quinta-feira, 1 de maio de 2014

Brahim Dahane: ‘É preferível morrer que viver com medo’




Numa radiosa manhã de segunda-feira na Biblioteca Britânica em Londres, conheci Brahim Dahane, defensor saharaui de direitos humanos [Brahim Dahane é presidente da Associação Saharaui das Vítimas de Graves Violações dos Direitos Humanos. Foi preso pelas autoridades marroquinas de 1987-91, 2005-2006 e 2009-2011]. Com voz calma, falou através de um tradutor acerca da liberdade de movimento, a liderança saharaui e a Missão das Nações Unidas para o Referendo do Sahara Ocidental (MINURSO). As conversações anuais para renovar o mandato da MINURSO iniciaram-se a 17 de abril e esta semana os membros do Conselho de Segurança votam se se deve incluir a vigilância dos direitos humanos na missão de paz, algo que até agora tem estado estranhamente ausente [Nota: o conselho votou a 29 de abril a resolução mas, mais uma vez, não foi incluído dentro das funções da MINURSO a vigilância e o monitoramento dos DDHH].

Pode-me falar da campanha que pede ao Conselho de Segurança da ONU ampliar o mandato da MINURSO?

Desde que Marrocos e a Mauritânia ocuparam o Sahara Ocidental em 1975 até hoje, os saharauis sofrem todos os dias a tortura e a repressão. Fazemos um apelo à MINURSO para que assuma as suas responsabilidades a sério e que inclua a proteção e a vigilância dos direitos humanos saharauis. [O seu mandato desde 1991 tem sido o de vigiar o cessar-fogo entre as forças armadas de Marrocos e da Polisario, e de pôr em prática um referendo que permitiria aos saharauis a autodeterminação; este último objetivo não foi até agora conseguido.] Estamos desesperadamente necessitados desse acompanhamento. Anunciámos a campanha no Sahara Ocidental em janeiro de 2008. Desde então, temos organizado manifestações todos os dias 15 de cada mês e temos escrito muitas cartas ao Secretário-Geral da ONU. Os nossos pedidos são justos e só estamos pedindo direitos humanos para todos. Se a campanha não obtiver êxito, vamos prosseguir com a nossa luta.

Porque se envolveu na defesa dos direitos humanos?

O secretariado-geral da Amnistia Internacional Marrocos fez a mesma pergunta a um companheiro defensor dos direitos humanos. A sua resposta foi a seguinte: “No Sahara Ocidental entramos no campo dos direitos humanos não pela porta, mas sim pela janela”. A situação obrigou-nos a ser defensores de direitos humanos e ativistas, a vida obrigou-nos a isso. Em 1991, 320 de nós fomos libertados da prisão, tínhamos experimentado o desaparecimento forçado durante 3 anos e alguns durante 17 anos. Ninguém sabia onde estávamos, se estávamos vivos ou mortos. Quando fomos libertados, as autoridades marroquinas queriam humilhar-nos, queriam que fossemos um exemplo para todos os saharauis. Todos os dias tínhamos que ir à delegacia assinar e incentivavam colonos marroquinos e cidadãos saharauis a que não nos dessem trabalho e não tivessem nenhum contato connosco: isso fez-me querer mudar a situação.

Tem visitado Marrocos para aumentar a consciência sobre a ocupação dentro da sociedade civil e junto dos grupos marroquinos de direitos humanos. Encontra restrições para entrar no país?

Sem dúvida, pois é mais difícil para os ex-presos ir a Marrocos. Perguntam-me onde vou, com quem me vou encontrar. Os saharauis têm documentação de Marrocos e são considerados cidadãos marroquinos, mas são tratados de maneira diferente. Fui preso num aeroporto em Marrocos numa viagem de regresso depois de visitar os acampamentos de refugiados saharauis na Argélia em outubro de 2009 [estive preso até abril de 2011] .
[Nota: Um muro de 2.700 quilómetros separa os saharauis que vivem nos acampamentos de refugiados sob controlo da Polisario dos que vivem sob a ocupação marroquina do Sahara Ocidental. São muitos os saharauis que, desde há 40 anos, não vêm membros da sua família do outro lado do muro. Trincheiras, torres de vigilância armadas e sete milhões de minas terrestres tornam o muro impenetrável.]

Os saharauis têm uma liberdade de movimento limitada. Para si é difícil viajar para outros países?

Conseguir um passaporte marroquino não foi fácil; tiveram que passar muitos anos. Foi só depois de ter contactado com algumas embaixadas em 1999 — Estados Unidos, britânicos -. que fizeram pressão sobre as autoridades marroquinas para que nos concedessem a mim e a outros ativistas passaporte, que pudemos viajar. Em 2003, 13 de nós íamos a caminho de Genebra para uma conferência sobre direitos humanos. As autoridades marroquinas confiscaram-me o passaporte e só consegui obtê-lo de novo em 2007. Nunca se sabe o que te vai acontecer. Às vezes passar pelos postos de controlo [no Sahara Ocidental] e ter conversações com as autoridades e a polícia fazem-me perder a paciência e levanto a voz, mas devemos perseverar para conquistar os nossos direitos. Por exemplo, foi assim que viajei até aqui.

