Os socialistas passaram da defesa do direito do povo saharaui a decidir o seu futuro ao impedimento da existência do Intergrupo do Parlamento Europeu sobre o Sahara Ocidental.
Alfonso Lafarga.- Contramutis
O PSOE, o mesmo partido que desde a queda da ditadura franquista defendeu o direito do povo saharaui a decidir o seu futuro, que consagrou nas resoluções dos seus congressos e nos seus programas eleitorais, completou na Europa a sua traição àqueles que prometeu apoiar para conseguir a “autodeterminação”, que dizia ser “o direito dos povos”.
Foi um período de contínuas alusões à “responsabilidade histórica da Espanha como antiga potência colonizadora”, ao “direito à autodeterminação de acordo com as resoluções da ONU e da OUA”, a uma “descolonização pendente”, ao respeito pelo “direito internacional”, ao apoio à Frente Polisário....
Os socialistas chegaram mesmo a declarar que era “prioritário” manter a atenção e o apoio da comunidade internacional “para o respeito dos direitos humanos da população saharaui”. Mas já não o farão na Europa, tendo impedido a renovação do Intergrupo do Parlamento Europeu sobre o Sahara Ocidental com a retirada do seu apoio tradicional, como noticiaram vários órgãos de comunicação social.
“O PSOE abandonou os saharauis na UE: após 20 anos, liquida o grupo de eurodeputados que os apoia” é o título com que El Español reflete a atuação dos socialistas.
“Os saharauis estarão um pouco mais sós a partir de agora. Pela primeira vez em 20 anos, ficarão sem voz em Bruxelas. A razão: o PSOE deixou de os apoiar depois de Pedro Sánchez se ter pronunciado a favor do Plano de Autonomia do Sahara Ocidental proposto por Mohamed VI, que significa, de facto, a anexação do Sahara por Marrocos”, escreve Sonia Moreno.
Acrescenta que a retirada do apoio socialista foi fundamental para o fracasso da renovação do Intergrupo do PE sobre o Sahara Ocidental, um espaço de atenção à causa saharaui que funcionou durante as duas últimas décadas com a assinatura dos sociais-democratas europeus. Mas desta vez não foram suficientes os grupos que apoiaram a criação do intergrupo. De acordo com o Regimento do Parlamento Europeu, pelo menos três grupos parlamentares devem apoiar a criação de intergrupos e, no caso do Sahara, apenas A Esquerda e Os Verdes votaram a favor.
O jornalista inclui a denúncia de Vicent Marzà, de Compromís, membro do grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia: “Isto deve-se, entre outras coisas, às mudanças de posição do PSOE, tenho de o dizer de forma clara e vigorosa. A sua mudança de posição fez com que, ao fim de tantos anos e de tantas legislaturas, não tenha sido possível criar este intergrupo”.
Ódio e seguidores de Marrocos
Sob o título “A Polisario acusa o PSOE de bloquear o intergrupo saharaui no Europarlamento: ‘Porquê tanto ódio e tanto seguidismo de Marrocos?’, El Independiente relata as declarações de Omar Mansur, delegado do movimento de libertação nacional saharaui em Bruxelas, nas quais critica os socialistas.
“O intergrupo existe neste parlamento há mais de 20 anos. Revelou-se sempre um instrumento útil para o diálogo, para estabelecer contactos e para poder canalizar as opiniões dos saharauis, que não estão representados. Se não houve acordo este ano, é porque normalmente é necessário o aval de três grupos. Há dois grupos que apoiaram a criação deste intergrupo nesta legislatura. O grupo socialista, que, devido à maioria que o PSOE representa, não deu o seu apoio favorável à criação deste intergrupo”, lamentou Mansur.
Francisco Carrión sublinha que após uma legislatura marcada pelo escândalo «Marrocosgate» e por declarações como a do ex-ministro Juan Fernando López Aguilar sobre a necessidade de “engolir os sapos de Marrocos”, os saharauis queixam-se que Ferraz [rua onde onde se localiza a sede nacional do PSOE] está a dinamitar uma plataforma de diálogo com uma realidade que “está a cem milhas do território europeu”. “Surpreende-nos que o PSOE, que vem de um país que é a potência administrante e cujo presidente do governo é um socialista, não possa respeitar o papel que lhe foi atribuído pela ONU como potência administrante, nem a sua opinião pública, nem o seu povo, nem a democracia espanhola, que exprimiu claramente o seu apoio ao direito do povo saharaui à autodeterminação”, alega Mansur.
“Não compreendemos que qualquer instrumento e pessoa pertencente ao PSOE esteja tão zangado com os saharauis, mesmo no Parlamento Europeu, quando este é um instrumento de diálogo”, acrescentou o representante saharaui. “Não compreendemos tanto ódio, vingança ou seguidores de Marrocos”, concluiu.
A ação do PSOE no Parlamento Europeu está na linha do que fez no seu recente Congresso Federal, realizado em Sevilha, no qual omitiu as palavras “Sahara Ocidental” na Resolução Política quando se referia à antiga colónia espanhola e, num parágrafo de 56 palavras, apoiou o enviado especial da ONU (Staffan de Mistura).
A resolução do 41.º Congresso do PSOE foi tomada apesar do apelo da Juventude Socialista ao reconhecimento da República Árabe Saharaui Democrática (RASD), à semelhança do que foi feito em maio passado com a Palestina, e de várias alterações para retificar a mudança radical do primeiro-ministro a favor da soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental e regressar à posição tradicional de Espanha de apoio ao direito do povo saharaui a decidir o seu futuro.
Em 19 de janeiro de 2023, os eurodeputados do PSOE, juntamente com a extrema-direita francesa, opuseram-se à condenação do PE a Marrocos pela sua política repressiva contra jornalistas críticos, instando o regime marroquino a respeitar a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa e a garantir um julgamento justo para os jornalistas encarcerados.
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