia nos lo exigen. A todos un abrazo y un saludo con el mayor afecto, ya que quiero ser el primer soldado de España".

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