sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Marrocos perpetra genocídio cultural no Sahara Ocidental


Marrocos pretende apagar da face da terra o povo saharaui, sua história e seu património. A primeira coisa que fez foi invadir o Sahara Ocidental, em 1975, lançar bombas de napalm, fósforo branco e bombas de fragmentação contra a população que fugia desamparada das suas casas sem nada, em busca de proteção. A memória do povo saharaui guarda para a eternidade, as centenas de vítimas civis dos acampamentos de Um Draiga e Tifariti, selvaticamente bombardeadas pela aviação marroquina.

Os poços de água no deserto foram envenenados e mais tarde encerrados. A população que se salvou fugiu para Tindouf, cidade argelina fronteiriça com o Sahara Ocidental e aí se instalou, até hoje, em acampamentos de refugiados. Os que ficaram, sofrem maus-tratos, torturas, assassinatos, desaparecimentos e toda a sorte de violações dos direitos humanos.

Os saharauis foram colonizados pelos espanhóis, comercializavam com base na permuta e as suas tribos eram governadas por uma Junta de Notáveis, chamada Conselho dos 40 ou Ait Arbayin. Foram nómadas e, na sua maioria, instalaram-se nas cidades fundadas pelos colonizadores espanhóis. É a única nação árabe de fala hispânica; e a sua língua é o hassanía, um dialeto árabe. É um povo cuja origem remonta maioritariamente ao Iémen, que se assimilou com as tribos berberes meridionais e, por isso, a sua linhagem diferencia-se da gente do norte, proveniente originalmente da Arábia.



Trajes tradicionais saharauis


A língua, os trajes e os costumes, tudo os distingue dos marroquinos e até nas fisionomias entre saharauis e marroquinos é possível ver como são diferentes.

Desde há 38 anos que Marrocos procura “marroquinizar” o Sahara Ocidental (tal como o fizeram os chilenos ao pretender “chilenizar” a peruaníssima Tacna antes de 1929). Além do afluxo invasor de colonos, nas escolas pregam apenas uma inventada história marroquina, o idioma francês, e as cidades, por exemplo, foram batizadas em francês (por exemplo, a capital El Aaiún, é chamada agora de Laayoune), os nomes das ruas foram trocados por nomes de individualidades marroquinas ou de membros da sua família real. As crianças saharauis queixam-se que “os professores dão melhores notas aos alunos marroquinas, ainda que faltem”. Censuram a arte livre saharaui. Os saharauis não podem usar o seu traje característico quando vão aos mercados porque não lhes vendem os produtos e obrigam-nos a usar a roupa marroquina. Procuram que a história saharaui não exista e procuram desacostumar os autóctones de usar os seus trajes tradicionais.

Do relatório das Nações Unidas se depreende que o ocupante não só pretende eliminar o património cultural imaterial, mas também o material que dá testemunho da história e da cultura do Sahara Ocidental. Por exemplo, em 2004, destruíram o Forte de Villa Cisneros, primeiro edifício construído por Espanha no Sahara Ocidental em 1884. Pretenderam demolir a Igreja Católica de Dakhla mas ante o escândalo e os protestos, retrocederam.

Após o acampamento de protesto de Gdaim Izik, que reuniu mais de 30 mil saharauis, em novembro de 2010, a potência ocupante também proibiu o uso da “jaima”, a tenda símbolo da identidade nacional saharaui. O Governo da República Árabe Saharaui Democrática (RASD) pediu à UNESCO que assumisse as suas responsabilidades para com o património cultural do povo saharaui e que, desde 1975, está exposto à ruina e à degradação por Marrocos.
 
Velho Forte de Villa Cisneros (Dakhla), mandado destruir
por Marrocos em 2004


"Mas o mais grave e revoltante é a emissão de um regulamento pelas autoridades marroquinas, através do Ministério do Interior, durante a primeira semana de março de 2013, que proíbe a levantar "tendas” (jaimas)"em cidades, bairros ou praias ", afirma o ministro saharaui da Cultura numa carta à diretora da UNESCO, Irina Bokova.

A destruição do património saharaui foi denunciada por Farida Shaheed, perita independente das Nações Unidas para os direitos culturais. No relatório por si elaborado afirma: “Relativamente ao sistema de ensino existente, afirma-se que, como os saharauis só aprendiam a história oficial de Marrocos, nada se lhes ensinava sobre a sua própria cultura nem sobre a sua própria história. A perita independente recorda que isso não está em conformidade com o artigo 29 da Convenção relativo aos direitos da criança nem com o artigo 5 da Declaração da UNESCO sobre a diversidade cultural”.
 
Igreja Católica de Dakhla (Villa Cisneros)
Marrocos proíbe também o uso de nomes saharauis, violando a mesma Convenção anteriormente citada, que dispõe no seu artigo 8: “Os Estados Partes comprometem-se a respeitar o direito da criança a preservar a sua identidade, incluídos a nacionalidade, o nome e as relações familiares em conformidade com a lei e sem ingerências ilícitas”.

Apesar do Reino de Marrocos ter aprovado com pompa e circunstancia a nova Constituição (para procurar evitar a “primavera árabe” no país), onde se diz respeitar a “cultura hassanía”, Shaheed menciona: “A perita independente também se inteirou, com preocupação, de que os saharauis não gozam nunca, na prática, do direito de registrar os seus filhos no registo civil com o nome que desejam, em particular, segundo a prática hassanía, de utilizar nomes compostos”.

(…) No caso do Sahara Ocidental, os marroquinos obrigam os saharauis a por um nome e um apelido, embora nos saharauis, seguindo um costume anterior ao Islão, o nome completo é constituído pelo nome do nascituro, o do seu pai e o do avô. Os próprios colonizadores espanhóis respeitaram esse costume. Como refere o advogado Haddamin Moulud Said “a atual lei do registo civil marroquino, aplicado pela força no Sahara Ocidental, impede os progenitores saharauis de dar aos seus filhos estes nomes: Mulay, Sidi e Lal-la. Impede-o porque só os membros da família real podem ostentar esses nomes. Quando, tanto no Sahara como também na Mauritânia, tais nomes são muito comuns e correntes”.

Os marroquinos construíram o muro militar de 2720 quilómetros, o maior do mundo, que divide o Sahara Ocidental em dois, a zona ocupada e a zona libertada pela Frente Polisario, único representante do povo saharaui reconhecido pela ONU e onde se constituiu a RASD. Ou seja, famílias separadas por um muro e com nomes e apelidos distintos, com idiomas diferentes (francês e espanhol), e distinto ensino da história.
Todo isso constitui um genocídio cultural, práticas racistas que recordam a filosofia e a política de discriminação racial do apartheid na África do Sul.

Fonte: La Primera / generaccion.com / Por Ricardo Sánchez-Serra*
*Periodista peruano. Membro da Imprensa Estrangeira em Espanha
Twitter: @sanchezserra
Blog: http://rsanchezserra.blogspot.com/
Email: sanchez-serra9416@hotmail.com

Sem comentários:

Enviar um comentário