«Ou nos exterminarão e não ficará nenhum saharaui sobre a face da terra ou conseguiremos a nossa independência e conquistaremos o nosso direito, arrebatando-o das mãos dos inimigos invasores, queiram estes ou não queiram» afirma o comandante Mohamed Lamin Uld Buhali.
Numa entrevista ao canal RASD-TV, o comandante Mohamed Lamin Uld Buhali fala com a autoridade de quem tem um longo percurso de vida, de luta política e militar. Fala com o bom senso de quem já viu e participou em duros e sangrentos combates, mas com a clareza de quem sabe que não que iludir a realidade. Uma conversa que vale a pena ouvir e que aqui é transcrita do artigo publicado no website Diário La Realidade Saharaui.
Membro fundador da Frente Polisario, Mohamed Lamin Uld Buhali assumiu o cargo de ministro de Defesa em 1989, substituindo Brahim Gali, o atual Secretário-Geral da Frente Polisario e Presidente da RASD. Gali havia ocupado o importante cargo desde o desencadeamento da luta de libertação nacional.
A entrevista com Mohamed Lamin Uld Buhali foi transmitida no canal de televisão saharaui RASD-TV na passada segunda-feira. O carismático dirigente militar analisa a actual guerra que os saharauis estão a travar num contexto diferente do anterior e a dinâmica com que esta vai ganhar a um Marrocos submerso em inúmeros problemas políticos, económicos e revoltas sociais, tanto no interior como no contexto regional africano e árabe.
“Pela nossa natureza, nós saharauis não são belicistas, somos amantes da paz e amantes da liberdade. Mas a independência exige e obriga-nos a retomar a guerra, isto é inevitável, impõe o combate como uma das vias usadas através da guerra. E por quê? Nós procuramos a nossa independência e para isso temos que fazer sentir ao ocupante, que não entende outra língua que não seja a da força, a da guerra” - afirma.
Nós levámos a cabo uma guerra de dezoito anos contínua, desde a sua primeira etapa, e que evidentemente foi excelente quanto à nossa capacidade nos combates, na quantidade de soldados inimigos capturados, nos equipamentos e armas que recolhemos, no que respeita aos territórios libertados, quanto ao domínio que impusemos a todas as forças inimigas. Uma guerra que desencadeámos com capacidades enormes, demonstradas pelo combatente saharaui e pela sua forte convicção. Desde o cessar-fogo (em 1991) até ao passado dia 13 de novembro, a situação transcorreu como nem paz nem guerra. Mas, aparentemente, era uma falsa paz, com armadilhas, e claro, a guerra estava paralisada pelas Nações Unidas, o Conselho de Segurança, as missões da MINURSO, as missões de cessar-fogo etc, etc. Todos eles não aportaram nada. E são mais de vinte anos sem nenhuma contribuição positiva que pudesse dar confiança ao povo saharaui, para que conseguisse o seu direito no mais breve tempo possível. Nem tampouco infundiu confiança ao combatente saharaui para deixar o combate. Porque a solução que se via é que ela ia-se desviando do seu verdadeiro itinerário. Nessa altura, não houve lugar para uma solução, nem para um cessar-fogo definitivo. E isso mostrou-nos que Marrocos é um país agressor ocupante, mau, desonesto, sem compromisso e as suas intenções são claramente sempre malévolas, porque é enganador.
Conhecemos o invasor marroquino desde o primeiro dia em que ocupou o Sahara em colaboração com a Mauritânia de então. Quando repartiu os territórios do Sahara com a Mauritânia, entregando-lhes a região de Dajla, e ficando eles com a região de El Aaiun, e estes são os territórios que se repartiram durante o início da invasão em 1975. A guerra prosseguiu então, por um lado, contra a Mauritânia e, por outro, contra Marrocos. Em circunstâncias especiais, a Mauritânia percebeu que a sua participação na guerra era um erro e, ao mesmo tempo, percebeu que a sua capacidade militar não lhe favorecia na continuidade da guerra e foi quando começou a procurar formas de dela se retirar. Enquanto Marrocos agia como o demónio que queria devorar a todos. Possuir o que tinha e depois o que tinha a Mauritânia, ocupando esse território. Antes não reivindicava a parte que tinha a Mauritânia. Mas quando a Mauritânia, após a entrega, declarou a sua retirada da zona sob o seu domínio, que era a cidade de Dajla, Marrocos começou a concentrar as suas tropas com o objetivo de conquistar essa região. Isto significa que a verdadeira razão da sua invasão não tinha razão nem pretexto; e que a sua intenção era eliminar o povo saharaui e apoderar-se do seu território. Então, para isso, o povo saharaui deveria ser atirado ao mar para que desaparecesse para sempre. Uma parte tinha a Mauritânia e a outra Marrocos, e quando a Mauritânia abandonou essa parte, Marrocos disse: conquistemo-la!
