terça-feira, 15 de julho de 2014

Vai Filipe VI hipotecar o seu reinado ante Hassan II?



[Ontem, 14 de julho, Felipe VI iniciou a sua viagem a Marrocos]. É a sua terceira viagem oficial. Em minha opinião, uma decisão muito errada esta de visitar Marrocos antes de França. Mas o problema mais grave desta viagem não é tanto o seu enquadramento na agenda geral das visitas do novo rei de Espanha, mas sim o seu programa se se confirma que irá a homenagear o criminoso Hassan II. E isso - oh coisas da providência -, apenas dois dias depois do Exército marroquino ter assassinado um pastor no muro divisório do Sahara Ocidental construído pelo tirano alauita.

I - BREVE RECORDATÓRIA DE UMA EVIDÊNCIA DIPLOMÁTICA

Quando um Chefe de Estado programa uma visita a outro Estado há uma NEGOCIAÇÃO sobre o programa. Em Espanha, muitos fingem ignorar esses dados; e outros, o que é pior, realmente o ignoram. Um chefe de Estado não pode ser OBRIGADO a fazer, numa visita oficial, o que não QUER  fazer. É evidente que se uma das partes insiste na inclusão de qualquer ato no programa em que não quer participar a outra parte então, em princípio,  estamos enfrentando uma descortesia diplomática INCOMPATÍVEL com uma relação de "amizade".

Quando uma das partes insiste em incluir um ato que a outra parte não aceita, das duas uma:
- ou a visita se suspende (alegando qualquer desculpa) porque o convidado se nega a aceitar a exigência do anfitrião
- ou se o convidado cede ante o anfitrião estará demonstrando escasso respeito por si próprio.

Tudo isto, claro, se falamos de um ato NÃO PRETENDIDO por uma das partes.


II. QUIZ FILIPE VI HOMENAGEAR O CRIMINOSO HASSAN II OU É UMA IMPOSIÇÃO DO MAJZEN?

Europa Press, num despacho de 13 de julho, noticiou o programa da visita. E nessa informação está incluida o dado escandaloso:

Os Reis farão a tradicional oferenda no Mausoléu de Mohamed V, onde está enterrado este monarca e o seu sucessor, Hassan II
 
Mohamed V (um teocrata absolutista que atacou Espanha) e Hassan II (um genocida que confessou ter feito uma chantagem intolerável a Espanha)
A notícia diz que Filipe VI vai fazer uma oferenda ("tradicional" diz-se, não sei porquê…) no Mausoléu de Mohamed V.
Em nenhum lugar está escrito que um chefe de Estado (ou um chefe de Governo, ou um ministro) DEVA homenagear Mohamed V (um teocrata absolutista que atacou Espanha) ou Hassan II (um genocida que confessou ter feito uma chantagem intolerável a Espanha).

Dado que, segundo os biógrafos, Filipe VI é um rei "preparado", suponho que não deve desconhecer os seguintes dados. Mohamed V foi um teocrata absolutista. Desde que Marrocos obteve a sua independência teve todo o poder e Marrocos nem sequer teve uma "Constituição" ou mesmo uma "carta outorgada". Mais, foi sob o seu reinado que, em 1957, grupos armados, financiados e apoiados por ele atacaram a Espanha no Ifni e no Sahara Espanhol. Morreram CENTENAS de espanhóis.

Mas como se isto fosse pouco, nesse mausoléu também está enterrado Hassan II.
Irá [Filipe VI] fazer também uma "oferenda" a Hassan II?
Que a monarquia marroquina, sob Hassan II, é responsável por crimes e violações dos direitos humanos não sou eu que o digo. Quem o reconheceu foi, nada mais, nada menos do que o próprio Mohamed VI, que instituiu uma denominada "Instância Equidade e Reconciliação" que se dedicou a conceder indemnizações às vítimas das violações de direitos humanos cometidos pelo seu pai, Hassan II. Quando o tirano estava vivo diziam-se as mesmas coisas que agora se dizem sobre o seu filho: Marrocos se está-se "modernizando", fazem-se importantes "reformas", etc., etc.
Tive ocasião de recordar aqui alguns episódios do seu sangrento reinado, como as matanças de Casablanca em 1965...

Conhecidos os dados anteriores, uma pergunta se impõe:
a- quis Filipe VI visitar o mausoléu desses dois...
b- ... ou lhe impuseram?

Se a resposta for a "a", podemos já fazer uma ideia do que significa a "regeneração" monárquica para Filipe VI.
Se a resposta for a "b", então temos já uma ideia sobre o seu caráter e personalidade.

Por enquanto, porém, não há ainda nenhuma instância criada para compensar as violações de direitos humanos causados por Mohamed VI. Teremos que esperar pelo seu sucessor ao trono e, de novo, a história se irá repetir mais uma vez: o rei "jovem" será moderno, amante da Espanha, reformista, etc.
 
 Brahim Budda Ould Taher, o jovem pastor saharaui
 assassinado pelo exércio marroquino de ocupação
 

III. UMA VISITA DOIS DIAS DEPOIS DE UM NOVO CRIME DO MAJZEN

Condenará Filipe VI este crime?
Condenará Filipe VI os incumprimentos do Direito Internacional pela monarquia alauita?

Da resposta a estas perguntas dependerá, muito mais do que ele possa pensar, o futuro do seu reinado.
O seu pai fundamentou o seu reinado na entrega do Sahara Espanhol calcando os compromissos solenes do Estado Espanhol. E assim terminou o seu reinado.

A forma como acabará o reinado de Filipe VI é da sua responsabilidade e dependerá das suas próprias ações. Ninguém lhas impõe. Será ele a decidir, são suas. E elas virão a receber elogios ou o desprezo.

Artigo de Carlos Ruiz Miguel
Prof. de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela

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