Houve  intifadas (levantamentos) no Sahara Ocidental em 2000 e 2005. As pessoas continuam resistindo hoje?

A Intifada ainda está em marcha, porque há outras maneiras de se manifestar. Todo o Sahara Ocidental está implicado, incluindo os acampamentos de refugiados da Polisario. A razão pela qual viajámos aos acampamentos em 2009, quando fomos presos, era criar uma ligação em ambos os lados do muro entre os ativistas saharauis de direitos humanos nos acampamentos e os cidadãos dos territórios ocupados. As manifestações sucederam-se, como o acampamento de Gdeim Izik em 2010, quando 20.000 saharauis protestaram pacificamente. Era um modo muito democrático de expressão. Saímos da cidade e estabelecemos um acampamento para demostrar a falta de direitos humanos e de direitos económicos e sociais. A Intifada está todavia em curso, às vezes há falta de recursos, e, por vezes tratamos de inventar novas formas de criar consciência.

Os 23 saharauis detidos após o acampamento de Gdeim Izik foram julgados o ano passado e apanharam penas de 20 anos a prisão perpétua. Tem esperança de que venham a ser libertados?

Estamos conscientes de que não cometeram qualquer delito e estão na prisão injustamente. Uma coisa importante é que todos os saharauis estão com eles; apoiamo-los e sabemos que estão inocentes. Eu sei a diferença entre ser apoiado pelos cidadãos e estar isolado na prisão. Não vamos deixar de consciencializar as pessoas sobre a sua situação até que estejam livres.

O povo saharaui sente que os líderes da Polisario no exílio os representam?

Certamente, e isso é algo que nós não só o dizemos aqui, afirmamo-lo em todas os lugares: a Polisario é o representante legítimo do povo saharaui. Os princípios da Polisario são algo que temos gravado na nossa consciência e no nosso coração, com o objetivo de alcançar a independência. Por que nos vinculamos à Polisario? Porque estamos num barco no meio do Atlântico e o Oceano Pacífico, necessitamos algo que nos represente, que nos una - o barco que nos levará a um lugar seguro. E depois de consegui-lo queremos ser um Estado moderno e democrático, aberto e respeitador de todos. Os marroquinos ficam nervosos quando lhes dizemos que a Polisario é o nosso representante e que todos estamos a lutar pela mesma causa. A ONU e a UE reconhecem a Polisario e há representantes da Polisario nas embaixadas de muitos países [o governo da Polisario no exílio representa o Sahara Ocidental como um Estado membro da União Africana, de que Marrocos se retirou em sinal de protesto].

Enfrenta a represálias depois de falar com jornalistas como eu?

Ninguém me obrigou a fazer este tipo de trabalho. Não tenho medo, tenho uma experiência de 30 anos com todo o tipo de torturas. Uma ocasião, depois de ser posto em liberdade, estive em coma durante 33 dias. Inclusive, se morrer, então poderei descansar. Estou convencido do que estou a fazer. Há duas semanas [no Sahara Ocidental] decidi tomar um pouco do meu tempo para praticar um desporto e fi-lo num lugar isolado; era tranquilo, mas era perigoso. Os meus amigos disseram-me que não voltasse a fazê-lo. Mas todos vamos morrer de alguma maneira. O que sei é que eu não quero viver com medo nunca mais. Quero uma vida normal. É melhor morrer que viver com medo.

Quais as suas esperanças para o futuro?

Espero que as nossas metas se concretizem — que o Sahara Ocidental alcance a independência. E espero que o povo saharaui aprenda com os sofrimentos a que foi submetido todos estos anos — que viva em paz e tenha respeito entre si e não construam um Estado fracassado. Esperamos conquistar a independência e que venha visitar-nos no nosso país independente.

Tem a palavra. Reflexões finais?

A Grã-Bretanha é a mãe das democracias - é uma democracia moderna, os britânicos sofreram guerras e conflitos, mas agora mudaram e tratam os outros com respeito. Espero que o povo britânico possa valorar isso, mas que também o apliquem aos demais, agora que têm influência, para tentar ajudar a causa saharaui e alcançar a paz. Espero que os sindicatos ajudem a resolver o problema do Sahara Ocidental. Tudo o que pedimos é que se ponham do lado da justiça e dos direitos humanos, que os cidadãos se coloquem do lado da justiça.

Entrevista concedida a  27 de abril de 2014

*Fonte: New Internationalist Blogs Por Lydia James | 22 de abril de 2014

*Tradução p/ espanhol: Poemario por un Sahara Libre

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