sábado, 2 de abril de 2016

Aziza Brahim, ativista e cantora saharaui: “O povo espanhol sempre nos apoiou; os Governos sempre nos atraiçoaram”




Mais, muito mais que uma intérprete mundialmente reconhecida pela sua música saharaui e africana. Porque Aziza Brahim, que esta sexta feiras atua apresentando o seu último disco — ‘Habbar el Hamada’ — na sala de espetáculo madrilena Conde Duque e uma semana depois fá-lo-á no Teatro Zorrilla de Badalona, é uma ativista a favor do direito de autodeterminação do seu povo, reconhecido pela ONU e atraiçoado por muitos Governos, a começar pelos sucessivos executivos de Espanha, pois o nosso país tem a maior responsabilidade pelo abandono em que deixou a sua então colónia em 1975. Aziza, cujo padre morreu nesta luta que dura há mais de quatro décadas, agradece ao povo espanhol o contínuo apoio e solidariedade com os saharauis.

– Achas que a música, a tua maravilhosa música, ajudará a resolver o problema do povo saharaui?

– Oxalá pudesse. É um problema político e como tal terá que ser resolvido de uma maneira totalmente política. A música ou a cultura pode contribuir para difundir a situação do povo saharaui.

– Certamente que tens muitos recitais por essa Europa onde levarás a tua música. Qual a resposta de um público tão diferente do espanhol?

– Surpreendeu-me muito comprovar a quantidade de seguidores que tem a minha música na Europa. Ver o público cantarolar as canções foi uma grande alegria para mim.



– Tens contactos com a tua gente nos acampamentos? Vais lá muitas vezes? Como é que as pessoas aguentam esta quase eterna espera?

– Claro, estou em contínuo contacto com a minha família que, na sua maioria, vive nos acampamentos. Vou sempre que posso, que não é tanto como gostaria. A espera torna-se desesperante, especialmente quando os governos europeus diminuíram a ajuda internacional, apesar das devastadoras inundações de Outono passado.

– Uma espera que inclui as agressões de Marrocos, que ultimamente se intensificaram…?

– Sim, mas as agressões são constantes. Nos territórios ocupados cada vez com mais dureza e impunidade. Ante as recentes declarações de Ban Ki-moon, Marrocos expulsou os observadores civis da MINURSO.

– Pode-se falar de traição o que fez o Governo espanhol quando da Marcha Verde e tudo o que se seguiu com o PSOE e o PP, apesar de em termos de princípios dizerem o contrário?

-Sim, pode-se e deve-se, porque essa é a palavra certa. Até que o Governo espanhol não assuma a sua responsabilidade no sucedido, pode-se considerar traição. Espanha tem uma responsabilidade de peso em tudo o que acontece com a população saharaui tanto nos territórios ocupados como nos acampamentos de refugiados e, por isso, é responsável de não haver descolonizado o território quando foi instada em muitas ocasiões a fazê-lo na ONU e, portanto, é um país chave na resolução do conflito, já que é o causador.

– Outro grave problema, para além de Marrocos, é o apoio que este país tem da França e dos Estados Unidos, o que torna as coisas muito piores para vós, não é?

– É incompreensível que neste século se continue a apoiar, por parte de um qualquer país, uma ocupação ilegal e não contribuírem todos esses países em procurar uma solução pacífica para o conflito. É incompreensível.

– Qual pode ser, então, a solução?

– Só há uma, que, além disso é a legal: a realização de um referendo de autodeterminação onde nós saharauis possamos exercer o nosso direito de voto para decidir sobre o nosso destino.

– Felizmente para vós, os espanhóis, em geral, comportam-se em sentido contrário aos dos seus governos. Até que ponto isso é importante?

– Sim, desde logo, felizmente a solidariedade internacional demonstrada pelo povo espanhol é admirável, sem ela não sobreviveríamos. Ele entende que até há pouco fazíamos parte da sua sociedade e que é inadmissível que nos encontremos na situação para onde nos empurraram os seus governantes. Foi sempre um apoio muito grande para nós.

– É admirável a vossa capacidade de resistência há já quatro décadas. De onde vos vem essa força?

-A força vem do convencimento na nossa dignidade como povo e na justiça da nossa luta.



Fonte: Diario Crítico / Por Emilio Martínez

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