"Marrocos é conhecido desde o início por tentar esconder a realidade da guerra; desde 1975, na nossa primeira guerra de libertação, que isso aconteceu..."
Marrocos é conhecido desde o início por tentar esconder a realidade da guerra; desde 1975, na nossa primeira guerra de libertação, que isso aconteceu. No entanto, a intensidade das batalhas, o número de soldados capturados em suas fileiras, a dimensão das derrotas sofridas pelas Forças Armadas Reais (FAR), e sua expulsão dos territórios que havia ocupado, acabaram por desmascarar as suas pretensões e os seus discursos. E, ao mesmo tempo, desacreditou todos os seus argumentos, porque já não se trata de deturpações, mas sim de factos objectivos e evidentes no terreno. O mundo estava observando, territórios que se libertavam, os despojos da guerra, o número de soldados capturados e o número elevado de seus mortos e feridos nos combates.
Apesar de conhecermos a abismal desproporção entre os marroquinos e os saharauis. No entanto, a capacidade, a convicção e a moral com que o soldado saharaui está armado não são as mesmas que impulsionam o soldado marroquino. O soldado marroquino está empurrado para um lugar desconhecido do qual nada sabe e ignora o resultado e tampouco conhece os motivos que o empurram para terras de outros para morrer. O saharaui sabe que está a lutar pela sua pátria, terra pela qual deve cair pela sua libertação.
Quanto ao retorno da guerra, as circunstâncias e o pouco tempo que levamos nela desde o seu reatamento após a quebra do cessar-fogo em El Guerguerat pela parte marroquina (estamos falando de aproximadamente três meses atrás), se olharmos para a natureza das operações militares, vemos que são as mais adequadas para esta fase da guerra. Creio que para este cenário não existe outro formato, seja no que se refere à execução de ataques contra as forças marroquinas, seja no que se refere à resposta do exército saharaui contra as tropas marroquinas, tal como a resposta que os nossos meios de defesa aérea estão a dar às forças marroquinas, enquanto incursões aéreas e terrestres, para que a nossa resposta seja completa, forte, com os seus efeitos e as suas energias eficazes. E isto é o razoável, para que nos demos conta se estamos em uma guerra ou não. Quando estamos em guerra, envolvemo-nos nela até ao máximo. E isso é muito conhecido na personalidade do combatente saharaui, está envolvido até ao fundo. Mas quando vemos que não é o momento necessário, por razões ou circunstâncias, devemos entender que estamos em outros cenários que não nos permite este alcance. E é por isso que devemos parar quando o virmos necessário e voltar a pôr-nos em marcha no momento certo.
Creio que estas actuais circunstâncias nos levam verdadeiramente a entrar na guerra e sem reservas, seja quanto às nossas forças antiaéreas como terrestres. Marrocos está a demonstrar não ser um país sério em que se pode ter confiança, não oferece relações baseadas na seriedade, é um país falso.
"A questão é muito simples: conduzimos o primeiro ano da guerra de libertação em 1975 e prosseguimos o combate durante quase vinte anos ou mais. Poderá o mundo ter dúvidas sobre como o povo saharaui conduzirá o seu combate libertador...?"
Um dia pode estar ao lado dos sionistas ou com os norte-americanos, como em outras circunstâncias pode estar pregando contra a injustiça, seja como for. É um país conhecido pela maldade e ao malvado não se trata a não ser com a contundência da força. E essa força com que se responde deve ser mais contundente que a própria maldade do agressor para que entenda até onde pode chegar o alcance da sua agressão.
Penso que a questão é muito simples: conduzimos o primeiro ano da guerra de libertação em 1975 e prosseguimos o combate durante quase vinte anos ou mais.
Poderá o mundo ter dúvidas sobre como o povo saharaui conduzirá o seu combate libertador? ou questionar as batalhas do Exército de Libertação Sarauí? ou a veracidade das operações militares? o número de mortos? , o número de prisioneiros? a quantidade de material de guerra recuperado? , os aviões derrubados? , os tanques destruídos no terreno de batalha? Creio que aqui não deve haver dúvidas. Não restam dúvidas de que há aqui um povo saharaui cuja resposta foi e é contundente e segue com essa limpa resposta, que parte de uma força de dimensão inestimável.
Antes Marrocos tentou usar El Guerguerat [junto à fronteira com a Mauritânia, no extremo sul do SO], quando não é mais que um pequeno elo, para que esta zona se convertesse numa passagem de narcotráfico e de mercadorias do norte ao sul, ou seja, da Europa para a África. Era um objetivo que os marroquinos pretendiam e com esse modus operandi tentavam ganhar adeptos. Os saharauis não acreditavam que Marrocos pudesse violar esta parte do território, embora a resposta prevista não pudesse ser outra que pelas armas.
Mohamed Lamin Uld Buhali, há 43 anos, ao lado de Mohamed Abdelaziz, anterior SG da POLISARIO e Presidente da RASD, entretanto falecido |
Mas quando confirmámos que os marroquinos tinham atravessado a zona-tampão de El Guerguerat para o outro lado, isso já significava por si só que a guerra nos tinha sido imposta.
