Deya Sid Ahmed, secretário-geral da Confederação Sindical de Trabalhadores Saharauis desde 2002, encontra-se actualmente em Las Palmas de Gran Canaria, convalescendo de um período de internamento no Hospital Insular, após ser tratado ferimentos e traumatismos sofridos por liderar uma manifestação reivindicando os direitos laborais em El Aaiún. A sua organização sindical defende cerca de 10.000 trabalhadores saharauis.
— Ser o máximo representante dos trabalhadores saharauis no El Sahara é duplamente complicado?
Muito complicado, muito, porque estamos nas zonas ocupadas. É difícil exercer o sindicalismo fora da administração. E já por si o trabalho é d difícil.
— Como se formou na sua luta sindical?
No início filiei-me num sindicato marroquino para aprender. Tempo depois os trabalhadores nomearam-me como seu representante nas minas de Fosbucráa. Foi então que comecei a trabalhar duramente com o sindicato para reivindicar os nossos direitos.
— A Administração espanhola deixou-vos abandonados, da mãos atadas, “aos pés dos cavalos…”.
Sim, de um dia para o outro ficámos sem qualquer cobertura laboral nem sindical porque a Administração espanhola abandonou o conflito. Temos vindo a Espanha e temos feito reuniões em Casablanca com a confederação internacional de sindicatos. Temos recebido muito solidariedade dos trabalhadores que sabem até que ponto estamos subjugados pela administração marroquina.
— Mas necessitam de mais apoio….
Os trabalhadores saharauis têm perdido em todas as frentes porque não temos um país reconhecido por todos. Queremos que nos dêem cobertura, que nos articulem. Os trabalhadores saharauis têm que estar todos unidos.
— Quantos trabalhadores pertencem ao seu sindicato?
Uns 10.000. São muitas famílias que estão representadas no nosso sindicato. Analisámos a situação de cada trabalhador, um por um. Fomos seus representantes na convenção internacional de sindicatos de Paris, em 2004.
"CCOO (comissiones Obreras) ajudaram-nos muito, portaram-se como um irmão"
— Encontrou apoio em Espanha?
Sim, as Comisiones Obreras portaram-se connosco como irmãos. Há muita colaboração. Tivemos reuniões em Madrid com as centrais sindicais CCOO e UGT e com os empresários, para além dos ministérios do Trabalho e Negócios Estrangeiros. Falámos quatro ou cinco dias e explicamos-lhes que Espanha deixou os trabalhadores dos fosfatos no Sahara sem nenhuma cobertura social, completamente vendidos.
— A Administração espanhola deixou «fora de jogo» muitos trabalhadores saharauis….
Muitas pessoas não cumprem o contributo da Segurança Social. Quando entregaram o Sahara a Marrocos deixaram os trabalhadores desamparados, sem remuneração, sem indemnização, sem emprego, e isso continua a verificar-se. Isso afecta actualmente cerca de 10.000 pessoas porque muitos morreram ao longo dos anos.
— Ninguém dá a cara, todos lavam as mãos…?
-Sim, lavam as mãos. Marrocos não quer saber e Espanha também. Mas Espanha tem uma responsabilidade em tudo isto. Por isso estamos procurando que as autoridades espanholas assumam as suas responsabilidades para com os trabalhadores saharauis.
— Marrocos deixa-vos numa má posição….
-Marrocos não quer saber nada dos trabalhadores, porque diz que isso é um problema de Espanha; e Espanha, por sua vez, também lava as mãos...
— Deve ser difícil exercer o sindicalismo nos territórios ocupados por Marrocos.
Estão-nos a acossar continuamente e nós vamos aguentando.
— A você agrediram-no….
Sim, os polícias, ao serviço do governador, espancaram-me. Nós somos trabalhadores e o que fazemos é exercer os nossos direitos laborais.
"Somos um país rico, com pesca, fosfatos, cobre e petróleo, mas não nos deixam viver dos nossos recursos naturais"
— O Sahara é rico em pesca e fosfatos.
-Claro que sim. Podíamos viver muito bem desses recursos, mas as autoridades ocupantes não nos deixam. A zona é muito rica, mas a nossa gente, dela, nada beneficia. Não beneficiamos por nos a espoliam….
