[Ontem, 14 de julho, Felipe VI iniciou a sua viagem a Marrocos]. É a sua
terceira viagem oficial. Em minha opinião, uma decisão muito errada esta de visitar
Marrocos antes de França. Mas o problema mais grave desta viagem não é tanto o seu
enquadramento na agenda geral das visitas do novo rei de Espanha, mas sim o seu
programa se se confirma que irá a homenagear o criminoso Hassan II. E isso - oh
coisas da providência -, apenas dois dias depois do Exército marroquino ter
assassinado um pastor no muro divisório do Sahara Ocidental construído pelo tirano
alauita.
I - BREVE RECORDATÓRIA DE UMA EVIDÊNCIA
DIPLOMÁTICA
Quando um Chefe de Estado programa uma visita a outro Estado há uma
NEGOCIAÇÃO sobre o programa. Em Espanha, muitos fingem ignorar esses dados; e
outros, o que é pior, realmente o ignoram. Um chefe de Estado não pode ser OBRIGADO
a fazer, numa visita oficial, o que não QUER fazer. É evidente que se uma das partes insiste
na inclusão de qualquer ato no programa em que não quer participar a outra
parte então, em princípio, estamos enfrentando
uma descortesia diplomática INCOMPATÍVEL com uma relação de
"amizade".
Quando uma das partes insiste em incluir um ato que a outra parte não
aceita, das duas uma:
- ou a visita se suspende (alegando qualquer desculpa) porque o
convidado se nega a aceitar a exigência do anfitrião
- ou se o convidado cede ante o anfitrião estará demonstrando escasso
respeito por si próprio.
Tudo isto, claro, se falamos de um ato NÃO PRETENDIDO por uma das
partes.
II. QUIZ FILIPE VI HOMENAGEAR O
CRIMINOSO HASSAN II OU É UMA IMPOSIÇÃO DO MAJZEN?
Europa Press, num despacho de 13 de julho, noticiou o programa da
visita. E nessa informação
está incluida o dado escandaloso:
Os Reis farão a tradicional oferenda no Mausoléu de Mohamed V, onde
está enterrado este monarca e o seu sucessor, Hassan II
Mohamed V (um teocrata absolutista que atacou Espanha) e Hassan II (um genocida que confessou ter feito uma chantagem intolerável a Espanha) |
A notícia diz que Filipe VI vai fazer uma oferenda
("tradicional" diz-se, não sei porquê…) no Mausoléu de Mohamed V.
Em nenhum lugar está escrito que um chefe de Estado (ou um chefe de Governo,
ou um ministro) DEVA homenagear Mohamed V (um teocrata absolutista que atacou Espanha)
ou Hassan II (um genocida que confessou ter feito uma chantagem intolerável a Espanha).
Dado que, segundo os biógrafos, Filipe VI é um rei
"preparado", suponho que não deve desconhecer os seguintes dados. Mohamed V foi um teocrata
absolutista. Desde que Marrocos obteve a sua independência teve todo o
poder e Marrocos nem sequer teve uma "Constituição" ou mesmo uma "carta
outorgada". Mais, foi sob o seu reinado que, em 1957, grupos armados,
financiados e apoiados por ele atacaram a Espanha no Ifni e no Sahara Espanhol.
Morreram CENTENAS de espanhóis.
Mas como se isto fosse pouco, nesse mausoléu também está enterrado Hassan II.
Irá [Filipe VI] fazer também uma "oferenda" a Hassan II?
Que a monarquia marroquina, sob Hassan II, é responsável por crimes e
violações dos direitos humanos não sou eu que o digo. Quem o reconheceu foi, nada
mais, nada menos do que o próprio Mohamed VI, que instituiu uma denominada
"Instância Equidade e Reconciliação" que se dedicou a conceder
indemnizações às vítimas das violações de direitos humanos cometidos pelo seu
pai, Hassan II. Quando o tirano estava vivo diziam-se as mesmas coisas que agora
se dizem sobre o seu filho: Marrocos se está-se "modernizando", fazem-se
importantes "reformas", etc., etc.
Tive ocasião de recordar aqui alguns episódios do seu sangrento
reinado, como as
matanças de Casablanca em 1965...
Conhecidos os dados anteriores, uma pergunta se impõe:
a- quis Filipe VI visitar o mausoléu desses dois...
b- ... ou lhe impuseram?
Se a resposta for a "a", podemos já fazer uma ideia do que
significa a "regeneração" monárquica para Filipe VI.
Se a resposta for a "b", então temos já uma ideia sobre o
seu caráter e personalidade.
Por enquanto, porém, não há ainda nenhuma instância criada para
compensar as violações de direitos humanos causados por Mohamed VI. Teremos que
esperar pelo seu sucessor ao trono e, de novo, a história se irá repetir mais
uma vez: o rei "jovem" será moderno, amante da Espanha, reformista,
etc.
III. UMA VISITA DOIS DIAS DEPOIS
DE UM NOVO CRIME DO MAJZEN
A visita de Filipe VI realiza-se dois dias depois de, no
sábado 12 de julho, o Exército marroquino de ocupação do Sahara Ocidental ter
assassinado, com um certeiro disparo na cabeça um pastor saharaui, deixando
gravemente ferido outro, na zona do muro construído pelo criminoso Hassan
II para dividir o Sahara Ocidental.
Condenará Filipe VI este crime?
Condenará Filipe VI os incumprimentos do Direito Internacional pela monarquia
alauita?
Da resposta a estas perguntas dependerá, muito mais do que ele possa
pensar, o futuro do seu reinado.
O seu pai fundamentou o seu reinado na entrega do Sahara Espanhol calcando
os compromissos solenes do Estado Espanhol. E assim terminou o seu reinado.
A forma como acabará o reinado de Filipe VI é da sua responsabilidade e
dependerá das suas próprias ações. Ninguém lhas impõe. Será ele a decidir, são
suas. E elas virão a receber elogios ou o desprezo.
Artigo de Carlos
Ruiz Miguel,
Prof. de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de
Compostela
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