
Paulo Rangel, Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, com o seu homólogo marroquino, Nasser Bourita.
O Ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros, Nasser Bourita, acaba de fazer uma visita relâmpago a Portugal para trocar galhardetes com o seu homólogo português, Paulo Rangel, a propósito das relações entre os dois países.
Nada de novo sobressai, a não ser dois factos: o mais inusitado é que uma Declaração Conjunta, divulgada após uma reunião realizada em Lisboa, se apresente no portal diplomático do Governo, durante várias horas, apenas em francês. As traduções diplomáticas requerem precisão, e por isso tempo, como é sabido.
O segundo, que justifica esta visita, é que o Governo português deu mais um passo na direção errada, afastando-se do Direito Internacional, dos princípios que publicamente subscreve e do que é o interesse nacional no presente e no futuro. O tema é o Sahara Ocidental, o meio é a linguagem diplomática.
Fará a 31 de outubro próximo 50 anos que Marrocos invadiu e ocupou militarmente a colónia espanhola do Sahara Ocidental, escassos dias depois de o Tribunal Internacional de Justiça ter emitido um parecer no qual concluía que não havia laços de soberania entre o povo saharaui e nenhum dos dois países vizinhos (Marrocos e a Mauritânia), e reconhecia o direito à autodeterminação do Sahara Ocidental, de acordo com a Resolução da Assembleia Geral da ONU 1514 (XV) de 1960. A sentença final do Tribunal de Justiça da União Europeia, datada de outubro de 2024, reitera o mesmo entendimento e posição.
Este contexto, que implica compromissos essenciais e inalienáveis, é ignorado na Declaração, que compraz o regime marroquino ao subscrever que a “iniciativa marroquina de autonomia é a base mais séria, credível e construtiva para resolver o diferendo no quadro das Nações Unidas”. Pequeno pormenor: no quadro das Nações Unidas a questão do Sahara Ocidental não é reconhecida como um diferendo, nem mesmo como um conflito, mas como uma ocupação de um território não-autónomo em processo de descolonização que ainda não terminou.
Ao aceitar extirpar da Declaração Conjunta partes das resoluções da ONU, que insistem no direito à autodeterminação do povo saharaui, o Governo nega a Constituição da República e descredibiliza-se internacionalmente: não acabou o Ministro de enaltecer a sua própria ação em Bissau para que fosse aprovado um parágrafo na Declaração da XV Cimeira da CPLP (18 de julho) apelando “aos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, nomeadamente do direito internacional, dos Direitos Humanos, da soberania dos Estados, da integridade territorial e da autodeterminação dos Povos”?
Na realidade, os floreados diplomáticos não alteram o Direito Internacional e muito menos a luta dos povos pela liberdade, pela justiça e pela paz.
Assim o consideraram mais de 700 pessoas e organizações portuguesas que em fevereiro último endereçaram uma Carta Aberta ao Governo, exigindo uma ação coerente e determinada nesta questão.
Recordemos o que um dia disse o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, Ali Alatas, durante a ocupação de Timor-Leste: “Timor é uma pequena pedra no nosso sapato”. Doeu, doeu, até que o referendo libertou os povos timorense e indonésio.
Lisboa, 22 de julho de 2025
AAPSO - Associação de Amizade Portugal - Sahara Ocidental