— Há saharauis que têm que emigrar.
Sim, aqui às Canárias chegam muitos jovens em barcaças (pateras) porque no Sahara ocupado se morre de fome. Isso não deveria acontecer, porque temos ali suficiente riqueza natural, mas são outros países que dela beneficiam. Nós queremos que a gente fique e não emigre, mas tiram-nos o trabalho….
— Há riqueza e trabalho, mas estão mal repartidos.
Muito mal repartidos. Marrocos mete a sua gente, o seu pessoal, e quanto aos saharauis pouco lhes importa. Só se preocupam com aqueles que são fiéis ao regime marroquino.
— Espanha também é culpada?
Também. os trabalhadores de fosfatos, por exemplo, tinham um contrato com a autoridade espanhola. Antes estavam no INI e agora no SEPI. Inclusive havia aqui nas Canárias escritórios de Fosbucráa, que agora estão fechadas.
— Ou seja, que continua a existir uma relação empresarial com Espanha…?
Claro, mas o Estado espanhol não se compromete. Por isso procuramos o apoio e a solidariedade dos organismos internacionais para resolver de una vez esta situação injusta.
— Contam com a ajuda de outras organizações sindicais?
Não temos ajuda económica, mas mantemos relações. Temos relações com Itália, França sobretudo com Espanha.
— Qual o sindicato espanhol com quem mais se relacionam?
Mais Comisiones do que com a UGT, porque a UGT está mais ligada do partido do Governo e está mais constrangido. Há um partido, Unión, Progreso y Democracia, liderado por Rosa Díez, que também nos ajuda muito.
— PSOE e PP não vos ajudam?
-Não, mas a Izquierda Unida sim . O Governo espanhol abandonou o povo saharaui e os seus trabalhadores, mas estes têm direitos que devem ser respeitados.
— La maioria dos trabalhadores do seu sindicato são de Fosbucráa?
Boa parte sim, mas os mais velhos são de Cubiertas y Tejados. Também há muitos marinheiros que tinham contratos com empresas espanholas. Os sindicatos necessitam dos jovens para lutar e reivindicar.
— A família real marroquina está metida em muitos negócios?
-Sim, em negócios e empresas de todo o tipo. Por isso não lhes interessa que exista um sindicato de trabalhadores saharauis. Entregámos cartas aos embaixadores dos Estados Unidos, França, Espanha, Itália e Alemanha em Rabat, além de termos reunido com outros a quem explicámos a situação e para que nos ajudem. Enviámos quinze a vinte cartas para que esses países reconheçam publicamente os nossos direitos e pressionem internacionalmente.
— Vocês não desistem da luta pelas vossas reivindicações…
Pedimos a todos os organismos internacionais da Europa que pressionem Marrocos para que respeite a nossa riqueza do Sahara.
— E esses países pressionam…?
Não tanto como queríamos. Necessitamos de mais ajuda. Agradecemos a solidariedade, mas necessitamos de mais apoio. Se não houver pressões, , Marrocos não cederá. Marrocos quer apossar de tudo.
— Já o quiseram comprar…?
-Sim, muitas vezes. Marrocos ofereceu-me muito dinheiro, mas eu sempre recusei. Não posso atraiçoar a nossa causa. Amanhã posso morrer e tenho que saldar as minhas contas com Deus. Antes a Verdade que a mentira. Eu não quero enganar ninguém, quero estar bem com comigo mesmo. Eles quiseram comprar-me, mas não podem.
— Pretendem cortar as cabeças dirigentes ao movimento…?
Claro, é que nós somos uma organização e a organização tem maior capacidade de pressão que um mero conjunto de activistas. Os trabalhadores precisam de ganhar para poder sobreviver. É a lei da vida. A crise se nota na hora em que se pedem ajudas….
— SE vos deixassem viver das vossas riquezas naturais, tudo seria diferente….
Sim, porque temos pesca, fosfatos, petróleo, cobre, temos tudo. Temos as melhores minas de fosfatos do mundo e precisamente por isso não nos querem deixar ser independentes. Marrocos não reconhece o nosso sindicato persegue-nos pois não nos pode controlar…. Felizmente que somos reconhecidos por muitos países democráticos.
(Fonte: Canárias Social.com)