sábado, 9 de novembro de 2024

Marrocos escondeu a proposta de De Mistura sobre a divisão do Sahara Ocidental durante 6 meses

 

 Sidi Mohamed Omar, representate da Frente POLISARIO na ONU e Coordenador com a MINURSO. Foto de ECSaharaui- ONU

ECSAHARAUI - 5 de novembro de 2024

● De Mistura contou-lhes (aos marroquinos) a ideia no dia 4 de abril de 2024 e, como sabemos, não fizeram qualquer declaração pública até 21 de outubro de 2024, ou seja, 6 meses depois. Os marroquinos aguardavam a reacção da Frente POLISARIO, que foi tornada pública um dia após a sessão do Conselho de Segurança.


Nova Iorque (ECS).- Com crises diplomáticas, guerra aberta no território saharaui, tensões bélicas com os seus vizinhos (...) o fiasco político de Marrocos na sequência dos acordos de “reconciliação” com a Espanha e a França, que ainda não foram plenamente desenvolvidos porque foram condicionados ao reconhecimento internacionalmente rejeitado da pretensa soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental.

A assinatura destes acordos provocou um estado de histeria colectiva na diplomacia alauíta, que lançou frentes contra todos os que se opuseram à violação da legitimidade internacional, utilizando a imigração irregular, a chantagem económica, as declarações ameaçadoras e o congelamento da cooperação bilateral em matéria de segurança para impor os seus objectivos.

Agora, com uma perspetiva bastante inflamada devido a novos e indesejados desenvolvimentos em torno do Sahara Ocidental que contradizem a retórica com que foram promovidos estes planos com Marrocos para trazer a paz à região, Rabat surge no horizonte como o principal obstáculo a uma paz duradoura na região. Para discutir estes acontecimentos e não só, contactámos o Dr. Sidi Mohamed Omar, representante da Frente Polisario na ONU e Coordenador da MINURSO, que, em entrevista a este meio de comunicação, explica a situação atual do processo de paz e os esforços do Enviado da ONU para o Sahara Ocidental, Staffan de Mistura, entre outros aspectos.


1 - Que balanço faz da última resolução 2756 do Conselho de Segurança sobre o Sahara Ocidental?

Resposta: No que diz respeito ao conteúdo da resolução e aos debates que surgiram em torno da negociação e adoção da resolução, quatro pontos principais podem ser destacados: Em primeiro lugar, o Conselho de Segurança reafirmou que a solução pacífica, justa e duradoura para o conflito do Sahara Ocidental passa necessariamente pelo exercício pelo povo saharaui do seu direito à autodeterminação, em conformidade com os princípios e objectivos da Carta das Nações Unidas.

Em segundo lugar, o Conselho de Segurança reiterou o seu apelo a uma cooperação reforçada com o Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), nomeadamente facilitando as visitas à região. Esta posição demonstra, por um lado, o crescente interesse do Conselho pelas questões dos direitos humanos e, por outro, a sua rejeição pelo facto de Marrocos, o Estado ocupante, continuar a impedir o ACNUDH de visitar o Sahara Ocidental ocupado. Além disso, esta posição reflectiu-se não só no conteúdo da resolução, mas também em declarações de Estados membros do Conselho, como a Argélia, Moçambique, Eslovénia, Suíça, Guiana, Equador, Reino Unido e República da Coreia.

Em terceiro lugar, a França empreendeu uma ampla e feroz campanha destinada a minar não só o direito do povo saharaui à autodeterminação, mas também o seu direito à resistência legítima para defender os seus direitos, ao incluir no projeto de resolução um parágrafo em que o Conselho de Segurança apelaria ao pleno respeito pela chamada “cessação das hostilidades”, ignorando o facto de que foi Marrocos, o Estado ocupante, que violou e torpedeou o cessar-fogo em 13 de novembro de 2020. Esta proposta francesa, também apoiada pelos Estados Unidos, foi liminarmente rejeitada pela Frente Polisario, que afirmava o direito do povo saharaui à autodefesa para defender os seus direitos por todos os meios legítimos, incluindo a luta armada.

Em quarto lugar, a posição firme e de princípio da Argélia como membro não permanente do Conselho de Segurança sobre a questão do Sahara Ocidental. Esta posição foi expressa com firmeza e franqueza durante os debates e a votação da resolução, em que a Argélia rejeitou a forma opaca e não consultiva como os Estados Unidos, o “penholder” (redactor), conduziram o processo de negociação do projeto de resolução, bem como o seu desrespeito pelas propostas dos Estados-Membros sobre alguns dos pontos essenciais do projeto de resolução.

O facto de a Argélia ter apresentado duas propostas sobre a questão dos direitos humanos no Sahara Ocidental ocupado para votação no Conselho de Segurança é a prova desta posição de princípio e da sua incansável defesa do direito internacional. Esta posição também expôs os membros do Conselho de Segurança que supostamente defendem os direitos humanos em todo o mundo, mas que optam pelo silêncio, pela inação e pela duplicidade de critérios quando se trata do Sahara Ocidental.

É do conhecimento geral que a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), há mais de 33 anos, não consegue cumprir integralmente o seu mandato, nomeadamente a realização de um referendo sobre a autodeterminação do povo saharaui. Em vez de dar um passo em frente nesse sentido e de tomar medidas concretas que permitam à MINURSO cumprir integralmente o seu mandato, o Conselho de Segurança, na sua nova resolução, optou por manter o status quo, o que representa um retrocesso no processo de paz no Sahara Ocidental.

