A sua casa está cercada e sob vigilância há mais de 3 meses. Os seus familiares e amigos são bloqueados, e impedidos de a visitar e à sua mãe e irmã. O ‘filme’ dos acontecimentos feito pela organização norte-americana “Humans Rights Watch”
(Washington) – 03 de março de 2021 - As forças de segurança marroquinas têm mantido uma presença forte e quase constante em redor da casa de uma ativista pela independência do Sahara Ocidental durante mais de três meses, disse hoje a Human Rights Watch. As autoridades marroquinas não apresentaram qualquer justificação e impediram várias pessoas, incluindo familiares, de visitar a casa.
A vigilância e as violações do direito da ativista Sultana Khaya de se associar livremente com outros, na sua casa em Bojador, no Sahara Ocidental, são emblemáticas da intolerância de Marrocos aos apelos à autodeterminação saharaui, desafiando a reivindicação marroquina para o território. Khaya é conhecida localmente pelas suas manifestações de veemente oposição ao controlo de Marrocos sobre o Sahara Ocidental. Ela protesta frequentemente na rua, a solo ou com outros, agitando bandeiras saharauis e entoando slogans de independência diante dos membros das forças de segurança marroquinas.
"As autoridades marroquinas podem muito bem não gostar das opiniões pró-independência de Sultana Khaya e do estilo in-your-face", disse Eric Goldstein, director interino do Médio Oriente e Norte de África da Human Rights Watch. "No entanto, falar pacificamente continua a ser um direito seu, e nada justifica o bloqueio da sua casa sem qualquer base legal".
Khaya regressou à sua família a 19 de Novembro de 2020, após uma visita a Espanha. Enquanto ela estava fora, membros das forças de segurança marroquinas invadiram a casa. Durante esta operação, atingiram na cabeça a sua mãe de 84 anos, disse Khaya à Human Rights Watch. Os agentes de segurança têm permanecido fora da casa desde então.
"As autoridades marroquinas há muito que mantêm um forte controlo sobre qualquer protesto público contra o domínio marroquino no Sahara Ocidental e a favor da autodeterminação do território."
A Human Rights Watch viu vários vídeos, filmados em várias datas entre 19 de Novembro e o presente, mostrando grupos de membros das forças de segurança em uniformes misturados com homens em roupas civis, alguns estacionados perto de veículos da polícia, no exterior da casa de Khaya, enquanto ela gritava slogans pró-independência a partir de uma janela ou alguns metros fora da porta da frente. Alguns mostram os homens a bloquear o caminho aos visitantes ou a afastá-los.
Desde 19 de Novembro, Khaya deixou a casa menos de uma dúzia de vezes, caminhando alguns metros enquanto filma os membros das forças de segurança com o seu telefone, regressando depois a casa. Disse que muitas vezes fica à janela agitando a bandeira Saharaui e entoando slogans de independência.
Khaya só se aventurou a afastar-se da sua casa uma vez desde 19 de Novembro, disse à Human Rights Watch. Em finais de Dezembro, disse ela, caminhou a cerca de 150 metros da sua porta, até que um grupo de membros das forças de segurança se reuniu perto dela. "Não me impediram nem me tocaram, mas senti-me ameaçada e temi pela minha vida, por isso voltei a pé para casa", disse ela.
As autoridades marroquinas há muito que mantêm um forte controlo sobre qualquer protesto público contra o domínio marroquino no Sahara Ocidental e a favor da autodeterminação do território. Espancaram ativistas sob a sua custódia e nas ruas, prenderam-nos e condenaram-nos em julgamentos marcados por violações do devido processo, incluindo tortura, impediram a sua liberdade de movimentos, e seguiram-nos abertamente. As autoridades marroquinas também recusaram a entrada no Sahara Ocidental a dezenas de visitantes estrangeiros nos últimos anos, incluindo jornalistas e ativistas dos direitos humanos.
A 18 de Janeiro de 2021, agentes policiais impediram um primo de Khaya de entrar na casa. Também empurraram brutalmente Khaya, que estava do lado de fora, fazendo-a entrar pela porta da frente, disse ela à Human Rights Watch.
