Mohamed Radi Ellili. foto: Rafa Avero |
Os direitos humanos não são respeitados em Marrocos. Muito
menos nos territórios ocupados à força do Sahara Ocidental. Rabat teme os
saharauis. Ainda que possam beijar a mão do rei. Quem o afirma é Mohamed Radi
Ellili, jornalista saharaui, que viu truncada a sua carreira profissional,
porque disse que foi demitido e impedido de ter acesso à sede da Sociedade
Nacional de Rádio e Televisão de Marrocos, a televisão pública marroquina, onde
apresentava o noticiário do horário nobre.
Artigo de Rafa
Avero l 21 abril, 2014
Mohamed Radi é, tecnicamente, espanhol. Nasceu em El Aaiún
em agosto de 1975, na então província espanhola, e capital do Sahara Ocidental
posteriormente ocupada por Marrocos, cuja soberania não é reconhecida pelas Nações
Unidas. Mohamed Radi sente-se marroquino.
Em 1999, acabados os estudos de jornalismo radiofónico, começa
a trabalhar, sem contrato, para a Televisão Nacional em Rabat. Ganhando muito
menos que os seus homólogos de origem marroquina. “Pagavam-me um salário de subsistência,
sem descontos para a segurança social e sem cobertura sanitária, apesar de fazer
o mesmo trabalho que os meus companheiros”, relata na sede da Asociación Noun
de Saharauis Marroquíes, em Tenerife, grupo que o apoiou durante o início da
ronda internacional que empreendeu para recolher apoios para a sua causa.
No início, foi correspondente da televisão saudita MBC e apresentador
da cadeia iraniana de televisão Al Alam, em Teerão. No ano de 2006, ao licenciar-se
simultaneamente em jornalismo televisivo e sociologia, é finalmente contratado pela
Sociedade Nacional de Radiodifusão e Televisão de Marrocos (a cadeia pública
marroquina), mas sem que lhe tivesse sido reconhecido a sua antiguidade laboral.
É um bom profissional, está formado, e sai-se muito bem por
detrás das câmaras. Além disso é originário do Sahara Ocidental, das “províncias
do Sul”, como o designa Rabat, no seu ímpeto colonizador, e ele próprio. Um diamante
em bruto para a realeza alauita, que o utiliza para dar uma imagem de
normalidade, de igualdade de oportunidades e de espelho onde se possam olhar os
jovens saharauis que vivem nos territórios ocupados.
Mohamed Radi sabe-o, e presta-se a isso. Quer, segundo nos conta,
“ser o laço de união entre todos os saharauis, os que vivem no norte, no sul e
os exiliados”. Quer, com o seu exemplo, convencer, sobretudo, os que vivem nos acampamentos
de refugiados de Tindouf, de que é possível viver bem, e em paz, sob o regime de
Mohamed VI. Depressa, porém, descobriria que não é assim tão fácil.
Corre o ano de 2004 e trabalha sem contrato. É um saharaui
preparado academicamente, que trabalha para a sua cadeia de TV apresentando os
informativos em El Aaiún. Dois anos depois
contratam-no; recorda: "Promovem-me e colocam-me em Rabat, onde após a
apresentação de telejornais em diferentes horários atribuem-me o telediário de
maior audiência." Bate recordes no horário nobre. "O meu telejornal
era, de longe, o mais visto, em comparação com os de outras cadeias. O estudo registado
pela empresa Maroc Metri atribui-me os melhores registos de audiência: com um
share de 40% ", afirma com orgulho.
O jornalista trabalha sob as ordens de três diferentes diretores
informação, mas sua posição era inamovível. É a imagem da informação televisiva,
o único apresentador saharaui, a face visível de um processo normalizador de
integração de saharauis na vida marroquina, como interessa mostrar o regime
reinante. A sua empresa patrocina-lhe, inclusive, vários cursos de
especialização em França e na BBC, em Londres.
É enviado especial a diferentes partes do mundo, confiando-lhe
também a cobertura das cinco rondas de negociações entre Marrocos e a Frente
Polisario. A sua vida profissional e pessoal sorriem-lhe. Até ao momento em que
— relata —, Fátima Barudi desembarca na direção dos serviços de informação.
“Esta senhora não se fia em mim dada as minhas origens do
Sahara — lamenta-se — concede-me um tratamento vexatório. Nunca me chama pelo
meu nome, refere-se a mim como o “saharaui da jaima”. Não me deixam apresentar
resultados de eleições e proíbem-me de viajar para cobrir diferentes eventos de
interesse. Nos últimos três anos só me deixaram viajar uma única vez. Proíbem-me
de escrever e titular as notícias que devo apresentar”.
Mohamed Radi assegura que começou então a morder o pó. Esta
diretora dos noticiários remete uma informação escrita aos seus superiores
afirmando que tinha “perdido a confiança” no seu apresentador estrela, culpando-o
de uma falta profissional. Castigam-no com uma suspensão de emprego e deixam de
lhe pagar salário durante oito meses. Uma vez reintegrado no seu posto de trabalho
sucedem-se os episódios de perseguição laboral. Pede uma semana de folga e ao regressar
à sede do seu posto de trabalho, no dia 17 de junho de 2013, o segurança
proíbe-lhe a entrada, segundo diz, acatando ordens dos seus superiores, mas sem
identificar ninguém. É oralmente demitido sem quaisquer documentos que
comprovem isso.