 

2 - Os saharauis ficaram surpreendidos com a proposta de Mistura sobre a partilha do território saharaui? Se não, porque é que acha que os marroquinos a rejeitaram tardiamente?

O Enviado Pessoal do Secretário-Geral da ONU para o Sahara Ocidental, Staffan de Mistura, não foi o primeiro a levantar esta ideia. Ele próprio afirmou, no seu briefing ao Conselho de Segurança de 16 de outubro de 2024, que tinha revisto discretamente e alargado com todas as partes interessadas esta opção que tinha sido mencionada pelo seu antecessor, James Baker III, há mais de 20 anos.

Segundo a parte marroquina, o Enviado Pessoal falou-lhes da ideia a 4 de abril de 2024 e, como sabemos, só fizeram uma declaração pública a 21 de outubro de 2024, ou seja, 6 meses depois. Penso que os marroquinos estavam à espera da reação da Frente POLISARIO, que foi tornada pública um dia depois da reunião do Conselho de Segurança.

Sejam quais forem os motivos que levaram Marrocos, o Estado ocupante, a não reagir mais cedo, é inegável que o Estado ocupante, na sequência da sua invasão militar do Sahara Ocidental a 31 de outubro de 1975, dividiu o território com a Mauritânia, em virtude da “Convenção relativa à delimitação da fronteira estatal estabelecida entre a República Islâmica da Mauritânia e o Reino de Marrocos”, assinada em Rabat a 14 de abril de 1976. Este ato constituiu uma violação flagrante dos princípios do direito internacional e do estatuto internacional, assim como da integridade territorial do Sahara Ocidental enquanto território não autónomo em vias de descolonização.

Também não se pode esquecer o facto de o Estado ocupante continuar a dividir o Sahara Ocidental e o seu povo com o seu muro da vergonha militar há muitas décadas, o que constitui um crime contra o povo saharaui e um atentado à integridade territorial da República Saharaui (RASD).


3- Haverá uma escalada se não se registarem progressos no plano diplomático?

O povo saharaui nunca fez uma guerra de agressão contra ninguém. Pelo contrário, desde 1975, o povo saharaui tem sido vítima de contínuos actos de agressão por parte de Marrocos, o Estado ocupante, e por isso o nosso povo foi obrigado a defender-se com todos os meios legítimos, incluindo a luta armada como meio e não como um fim em si mesmo. Além disso, o povo saharaui, sob a direção da Frente Polisario, sempre esteve empenhado na paz e fez todas as concessões e sacrifícios possíveis com vista a alcançar uma solução pacífica e duradoura para a descolonização do Sahara Ocidental. Por esta razão, a Frente Polisario continua empenhada no mandato da MINURSO e no processo de paz conduzido pela ONU. No entanto, face à persistência dos actos de agressão por parte do Estado ocupante, o povo saharaui está mais determinado do que nunca a prosseguir e intensificar a sua luta de libertação e resistência por todos os meios legítimos, incluindo a luta armada, para concretizar as suas aspirações nacionais de liberdade e independência e a restauração da sua soberania sobre o conjunto do Território da República Saharaui (RASD).

Dito isto, podemos dizer que, em muitos casos, a guerra eclode devido ao fracasso da diplomacia e que, como disse Clausewitz, a guerra nada mais é do que uma continuação da política por outros meios. Marrocos, o Estado ocupante, desencadeou, com total impunidade, uma nova guerra contra o nosso povo desde novembro de 2020, e é o Estado ocupante que deve pôr fim à sua guerra e à sua ocupação ilegal de partes da nossa terra. É também da responsabilidade do Conselho de Segurança da ONU fazer tudo o que for possível para fazer avançar o processo de paz com vista a permitir que o nosso povo exerça o seu direito inalienável à autodeterminação e à independência. Se o Estado ocupante persistir na sua guerra de agressão contra o nosso povo e enquanto se mantiver a inação e a passividade do Conselho de Segurança, é muito provável que se verifique uma escalada da guerra em curso, cujas consequências porão ainda mais em perigo a paz, a segurança e a estabilidade em toda a região.

4 - O Presidente francês Emmanuel Macron prometeu, na sessão plenária do Parlamento marroquino, que defenderá a proposta marroquina nas instâncias internacionais. Que decisões tomará a Frente Polisario para limitar o papel da França no conflito?

A posição recentemente anunciada pelo Presidente francês não é nova, na medida em que se trata apenas de uma reafirmação do apoio incondicional da França a Marrocos, o Estado ocupante, desde o início do conflito do Sahara Ocidental, no qual a França continua a ser cúmplice direta. Aliás, esta posição não é surpreendente, tendo em conta os laços permanentes de interdependência entre a França e Marrocos, o Estado ocupante, que na realidade continua a ser um protetorado francês em todos os aspectos.

A declaração do presidente francês perante o parlamento marroquino não é, pois, senão uma etapa avançada da guerra diplomática francesa contra o povo saharaui e a sua justa causa ao nível europeu e internacional. Por outro lado, a explicação apresentada pelo representante permanente da França junto da ONU após a adoção da última resolução do Conselho de Segurança sobre a MINURSO expôs a intenção do governo francês de continuar a apoiar por todos os meios o Estado ocupante na sua ocupação ilegal do Sahara Ocidental.

A Frente POLISARIO, única e legítima representante do povo saharaui, continuará a sua luta por todos os meios legítimos ao seu dispor, a nível europeu e internacional, para defender os direitos do povo saharaui. Assim, nem o apoio da França ou de qualquer outro Estado ao regime marroquino deterá a marcha imparável do povo saharaui em direção à sua liberdade e independência.

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