domingo, 19 de outubro de 2014

Crisis entre França e Marrocos (IV): os wikileaks do makhzen




Carlos Ruiz Miguel, professor catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela, continua a elucidar-nos sobre os desenvolvimentos da crise diplomática que grassa entre França e Marrocos.  Leitura obrigatória!

A crise entre França e o makhzen, que estalou abertamente em fevereiro de 2014, longe de amainar, agrava-se. A convenção judicial franco-marroquina continua suspensa depois de um juiz francês ter desencadeado um procedimento contra o chefe da espionagem interna marroquina (Abdel-latif Hammushi) por várias ações que o acusam de torturas (uma delas pelo preso político saharaui Naama Asfari). O presidente francês François Hollande procurou acalmar os ânimos, mas tudo parece indicar que os ânimos se crisparam ao ponto de duas autorizadas vozes do makhzen terem acusado velada, mas claramente, a França de estar por detrás do "wikileaks do makhzen", importantes revelações feitas em nome de "Chris Coleman" sobre graves secretos do makhzen


I. A CRISE ENTRE FRANÇA E O MAKHZEN, UMA CRISE MUITO AMPLA

Ainda que os jornalistas espanhóis que se dedicam aos assuntos do norte de África praticamente não tenha tratado o tema (os que o fizeram), os leitores deste blog sabem que o primeiro desenlace nesta crise produziu-se quando, a 17 de dezembro de 2013, o então primeiro-ministro francês, Jean-Marc Ayrault, subscreveu um comunicado conjunto com o seu homólogo argelino onde ambos países pediam o cumprimento das resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o Sahara Ocidental. Isso mesmo foi referido neste blog, que também publicou, em exclusivo, que Ayrault, antes de ser primeiro-ministro, como porta-voz do grupo parlamentar socialista na Assembleia Nacional, tinha apoiado o referendo de autodeterminação do Sahara Ocidental.

A ordem emitida pela juíza de instrução de Paris, Sabine Kheris, a 20 de fevereiro pedindo a comparência do chefe da espionagem interna marroquina, Hammushi, para ser interrogado sobre a ações judiciais apresentadas contra ele por torturas foi um passo mais.

Neste contexto, Javier Bardem revelou, no seu documentário [Filhos das Núvens: A Última Colónia], as palavras que o embaixador da França na ONU, Gérard Araud, lhe havia proferido sobre Marrocos [foi esta a frase: «L'ambassadeur de France aux Nations unies, Gérard Araud, qu'on a rencontré en 2011, nous a dit que le Maroc est une maîtresse avec laquelle on dort toutes les nuits, dont on n'est pas particulièrement amoureux, mais qu'on doit défendre»]. Convem recordar que, então, foi afirmado que Araud ia pôr uma ação judicial contra Bardem porque aquelas palavras que atribuíram como "falsas" e, no entanto, não foi interposta qualquer ação judicial. Seria de justiça que os meios de Comunicação espanhóis que se lançaram a atacar Bardem lhe pedissem desculpas. Veremos se a sua "ética" jornalística lhes permite.

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