O apresentador estrela dirige-se então aos tribunais penal e
de trabalho, onde interpõe as correspondentes ações para que lhe sejam restituídos
os seus direitos. Assegura que é apoiado por mais de 30 diferentes associações de
advogados, de direitos humanos e por distintos setores da sociedade civil de
Marrocos, onde realizou uma viagem por 17 cidades denunciando o seu caso. Escreveu
a todos os partidos políticos de Marrocos e “embora a nível pessoal me afirmem
o seu apoio e solidariedade — entre eles 39 deputados —, nenhum partido me
respondeu”.
A sensação que tem Mohamed Radi é que é insultado por ser
saharaui, e rotulado de "suspeito de dar informações privilegiadas e
confidenciais à Frente Polisario." O facto de ter dois primos — Mahjoub
Salek, líder da FP, e o líder histórico Ahmed Mohamed Lamin, que chegou a ser primeiro-ministro
da República Árabe Saharaui Democrática —, reforça as acusações dos diretores do
organismo público. "Não tenho nenhuma relação com os meus primos e não
compartilho os seus pontos de vista sobre o conflito do Sahara, como é
sabido," defende-se Radi, que afirma perentório: "São desculpas para
esconder as suas verdadeiras razões. Têm inveja profissional e são racistas".
Racismo marroquino para com o povo do Sahara Ocidental. O
mesmo racismo que, diz Mohamed Radi, “só ouvia falar nos meus tempos na
universidade, em Rabat, e agora coube-me a mim também sofrer. Muitas pessoas do
Norte pensam que nós saharauis somos preguiçosos, que não temos formação, não
temos nível intelectual. Quando apresentava os noticiários perguntavam-me se eu
era realmente saharaui, diziam que pela minha imagem e aparência não parecia. A
minha própria diretora, (e há 19 anos que vivo em Rabat), dizia-me que aquele não
era o meu lugar, e devia voltar para o sul. O meu sucesso profissional, sendo
saharaui, incomodava-os. "
Considera que a expulsão de um jornalista saharaui do organismo
público, sem qualquer justificação, pode influenciar negativamente a opinião dos
saharauis sobre a televisão estatal de Marrocos. Ainda assim, reconhecendo o
poder que exerce a “entourage” real, muito mais do que o próprio Governo,
confia que "o rei Mohamed VI não permita que o meu problema possa afetar o
conflito Sahara. Não há nenhuma razão para a minha demissão, e o Saharauis podem
pensar que eles poderiam passar pelo mesmo. O problema é que o marido de Fátima
Barudi [ a sua ex-diretora] é Doudi Mohamed, chefe do Gabinete de Informação da
Casa Real".
Assegura que "a Administração não tem fundamentos que motivem
a minha demissão, por isso, quiseram politizar a questão acusando-me de ser um
agente secreto infiltrado."
O seu problema é ser
saharaui ou a falta de liberdade de imprensa em Marrocos?
As duas coisas. Querem-me afastar para que os saharauis não
tenham pessoas que os representem nos Órgão de Comunicação Social.
Conhece Ali Anuzla, o
jornalistas detido em Rabat que se manifestou a favor da ampliação de
competências da Missão das Nações Unidas para o Sahara Ocidental, MINURSO, no
âmbito da vigilância do cumprimento dos direitos humanos no Sahara Ocidental?
Conheço o seu caso, é saharaui, mas não o conheço pessoalmente,
e recomendaram-me até que não o faça, para não converter o nosso problema num conflito
político saharaui.
No Sahara Ocidental a
população saharaui queixa-se de falta de oportunidades, de ser maltratada pela polícia
marroquina…
É possível que isso seja verdade em cinquenta por cento. Os
próprios saharauis facilitam essa conduta, que a Administração marroquina não os
respeite. Os marroquinos creem que a população saharaui que se manifesta fiel ao
monarca fá-lo por puro interesse. Eu poderia ter conseguido um subsídio para viver
no Sahara e não fazer nada, como fazem muitos saharauis. Estou fazendo história
porque através de mim se estão dando a conhecer problemas latentes. E quem o
faz é um jornalista saharaui, coisa que não nenhum jornalista do norte, de
Casablanca ou de Tânger. Não tenho nada a temer. Poderia trabalhar em qualquer
país árabe, mas quero fazê-lo na televisão de Marrocos. Para já ganhei a batalha
da comunicação, da defesa dos direitos humanos.
A propósito. Durante este
mês vai-se discutir na sede das Nações Unidas a ampliação das competências da
MINURSO em relação aos direitos humanos no Sahara Ocidental. Está a favor?
O meu caso é a prova evidente de que não se respeitam os direitos
humanos. O meu pai, que vive em França, está muito preocupado. Nasceu em El Aaiún
e emigrou para Paris em 1970.
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