Nasser Bourita, MNE de Marrocos |
Os interlocutores europeus em Rabat sustentam que a crise é com toda a UE porque afeta a Alemanha e inclui a imigração, que é de tal modo preocupante para o Velho Continente.
EL CONFIDENCIAL - Ignacio Cembrero 23/05/2021 - Actualizado: 24/05/2021
"A crise é com a Espanha, não com a Europa". Os embaixadores de Marrocos em várias capitais europeias reiteraram esta mensagem ad nauseam. O próprio ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros, Nasser Bourita, repetiu-o em conversas realizadas durante a semana passada com o seu homólogo francês, Jean-Yves le Drian, com o Alto Representante da UE para a Política Externa, Jospep Borrell, e com o Comissário Europeu para a Vizinhança, Oliver Varhelyi. Talvez preocupada com a reação solidária da Comissão Europeia e dos Estados-Membros — incluindo a França na quarta-feira passada — com o governo espanhol, a diplomacia marroquina está a fazer um esforço para dissociar a Espanha do resto da Europa, com quem, sublinha, não tem qualquer contencioso.
Madrid quer que a Europa assuma a crise"
"Madrid criou uma crise e quer que o resto da Europa a enfrente", disse Bourita no domingo à noite numa entrevista à estação de rádio francesa Europe 1. A crise, segundo ele, começou com a hospitalização secreta em Logroño a 18 de Abril do inimigo público número um de Marrocos, Brahim Ghali, o líder da Frente Polisario, que luta pela independência do Sahara Ocidental, sob controlo marroquino desde que a Espanha se retirou da sua colónia em 1975.
A crise, porém, tem a sua origem na determinação de Rabat em fazer com que a UE no seu conjunto, ou pelo menos os seus membros mais relevantes, apoiem Marrocos no conflito do Sahara. Começou a 10 de Dezembro depois do então presidente Donald Trump ter reconhecido a soberania de Marrocos sobre a antiga colónia espanhola. O chamado "caso Ghali" tem sido apenas um pretexto para o agravar.
Os seus interlocutores europeus deram a Bourita uma resposta unânime: a crise é com a Europa como um todo. É por duas razões. Primeiro, porque Rabat também está zangado com o "peso pesado" da UE, a Alemanha, ao ponto de retirar o seu embaixador em Berlim no início de Maio. A cólera com a Alemanha também se prende com o Sahara. A diplomacia alemã marca ainda mais distâncias do que a diplomacia espanhola com a decisão de Trump.
É também com a Europa, em segunda razão, porque teve um aspecto migratório com a entrada em Ceuta de 8.000 pessoas, na sua maioria marroquinos, que foram quase todos devolvidos ao seu país. Isto vem juntar-se à crescente chegada de "imigrantes indocumentados" às Ilhas Canárias. Nos primeiros quatro meses do ano, aumentaram 134% em comparação com o mesmo período em 2020.
A imigração descontrolada deixa os governos europeus nervosos porque pode ter consequências eleitorais ao favorecer o populismo. A UE "não se deixará intimidar ou chantagear por ninguém" em matéria de migração, disse Margaritis Schinas, Vice-Presidente da Comissão Europeia, dirigindo-se a Rabat. Destacava assim a preocupação que o fenómeno migratório suscita no Velho Continente.
Sem contactos entre governos
"Desde o surto desta crise actual, não tem havido contacto com Espanha", revelou também Bourita, contradizendo as palavras pronunciadas horas antes pelo seu homólogo espanhol, Arancha González Laya. Por outras palavras, os ministros marroquinos não atendem o telefone aos seus homólogos espanhóis. Se não houver diálogo, é impossível resolver a disputa. Fontes diplomáticas espanholas qualificam, no entanto, que houve "meros contactos técnicos" para, por exemplo, organizar o repatriamento dos marroquinos que entraram em Ceuta.
O ministro assegurou que a solução para a crise está nas mãos da Espanha. "Se optar pela saída [de Ghali] da mesma forma que entrou, procura o agravamento da crise ou mesmo uma ruptura", disse ele. A "ruptura" significa, aos olhos de Rabat, a suspensão da cooperação anti-terrorista com Espanha, que já tinha sido cortada em Agosto de 2014.
O líder da Polisario foi acolhido porque estava gravemente doente. Entrou com um passaporte diplomático argelino emitido em seu nome, mas foi registado no hospital de San Pedro em Logroño sob uma identidade falsa, talvez para evitar que Rabat descobrisse a sua presença em Espanha. O subterfúgio não funcionou. Ghali, acusado de tortura, genocídio e violação, comparecerá, em princípio, no dia 1 de Junho perante o Juiz Santiago Pedraz, da Audiência Nacional. Tendo em conta as provas apresentadas, o magistrado decidirá se deve acusá-lo e tomar medidas cautelares [nota da tradução: recorde-se que a ação interposta por individualidades e associações ligadas ou financiadas por Marrocos surgiu na sequência da ação de genocídio interposta por entidades saharauis contra altas individualidades militares e policiais marroquinas junto da Audiência Nacional de Espanha, uma das quais viria a receber, inclusive, uma condecoração do Estado espanhol].
Margaritis Schinas, vice-presidente da Comissão Europeia
Rejeição da Frontex
Margaritis Schinas ofereceu publicamente à Espanha "meios e recursos" para melhorar o controlo fronteiriço em Ceuta e Melilla. Fabrice Leggeri, diretor da Frontex, a agência europeia de fronteiras, foi mais explícito na quinta-feira numa carta enviada ao Ministro do Interior Fernando Grande-Marlaska, como revelado pelo jornal 'El Pais'. Ele propôs "identificar as necessidades operacionais" de Espanha e estudar "a possibilidade de apoio adicional" para as suas forças de segurança.
A Frontex já tem 231 agentes na operação Indalo, que tenta controlar o fluxo migratório para Espanha através do Mar de Alborão [nota: parte mais ocidental do mar Mediterrâneo; limita a norte com a costa da Andaluzia, a sul com a costa nordeste de Marrocos e a oeste com o estreito de Gibraltar] e, desde o ano passado, 26 nas Ilhas Canárias. As suas relações com a Guardia Civil e a Polícia Nacional não são muito fluidas. As forças de segurança espanholas estão atentas à sua intromissão e consideram que o seu treino deixa algo a desejar.
Estas não serão as principais razões pelas quais a Grande-Marlaska irá provavelmente recusar a oferta de Leggeri. A implantação da Frontex nas fronteiras de Ceuta e Melilla é reforçar o carácter europeu das duas cidades, algo que desagradaria a Marrocos e que sucessivos governos espanhóis têm querido evitar. O governo de Mariano Rajoy também tentou dissuadir Ceuta em 2013 de insistir em aderir à união aduaneira europeia, da qual pediu para ser excluído em 1986 quando a Espanha aderiu à UE. A Assembleia de Ceuta votou por unanimidade, em Dezembro de 2011, para solicitar a sua incorporação nessa área aduaneira da qual o resto de Espanha faz parte. Íñigo Méndez de Vigo (PP), Secretário de Estado para a UE, viajou a Ceuta em 2013 para dissuadir o governo local, nas mãos do Partido Popular, de persistir na sua tentativa. A entrada da cidade autónoma na união aduaneira reforçaria o europeísmo da cidade e correria o risco de enfurecer o vizinho do sul.
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