A notícia é de
importância extraordinária e levou-me a dá-la em primeira mão no twitter. O Supremo
Tribunal de Inglaterra e Gales decidiu apresentar uma questão prejudicial ante o
Tribunal de Justiça da União Europeia para que este determine se os acordos de
associação (que envolvem produtos agrícolas e a pesca) entre a UE e Marrocos são
conformes com os tratados comunitários e com o Direito Internacional.@Desdelatlantico.
Autor: Carlos
Ruiz Miguel, professor de Direito Constitucional na Universidade de Compostela
I. ANTECEDENTES: OS ACORDOS DE ASSOCIAÇÃO
DA UE COM MARROCOS
A UE firmou vários
acordos de associação com Marrocos. Por um lado, um acordo geral de associação (que
foi modificado anos depois da sua adoção para dar maiores facilidades à exportação
de produtos agrícolas ou pesqueiros marroquinos - Diário Oficial 1/70/2, de 18
de Março de 2000) e, por outro lado, vários acordos específicos de associação
em matéria de pesca, o último de 2006, que conheceu vários protocolos
aplicativos.
Nenhum destes
acordos reconhece explicitamente no seu articulado que se aplica à parte do território
do Sahara Ocidental ocupado por Marrocos, mas é um facto que todos eles se
aplicam ou se aplicaram e que, inclusive, durante o processo de elaboração de um
desses acordos foi manifestada a vontade de o aplicar ao Sahara Ocidental.
II. A ASSOCIAÇÃO "WESTERN SAHARA
CAMPAIGN" PROCESSA DOIS DEPARTAMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO DO REINO UNIDO
A 23 de
abril de 2015, o juiz britânico Walker concedeu à "Western Sahara
Campaign" autorização para processar dois departamentos da administração britânica:
por um lado, o Departamento de Fronteiras (The Commissioners for Her Majesty's
Revenue and Customs - HMRC) por aplicar aos produtos originários do Sahara Ocidental
ocupado por Marrocos as vantagens fiscais que o acordo de associação outorga aos
produtos originários de Marrocos; e, por outro lado, o Ministério da
Agricultura (Secretary of State for the Environment and Rural Affairs - DEFRA) pela
intenção de aplicar às águas do Sahara Ocidental o previsto no Acordo de associação
pesqueira da UE com Marrocos.
Nos dias 14 e
15 de julho de 2015 teve lugar o julgamento. Durante o mesmo, os demandantes
(Western Sahara Campaign) solicitaram ao tribunal britânico que interpusesse
uma QUESTÃO PREJUDICIAL ao Tribunal de Justiça da UE para que este determine se
os acordos de associação são ou não conformes com os tratados comunitários; por
seu lado, as entidades administrativas demandadas pediram que não fosse
interposta a questão prejudicial e que o tribunal rejeitasse a demanda.
Através da
sua decisão de
19 de outubro de 2015, o juiz Blake deu razão à Western Sahara Campaign e interpôs
uma questão prejudicial ante o Tribunal de Justiça da UE.
III. VÁRIAS AFIRMAÇÕES IMPORTANTES DO
SUPREMO TRIBUNAL INGLÊS
Na sua decisão,
o Tribunal inglês profere varias considerações importantes sobre o Sahara Ocidental:
1) O Supremo
Tribunal inglês critica (considerando número 32 da decisão) as autoridades comunitárias
que citam o parecer do Serviço Jurídico das Nações Unidas (o "Relatório Corell",
do nome do então Subsecretario de Assuntos Jurídicos, Hans Corell) omitindo que
o mesmo exige a autodeterminação e tome em consideração os desejos da população.
Mais, considera que é um "erro manifesto" que a Comissão Europeia possa
utilizar os argumentos do parecer de Corell para justificar um acordo UE-Marrocos
que incluía o Sahara Ocidental (considerando número 55).
2) O Supremo
Tribunal inglês considera que Marrocos não tem nenhum título jurídico para
apoderar-se do Sahara Ocidental (considerando número 40)
3) O Supremo
Tribunal inglês considera que o facto de Marrocos não reconhecer como
específica a população autóctone do Sahara Ocidental leva a que o dinheiro proveniente
da UE não se destine à mesma, pelo que os acordos da UE com Marrocos seriam contrários
à legalidade internacional (considerando número 47).
4) O Supremo
Tribunal inglês considera que atribuir os benefícios da UE à "população local"
do Sahara Ocidental sem distinguir se a mesma é fruto de uma ocupação ilegal,
vicia de ilegalidade os acordos da UE (considerando número 49).
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