A 13 de Fevereiro, enquanto filmava a polícia de uma janela aberta, Khaya foi atingida na cara por uma pedra atirada da rua por um membro das forças de segurança, segundo referiu. O Conselho Nacional dos Direitos Humanos, um organismo estatal marroquino, a 16 de Fevereiro, solicitou ao procurador de Bojador que investigasse o incidente.
"um agente da polícia tentou entregar-lhe uma convocatória para comparecer perante um procurador. Ela recusou-se a aceitar o documento, dizendo que não reconhecia a soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental, e portanto a sua jurisdição sobre ela."
A Human Rights Watch entrevistou Hassanna Duihi, um ativista saharaui pró-independência que vive em Bojador. Duihi disse que tinha tentado visitar Khaya quatro vezes desde Dezembro. Nas duas primeiras vezes, membros das forças de segurança uniformizados afastaram-no, não apresentando outra razão que não fosse o facto de terem "ordens", disse Duihi. A Human Rights Watch reviu um vídeo de um dos incidentes, fornecido por Duihi. Filmado de dentro da casa, o vídeo de um minuto corresponde à descrição do incidente feita por Duihi. Duihi pôde visitar Khaya nos dias 19 e 21 de Fevereiro de manhã cedo, disse ele.
No dia 21 de Fevereiro, por volta do meio-dia, um homem com roupa civil arrancou o telemóvel de Khaya da mão enquanto ela estava na rua à porta da sua casa, filmando membros das forças de segurança enquanto eles bloqueavam um visitante. Duihi e Babouzid Buihi, outro activista da independência que a Human Rights Watch entrevistou, testemunharam o incidente do interior da casa de Khaya, à qual Buihi também tinha chegado mais cedo nesse dia. Ambos os homens disseram que ela encenou um protesto à porta da sua casa até às 23 horas. O telefone foi colocado debaixo da sua porta meia hora mais tarde, mas Khaya disse que se recusa a usá-lo, temendo que tivesse sido instalado ‘spyware’ no mesmo.
A 23 de Fevereiro, disse Khaya, um agente da polícia tentou entregar-lhe uma convocatória para comparecer perante um procurador. Ela recusou-se a aceitar o documento, dizendo que não reconhecia a soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental, e portanto a sua jurisdição sobre ela. A Human Rights Watch não conhece a base para a convocação.
Em resposta a um inquérito da Human Rights Watch, a Delegação Inter-Ministerial para os Direitos Humanos de Marrocos declarou: "Nem (Khaya) nem a sua família estão sujeitos a qualquer forma de assédio ou vigilância". Acrescentaram que a 19 de Novembro, Khaya, de regresso das viagens, foi "saudada por um grupo de pessoas na rua, fora da sua casa", e que as autoridades instaram o grupo a "respeitar as medidas de segurança" em resposta à pandemia de Covid-19. Esse pedido, disseram, resultou na "perda de consciência" da mãe de Khaya por razões que não especificaram.
Khaya disse que nenhum funcionário local jamais mencionou Covid-19 como justificação para a presença contínua das forças policiais em redor da sua casa desde Novembro ou para bloquear alguns visitantes. Duihi disse que as autoridades marroquinas não tinham imposto medidas de segurança Covid-19 a Bojador para além do recolher obrigatório nocturno que tinham imposto em todo o território de Marrocos e do Sahara Ocidental controlado por Marrocos. Disse que, tanto quanto sabia, a polícia não manteve uma vigilância tão intensa em frente de qualquer outra residência privada na cidade e que a pandemia não tinha impedido vários acontecimentos na cidade, incluindo reuniões políticas pró-Marrocos.
A maior parte do Sahara Ocidental está sob controlo marroquino desde que a Espanha, antigo potência colonial do território, se retirou em 1975. Em 1991, tanto Marrocos como a Polisario, o movimento de libertação do Sahara Ocidental, concordaram com um cessar-fogo negociado pela ONU para preparar um referendo sobre a autodeterminação. Esse referendo nunca teve lugar. Marrocos considera o Sahara Ocidental como parte integrante do reino e rejeita as exigências de uma votação sobre a autodeterminação que incluiria a independência como opção.
"A pesada vigilância policial em redor da casa de Sultana Khaya ilustra a determinação de Marrocos em manter a pressão, incluindo psicológica, sobre aqueles que rejeitam a sua pretensão de soberania sobre o Sahara Ocidental", disse Goldstein.
Artigo no website da HRW AQUI
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