sábado, 19 de janeiro de 2013

Sahara, a última colónia (III): as consequências do abandono



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Diego Camacho López-Escobar, o autor do artigo, é coronel do Exército espanhol, diplomado em Operações Especiais, licenciado em Ciências Políticas e membro da Comissão Diretiva da APPA (Asociación para el Progreso de los Pueblos de África).
Realizou diversas missões de Inteligência e Cooperação na Guiné Equatorial, Costa Rica, Marrocos e França. É co-autor com Fernando J. Muniesa do livro: “La España otorgada” (Anroart Ediciones, 2005). Pertenceu à direção do Centro Superior de Información de la Defensa (CESID) (Serviços Secretos do Estado espanhol). Ver entrevista neste blog.


A estratégia de Kissinger, adotada pelo Presidente Gerald Ford, com o passar do tempo, revelou-se errada em relação a Marrocos. As previsões sobre a hegemonia alauita no Magrebe falharam graças ao espírito de resistência demonstrado pelos homens do deserto. A guerra tornou-se um bloco de chumbo para o desenvolvimento do país, uma vez que o país teve de dedicar uma grande quantidade de recursos para manter a ocupação militar, sem que tenha conseguido o controlo de todo o território. A Frente Polisário conta com uma parte do território libertado da ocupação marroquina, o que lhe concede um estatuto internacional importante face à manutenção do seu direito.

O sultão, por seu lado, explora os recursos económicos do território sem que seja notado que isso reverta para o bem-estar do povo saharaui e teve que construir um muro, testemunho da sua ilegal conquista. O muro é a mais clara demonstração do fracasso da invasão marroquina e das políticas de integração subsequentes.

J.F.K. disse, durante sua visita a Berlim em 1963, referindo-se ao muro construído na RDA, "Eu sou um berlinense ... é uma ofensa não só à história, mas a toda a humanidade; porque separa famílias, divide maridos e esposas, irmãos e irmãs; e divide um povo que deseja reunificar-se".

A existência desse muro torna ainda mais ridícula a proposta do Sultanato de conceder algo que não lhe pertence, uma «ampla» autonomia a um povo que se viu privado do seu direito pela força. Se Kennedy viajasse hoje ao Sahara também teria que dizer "eu sou um saharaui".

Em 1975, os norte-americanos também pensaram que uma pequena população nómada, territorialmente absorvida por Marrocos, com a mesma religião e cultura, seria integrada no reino sem maiores problemas, se não na primeira geração, pelo menos na segunda. Hoje, podemos afirmar que tanto as políticas de colonização como as de integração, formuladas por Hassan II, falharam e tornaram-se em meras políticas de repressão política e tortura. A razão é muito simples, os marroquinos nunca tiveram em mente a geminação com seus vizinhos do sul, mas apenas a posse do seu território e o seu domínio. Essa cegueira étnica de Rabat terá sido uma das principais causas de resistência dos saharauis ao sultão. Por isso a proposta marroquina de conceder ao Sahara uma ampla soberania não é credível, ao ser ditada pelas circunstâncias e ser, além disso, incompatível com o sistema de poder absoluto de que desfruta o nosso vizinho.

Mas, acima de tudo, a sua concessão é inviável porque nem Mohamed VI nem o seu país têm soberania sobre o Sahara e qualquer um de nós pode entender que não se pode dar aquilo que não é seu, no máximo, pode apoderar-se com o argumento da força, mas nada mais.

Controlada pelo lobby marroquino, uma vez mais, a política externa espanhola torna-se patética, empenhando-se em apadrinhar uma solução que só seria possível se os saharauis livremente a desejassem, mas não a troco de não celebração do referendo de autodeterminação.

Hassan II e os Reis de Espanha

As razões geoestratégicas que, em boa medida, aconselharam a "Marcha Verde" também desapareceram: em primeiro lugar, a hipótese que parecia mais perigosa, que tinha a ver com a instabilidade política em Espanha e Portugal não ocorreu; os dois países concluíram a sua transição política com a sua entrada na CEE e a sua incorporação nas organizações de defesa europeias. Em segundo lugar, o fim da Guerra Fria deixa sem sentido beneficiar militarmente um país do Magrebe, em detrimento dos seus vizinhos, em vez de se buscar o equilíbrio regional através do entendimento político, a cooperação económica e o livre acesso às matérias-primas existentes. Finalmente, hoje, o cenário mais perigoso não reside num país ou noutro tornar-se hegemónico na região, mas no ascenso e fortalecimento do integrismo fundamentalista islâmico e, este não aparece por geração espontânea, mas pelo fracasso das políticas económicas e sociais implementadas pelos diferentes regimes do Magrebe. Só uma modernização estrutural nestes países pode permitir uma distribuição mais justa da riqueza que permita desenvolver reformas políticas e sociais tendentes a uma maior participação dos cidadãos e que permita estabelecer um horizonte de esperança vital e sustentável. Caso contrário, o integrismo fundamentalista torna-se a única opção que resta a uma grande massa de pessoas que vivem no norte do Sahara.

