terça-feira, 11 de março de 2014

Wikileaks, o 11-M e a mudança da política espanhola sobre o Sahara Ocidental



Quando se cumprem 10 anos do atentado que mudou o rumo da Espanha, persistem, embora isso desgoste a alguns, dúvidas importantes. O presidente da Sala Penal da Audiência Nacional que julgou o caso afirmou, nada mais nada menos, que "Diez años después, no sabemos quién dio la idea de atentar el 11-M". Dado que, no mínimo, esse aspeto está em aberto convém recordar a possibilidade de que "quem deu essa ideia" pretendia mudar a política espanhola. E mais em concreto, a política externa espanhola. E, mais precisamente ainda, a política exterior sobre uma questão essencial: o Sahara Ocidental.

I. O MINISTRO MORATINOS APONTA, PUBLICAMENTE, A CONEXÃO ENTRE O 11-M E O CONFLITO DO SAHARA OCIDENTAL
No dia 15 de julho de 2004, o então ministro de Negócios Estrangeiros, Miguel Ángel Moratinos Cuyaubé, participou nos cursos de verão do El Escorial. Ali proferiu umas declarações que, na altura, foram recolhidas pelas agências EFE e EUROPA PRESS, e que hoje são quase impossíveis de encontrar.

“hoy es imposible” realizar un referéndum en el Sahara “sin un mínimo de acuerdo”, porque se “desestabilizaría” el Magreb. A su juicio, si no se alcanza una solución aceptable para todas las partes “seguiremos teniendo situaciones como la que vivimos el 11 de marzo en Madrid”.


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II. O DIRETOR-GERAL PARA A ÁFRICA DO NORTE DO MNE ESPANHOL APONTA, SECRETAMENTE, A CONEXÃO ENTRE O 11-M E O CONFLITO DO SAHARA OCIDENTAL
As declarações de Moratinos não foram fruto da improvisação. Num despacho secreto da Embaixada norte-americana em Espanha e com data de UM DIA ANTES, a saber, 14 de julho de 2004, o Conselheiro político da embaixada dos Estados Unidos informa da sua conversa com Álvaro Iranzo Gutiérrez que, desde maio de 2004 até julho de 2008, foi Diretor-Geral de Política Exterior para o Mediterrâneo, Próximo Oriente e África.
Nesse despacho revelado por Wikileaks e ao qual, surpreendentemente, NINGUÉM se referiu, afirma-se, textualmente:

4. (C) Noting recent press statement by Moratinos, PolCouns asked whether the new Spanish government had adopted a new policy on the Western Sahara. Iranzo responded by expressing support for the broad outline of the Baker Plan but said Spain is seeking a new "approach" to overcome the impasse over the issue of the Polisario referendum.
(...)
5. (C) Iranzo acknowledged that Spain's new approach carries international and domestic risks. President Zapatero, Minister Moratinos, and State Secretary for Foreign Policy Bernardino Leon have been consulting with France, Morocco, Algeria, and the Polisario on the Western Sahara issue. Iranzo said that the GOS is concerned that failure in the Western Sahara would jeopardize the MINURSO mandate, radicalize Moroccans, and possibly increase illegal immigration and terrorism in Spain.

Traduzido:
4. (C) Observando uma recente declaração à imprensa de Moratinos, o conselheiro político (da embaixada dos EUA) perguntou se o novo governo espanhol havia adotado uma nova política em relação ao Sahara Ocidental. Iranzo respondeu expressando o seu apoio às linhas gerais do Plano Baker, mas disse que a Espanha está procurando uma nova "abordagem" para superar o impasse sobre a questão do referendo da Polisario (sic).

 (...)
5. (C) Iranzo reconheceu que a nova abordagem de Espanha envolve riscos internos e externos. O Presidente Zapatero, o ministro Moratinos e o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Bernardino León, têm consultado França, Marrocos, Argélia e a Frente Polisario sobre a questão do Sahara Ocidental. Iranzo disse que o Governo da Espanha está preocupado porque um fracasso no Sahara Ocidental poderia pôr em risco o mandato da MINURSO, radicalizar os marroquinos e, provavelmente, aumentar a imigração ilegal e o terrorismo em Espanha.

As declarações de Iranzo não foram as únicas.
Num outro despacho, datado de 1 de outubro de 2007, e igualmente ignorado, de forma não menos surpreendente, pelos media, diz Iranzo:

8. (C) DG Iranzo talked at enormous length about the Spanish perspective on Western Sahara; about the importance of the Maghreb to Spain; and about Spanish concerns about terrorism coming from or through the Maghreb. "Western Sahara is our Iraq," said Iranzo

Traduzido:
8. (C) O Diretor-Geral Iranzo falou muito extensamente sobre a perspetiva espanhola acerca do Sahara Ocidental; sobre a importância do Magrebe para Espanha; e sobre as preocupações espanholas em relação ao terrorismo proveniente de ou através do Magrebe. "O Sahara Ocidental é o nosso Iraque", afirmou Iranzo.



III. ANTECEDENTES: AS AMEAÇAS DE MARROCOS EM 1973
As ameaças marroquinas do Makhzen tinham antecedentes.
Num outro despacho do Departamento de Estado datado de 31 de março de 1973, também revelado recentemente por Wikileaks e, tal como os anteriores, inexplicavelmente ignorado pela imprensa espanhola, diz-se:

1. When Ambassador Rockwell in Washington March 30 asked Moroccan FonMin Benhima what was the outcome of the meeting between himself and Spanish FonMin Lopez Bravo in Rabat march 26. Benhima replied that he had spoken categorically to Lopez Bravo. He said that if Spain intended to present Morocco with fait accompli of referendum which would result either in decision of continued association of Spanish Sahara with Spain or for independence, Morocco would create situation of great insecurity for Spain in Sahara and had means to do so. (el original contiene el párrafo íntegramente en mayúsculas).

Traduzido:
Quando o Embaixador Rockwell perguntou a 30 de março, em Washington, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros marroquino Benhima qual foi o resultado do seu encontro com o Ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol López Bravo em Rabat a 26 de março, Benhima
respondeu que ele tinha falado em termos categóricos a Lopez Bravo. Disse que se a Espanha pretende apresentar a Marrocos o facto consumado de um referendo que pudesse resultar na decisão de continuar a associação do Sahara Espanhol com Espanha ou a independência, Marrocos criaria uma situação de grande insegurança a Espanha no Sahara e que tem meios para o fazer.


IV. A INTERPRETAÇÃO DE GABRIEL ALBIAC SOBRE AS DECLARAÇÕES DE MORATINOS
Na sua obra "Contra los políticos" (Temas de Hoy, Madrid, 2007), o prestigiado Catedrático de Filosofia e conhecido colunista de imprensa Gabriel Albiac, conhecendo só então as declarações de Moratinos (as de Iranzo foram reveladas por Wikileaks tempo depois de ter a sua obra), afirma (página 63):

Lo ha dicho Moratinos, vicario alauí ante Zapatero. No se admiten preguntas. “Lo único que importa es que la relación con el Rey de Marruecos sea buena.” Seamos humildes súbditos. No vaya a ser que profetice. Nuevamente Moratinos, 15 de Julio: si interferimos la anexión por Mohamed del Sahara, “seguiremos teniendo situaciones como la que vivimos el 11 de Marzo en Madrid”.
Todo quedó en hipótesis. Pero, pasado el ecuador de la Legislatura, el Sahara fue entregado a Marruecos. Sin condiciones.

O que diria hoje Albiac se conhecesse as palavras de Iranzo: "El Sahara Occidental es nuestro Iraq"?


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