Tornou-se, assim, um assunto da competência do Ministério da Defesa e dos líderes sarauís. Mas acredito que a guerra tomará a sua verdadeira rota estipulada e mais eficaz nas próximas semanas e não ficará estacionada na atual dinâmica.
E aqui coloca-se uma interrogação: Qual seria o outro cenário fora da opção da guerra? E, na minha opinião, não há outra opção, porque estas opções se impõem por si mesmas e a opção da guerra foi imposta ao povo saharauí na época anterior e na atual. E nesta ocasião as razões são mais contundentes que na vez anterior. Marrocos é um país de ambições territoriais, é um país malicioso, a sua análise da situação está errada. Não respeita os direitos humanos nem respeita os donos da terra e sempre sonhou anexar territórios dos vizinhos seja como for, como fez no passado com a Mauritânia e como está fazendo com os saharauis.
Este é o modus operandi com que Marrocos atua, isto é: a agressão e a ambição. O povo saharaui está agora perante apenas uma opção, que é a de empunhar as armas com força e opor uma dura resistência ao ocupante até que este agressor se limite à razão e aceite a solução de acordo com o direito internacional, que é reconhecida pelas Nações Unidas e pelo Conselho de Segurança, a própria solução que as Nações Unidas organizaram através da MINURSO.
Há coisas que as pessoas são capazes de prever e outras não. Nós temos a convicção de que, sem uma guerra perseverante, não se pode recuperar o direito do povo saharaui. E esta é uma realidade firme. Porquê? Porque Marrocos não é um país que se interesse pelo direito dos povos, não é um país que vele pelo não derramamento de sangue, não tem essas preocupações. Não calcula os atropelos que comete contra os povos, não lhe interessa, o seu objetivo é ocupar e ocupar pela força. Nem se interessa em reconhecer os seus mortos na guerra nem em que se conheçam as suas derrotas. Esta é a nossa experiência da guerra anterior, porque é simplesmente um regime malvado, astuto, que conseguiu resistir a essa forte pressão interior e continuou a resistir como a resistiu nos primeiros anos.
Por isso acredito que a próxima etapa será decisiva e se determinará o confronto, porque o povo saharaui não tem outra opção que não seja a das armas, o combate que emana da própria experiência adquirida de dia e de noite e com continuidade até que consiga a libertação de todo o território. O combatente saharaui não é quem vai determinar o prolongamento da guerra, mas sim o próprio Marrocos, porque é o ocupante quem deve decidir quando cessará a guerra ou até quando continuará a desenvolver-se. E o povo saharaui continuará a lutar com determinação e bravura até ao dia em que Marrocos levantará a bandeira branca pedindo o cessar-fogo e exigindo uma solução.
Nesta guerra já não se trata de estimar ou subestimar cada geração buscando o peso de cada qual, porque o valor de uma geração é sua ação no terreno. Quantos aderiram às fileiras do exército saharaui, quantos são treinados, quantas capacidades estão a reunir-se, a sua capacidade em travar combates, a sua metodologia nas batalhas, as derrotas que se infligirão ao inimigo, e a estratégia para atacar as forças inimigas. São estas as gerações que libertam os povos, que conquistam os direitos, porque o inimigo não concede nenhum direito se não lhe for arrebatado.
"O povo saharaui trava uma guerra e aqui só há uma opção, uma vez que não lhe foi permitida outra..."
Estou certo de que as gerações saharauis não podem trazer uma solução sem que tenham desenvolvido os seus esforços com uma clara determinação na luta armada e apenas na luta armada, nem mais nem menos.
Trata-se de um miserável inimigo, sem moral, sem valores, ao qual só interessa matar os seres humanos, usurpar a terra dos outros, espoliar as suas riquezas, são estas as suas intenções. E o povo saharaui não deve esperar que Marrocos se humanize em algum momento, mas deve compreender que o inimigo marroquino é um inimigo sem piedade que continuará determinado em exterminar o povo saharaui.
Neste contexto, permitirá o povo saharaui que a sua existência seja eliminada e entregará as suas armas... ou o povo saharaui recusará entregar-se e rejeitará a sua aniquilação continuando a sua luta com determinação e sem contemplação? E este opção é a lógica, porque não há outra opção.
O povo saharaui é um povo limpo, que pela sua natureza não agride os outros povos, mas reivindica os seus direitos e nunca vai renunciar a eles. Como última palavra, o povo saharaui trava uma guerra e aqui só há uma opção, uma vez que não lhe foi permitida outra. Portanto, só lhe resta continuar a empunhar as armas e lutar até ao fim. «Ou nos exterminarão e não ficará nenhum saharauíi sobre a face da terra ou conseguiremos a nossa independência e conquistaremos o nosso direito, arrebatando-o das mãos dos inimigos invasores, queiram ou não queiram»
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