A situação atual recomenda ajuda à modernização do Magrebe por parte dos países desenvolvidos num quadro de cooperação regional e não de confrontação bilateral. Colocar a ênfase na democratização desses países, como um imperativo categórico, é um erro já que o Alcorão é, além de uma doutrina, um guia de comportamento social; razão pela qual, neste momento histórico, a democracia não é viável na maioria dos países do Norte de África. Cada nação deve ser capaz de encontrar o seu próprio caminho seguindo as pautas da partilha, da solidariedade e da cooperação, mas sem impedir as crenças religiosas de ninguém.

Se a política auspiciada pelos EUA se baseava na defesa dos seus interesses no Mediterrâneo e, em última instância, em assegurar o apoio militar e logístico a Israel. A política externa francesa tinha por objetivo preservar a sua influência no Magrebe através da sua ação externa em Marrocos, Tunísia e Mauritânia. O primeiro desses três países era o único que tinha condições geográficas para deter as aspirações argelinas de acesso ao Atlântico. A manutenção da sua influência, uma vez as aspirações da Argélia frustradas, consistia em ver o seu papel de árbitro reconhecido na região, facto que era possível se retirasse as decisões sobre a descolonização do Sahara à última potência administrante: Espanha. E graças, também, à sua qualidade de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

Em 1975, Espanha viu-se apanhada no meio de uma tenaz. Por um lado, a sua situação política interna não a tornavam um aliado confiável para preservar os interesses dos EUA no Médio Oriente; por outro lado, o nosso vizinho do norte não equacionava a possibilidade de pôr em perigo a sua influência regional a ponto de reforçar o nosso Estado e a nossa reputação internacional. A nossa debilidade externa, ao contrario, beneficiava-o.

A abdicação das responsabilidades de descolonização por parte do último governo da ditadura, tinha uma causa moral profunda e era o resultado da cobardia de uma classe dirigente insegura do seu futuro e incapaz de fazer valer a legitimidade conferida pelo cumprimento do Direito Internacional, onde residia a sua força e o seu maior ativo para negociar com os EUA, com a França e também com a ONU.

O Presidente de Portugal na cerimónia
do 10º aniversário da independência de Timor-Leste

É interessante comparar o caso do Sahara com outro coincidente no tempo, o de Timor-Leste. A Indonésia, com uma população de cerca de 100 milhões de pessoas e o principal aliado dos EUA no Sudeste Asiático, tenta apoderar-se da colónia portuguesa que estava ainda por descolonizar. Portugal, localizado a vários milhares de quilómetros, com uma transição política muito delicada e uma situação económica precária, foi capaz de garantir a independência de Timor e impedir a ambição territorial do novo aspirante a colonizador, preservar o Direito internacional e pôr a salvo a sua reputação internacional.

A abdicação de responsabilidades políticas pelos mais altos cargos na organização do Estado espanhol, independentemente das suas ideologias, foi generosamente recompensada pelo sultão de Marrocos na forma de dinheiro, poder, ou ambas ao mesmo tempo. À custa, é claro, do prestígio internacional da nossa nação e, do que é mais importante, da vida de vários milhares de nómadas. A classe política emergente não foi melhor, apesar da posição inicial do PSOE a favor da autodeterminação dos saharauis, a diplomacia espanhola foi gradualmente se distanciando destes e assumindo, com o patrocínio francês, não só as teses favoráveis a Rabat mas, por vezes, condescendendo com as violações dos direitos humanos, como quando permitiu a entrada em Espanha de Aminetu Haidar, a quem havia sido proibida a entrada em El Aaiún, depois de lhe ter sido retirado ilegalmente o seu passaporte. Mas a nossa diplomacia não só sabe desculpar e dar cobertura às violações dos direitos humanos, também sabe desviar o olhar quando provocada, como quando concedeu com o “placet” (autorização) para ser embaixador em Madrid um saharaui desertor da Polisário, para quem os encantos do Sultão foram tão irrestíveis como para tantos personagens de nossa elite política.

Se se procura uma explicação para o facto de o governo espanhol estar a agir contra os interesses nacionais, quando a situação internacional mudou substancialmente…? Podem haver várias razões, mas a principal é que Marrocos conseguiu estabelecer em Espanha um lobby em que militam os políticos mais influentes da Casa Real, o governo e os partidos políticos. Nesta área, o trabalho desenvolvido por Hassan II e Mohamed VI revelou-se um sucesso.

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