terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Direitos humanos no Sahara Ocidental analisados no Senado francês



O Senado francês acolheu um importante congresso sobre o Sahara Ocidental. O problema do respeito pelos direitos humanos no Sahara Ocidental foi o objeto de uma intensa jornada de debate, realizada no dia 2 de fevereiro de 2013, no Senado francês. A iniciativa da senadora Leila Aíchi inscreve-se na linha traçada o ano passado com a realização da jornada de estudo sobre o Sahara Ocidental, organizada na Assembleia Nacional francesa no passado dia 3 de abril de 2012, por iniciativa do deputado Jean Paul Lecoq. Ambas as realizações, apesar das tremendas pressões, foram testemunho, no Parlamento francês, de que a opinião pública francesa mostra um crescente interesse pelo conflito do Sahara Ocidental.

Erik Sottas

A jornada de debate no Senado permitiu ouvir intervenções de numerosos peritos que trataram a questão do respeito dos direitos humanos no Sahara Ocidental de diferentes perspetivas.

Após as apresentações da ‘praxe’, a primeira intervenção esteve a cargo de Erik Sottas, antigo secretário-geral da OMCT (Organização Mundial Contra a Tortura). Sottas fez parte da missão que a Fundação Robert Kennedy enviou ao Sahara Ocidental para conhecer in loco a situação dos direitos humanos no território. Sottas analisou o relatório preliminar e a importância da visita de Christopher Ross ao Sahara Ocidental, onde recebeu destacados líderes saharauis defensores dos direitos humanos nos territórios ocupados. Igualmente deu o seu testemunho sobre a missão realizada pela Fundação Robert Kennedy, relatando como as forças de ocupação marroquinas espancaram brutalmente uma mulher saharaui na presença da delegação da Fundação. Essa mulher sofreu gravíssimos ferimentos que motivaram a sua hospitalização.

De seguida, tomou a palavra Jean-Luc Onchelinx, antigo funcionário da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental que falou da pressão exercida por Marrocos sobre a MINURSO desde 1991, ano da sua constituição.

Depois chegou a vez de vários deputados, com o contributo de Jens Holm, deputado sueco que recordou que, na tradição democrática sueca, uma resolução do Parlamento deve ser cumprida pelo executivo (ferindo-se a propósito da resolução que reclama ao executivo sueco o reconhecimento da República Saharaui (RASD) como Estado livre e soberano). Referiu, a este respeito, que as opiniões públicas dos países livres, podem provocar dinâmicas que façam superar os interesses das grandes potências.

No mesmo contexto interveio a eurodeputada Nicole Kiil-Nielsen que falou sobre o trabalho que o Parlamento Europeu está a realizar a favor do respeito do Direito no Sahara Ocidental.

Carlos Martín Beristain
No termo da sessão da manhã falou a professora suíça Christianne Perregaux que fez uma profunda exposição sobre a evolução do conflito do Sahara Ocidental, afirmando que, em sua opinião, os anos 2011 e 2012 permitiram assistir a dois acontecimentos que caracterizam uma autêntica revolução na história do conflito do Sahara Ocidental: a organização, em finais de 2010, do acampamento pacífico de protesto de Gdeim Izik (com a posterior aniquilação salvagem do mesmo pelo exército marroquino a 8 de novembro de 2010); e a primeira visita ao Sahara Ocidental de um Enviado Pessoal do Secretário-Geral da ONU: a visita de Christopher Ross em novembro de 2012.

A sessão da tarde teve início com a exposição de Carlos Martín Beristain, que ante o Senado descreveu a sua obra “El Oasis de la memoria”. Um trabalho impressionante e impactante, que constitui uma autêntica “causa geral” contra a ocupação marroquina e se revela a história mais profunda e melhor documentada das violações de direitos humanos pelas forças de ocupação marroquinas no Sahara Ocidental. Uma obra IMPRESCINDÍVEL.

De seguida interveio Gianfranco Fattorini, representante na ONU do “Movimento contra o Racismo e pela Amizade dos Povos” (MRAP) que fez referencia ao trabalho da já extinta “Comissão de Direitos Humanos” da ONU e do atual “Conselho de Direitos Humanos” das Nações Unidas. Disse que, embora nenhum Estado tenha feito observações sobre o Sahara Ocidental quando, em 2008, Marrocos teve que apresentar a esse Conselho o seu relatório sobre a situação dos direitos humanos, já em 2012, na altura em que Marrocos voltou a apresentar o seu relatório foram 11 os Estados que teceram observações críticas, embora a pressão diplomática marroquina tivesse conseguido que no relatório final do Conselho essas observações fossem eliminadas.

Após a intervenção de um representante da “Associação Marroquina de Direitos Humanos” (AMDH), o professor de Antropologia Sébastien Boulay proferiu uma interessante exposição sobre um dos aspetos mais marginalizados na questão dos direitos humanos no Sahara Ocidental. A este respeito apontou duas questões básicas: a impossibilidade de se poder usar a língua autóctone saharaui, o hassania em nenhum tipo de atividade administrativa ou educativa e a proibição de montar “jaimas” (tendas tradicionais) (um elemento simbólico e cultural central na cultura saharaui) em numerosos lugares. Porém, sublinhou como a poesia hassania se converteu num poderoso instrumento de denúncia da colonização e dos colaboracionistas com o ocupante.

Finalmente, depois da intervenção de Ayachi Said, presidente do Comité Nacional Argelino de solidariedade com o Povo Saharaui, intervieram duas pessoas que participaram como observadores na primeira sessão do julgamento no tribunal militar que o Makhzen constituiu contra os 24 saharauis que participaram no acampamento de Gdeim Izik. Foram elas, Claude Mangin-Asfari, de nacionalidade francesa e esposa de um dos 83 presos políticos saharauis em prisões marroquinas, e França Weyl, advogada.

Entre as Intervenções finais cabe destacar a de Alexandra Kapitanskaya, do Strategic Conflict Resolution Group, que numa curta e densa intervenção abordou, entre outras coisas, uma das iniciativas mais interessantes e importantes que foram até agora concebidas para denunciar as violações dos direitos humanos em Sahara Ocidental. Refiro-me ao "Crowdmap" (mapa-multidão) sobre os direitos humanos no Sahara Ocidental.

É de justiça felicitar a senadora Leila Aichi e a Associação Francesa de amigos da República Saharaui (AARASD) pela organização deste evento que pode considerar-se um enorme êxito. Êxito pela sua realização no Senado francês e êxito pela sua organização. E Êxito pelo seu conteúdo.

Autor: Carlos Ruiz Miguel, Professor Catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela

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