quarta-feira, 23 de julho de 2014

A vida dupla de Felipe González



Poucos espanhóis levam uma vida dupla tão definida como Felipe González. O ex-presidente [do Governo e antigo líder do PSOE] é um homem obcecado pelo dinheiro e a alta sociedade. Também é um homem feliz, uma vez que cumpriu os seus objetivos de se tornar rico e relacionar-se quase exclusivamente com as fortunas do planeta. Em Espanha, Felipe gosta de se vestir como um modesto professor de escola aposentado, algo intelectual, e dando a aparência de que acabou de sair do autocarro depois de uma viagem cansativa. Os seus hooligans, dentro e fora do PSOE, acreditam nesta miragem que ele próprio criou de si mesmo. Quando viaja para fora do país – desloca-se frequentemente em avião particular – Felipe aproveita então para fazer tudo aquilo o que, por discrição, não pode fazer em Espanha.

O ex-presidente passa metade do ano na América Latina, sendo figura regular nas luxuosas mansões que as suas riquíssimas amizades possuem espalhadas por todo o continente. Felipe foi visto na reserva natural que o magnata Gustavo Cisneros, da Venezuela, tem em Carabobo, empresário a quem, durante o seu Governo, vendeu as Galerias Preciados após a expropriação da Rumasa. Cisneros faz de feliz anfitrião, porque comprou a empresa em 1984 por 1.500 milhões de pesetas e revendeu-a três anos depois por 30 mil milhões de pesetas. Nós, contribuintes, perdemos 28.500 milhões de pesetas na operação, mas entre eles nasceu uma bela amizade que ainda perdura. Felipe também conhece bem o palácio que a poderosa família colombiana Santo Domingo possui na ilha de Barú. Nesta casa, no Caribe, esteve como convidado em março de 2009, quando se representou a si próprio num conclave de magnatas da América Latina e onde não faltou a sua outra metade, [o mexicano] Carlos Slim, o homem mais rico do mundo.

Em Espanha, Felipe gosta de se vestir como um pensionista que não tem meios para sobreviver até ao fim do mês, mas em Tânger tem uma propriedade exclusiva com praia privada contígua à do Rei Mohamed VI. E têm-na como concessão afetiva concedida pelo sátrapa magrebino, já que o sevilhano manteve uma relação invejável com seu pai [o rei Hassan II]. A excelente sintonia de Felipe com Hassan II facilitou a intermediação do rei Juan Carlos e, acima de tudo, a chuva de milhares de milhões de dinheiros públicos que, sob a forma de créditos para a compra de militar espanhol, caiu em Marrocos vinda da Espanha quando Felipe mandava. Desconhecemos se foram inspirados pelo Palau da Música e na família Pujol para gerir esses fundos, mas é bem conhecida a sua propensão para a poesia catalã. O Rei Juan Carlos e Felipe González apoiaram-se continuamente nos anos oitenta e noventa, ajudando-se na realização de seus objetivos, facilitando sempre um o trabalho do outro. Também colaboraram em tarefas de Estado e de Governo.

De tanto lidar com as grandes fortunas internacionais, Felipe acabou por ganhar os seus hábitos. Os filhos dos muito ricos não trabalham, e nenhum dos filhos varões do ex-presidente – todos quarentões e com a família – tem ocupação conhecida. Felipe também teve o seu desejo de criar um fundo de capital de risco, uma forma controversa de investimento com muitos detratores dada a facilidade com que permite gerar capital travestido de sucesso de negócio. O fundo chama-se Tagua Capital.



Felipe é hoje o único dinossauro da política capaz de, em menos de 24 horas, ser beijado por donas de casa e receptores PER [subvenções ao emprego rural] nos redutos do PSOE da Andaluzia rural mais castigada pelo desemprego e pela corrupção do seu partido; dançar bachata na República Dominicana com uma multimilionária num palácio próximo da mansão de Carme Chacón [política do PSOE, exerceu vários cargos ministeriais] sob o olhar de Oscar de la Renta [estilista e designer de moda dominicano, naturalizado norte-americano]. É entre os grandes bilionários onde se sente verdadeiramente confortável, as pessoas humildes que o aclamam nos comícios como uma estrela do rock, sempre as desprezou. No que respeita à gestão da imagem pública, Felipe González é um “aldrabão” profissional.


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