sexta-feira, 18 de abril de 2025

Análise do autoproclamado «Plano de Autonomia Marroquino para o Sahara Ocidental»: Legalidade internacional, gestão de recursos e perspectivas democráticas




O plano de autonomia de Marrocos para o Sahara Ocidental, proposto em 2007, baseia-se numa premissa juridicamente inaceitável: parte do princípio de que Marrocos tem soberania sobre o território. Ora, o Sahara Ocidental está na lista da ONU de Territórios Não Autónomos desde 1963 e Marrocos não é a potência administrante reconhecida pelo direito internacional.

Na ausência de soberania marroquina sobre este território, qualquer iniciativa ou proposta política no quadro constitucional marroquino não tem qualquer base jurídica. Este facto coloca uma primeira grande contradição que compromete a credibilidade e a legalidade do plano.

O Plano de Autonomia Marroquino, apresentado como solução para o conflito do Sahara Ocidental, pretende conciliar um suposto direito saharaui à autodeterminação com a soberania marroquina, ao mesmo tempo que propõe um estatuto autónomo sob o controlo do Estado marroquino.

Esta iniciativa, embora apoiada por alguns actores internacionais, é amplamente criticada pelas suas incoerências jurídicas e políticas. Em particular, levanta questões sobre o cumprimento do direito internacional, a gestão equitativa dos recursos naturais e a credibilidade das garantias democráticas num contexto de abertura política limitada em Marrocos.

Este artigo examina estas dimensões à luz das normas internacionais e das realidades políticas actuais.


1. O Plano de Autonomia face ao direito internacional

1.1 O Sahara Ocidental: um território não-autónomo

O Sahara Ocidental é reconhecido pelas Nações Unidas como um território não autónomo desde 1963. De acordo com o direito internacional, a soberania sobre um território não autónomo não pode ser reivindicada unilateralmente, exceto através de um processo de autodeterminação validado por um referendo aberto e supervisionado pela ONU. Marrocos, embora militarmente presente no território desde 1975, nunca obteve o reconhecimento internacional da sua soberania sobre o Sahara Ocidental.


1.2 Os limites do plano marroquino

O plano marroquino impõe um quadro unilateral ao afirmar a soberania marroquina como ponto de partida das negociações. Esta posição é incompatível com as resoluções da ONU, nomeadamente a resolução 1514 (XV) sobre a descolonização, que apela a um processo de autodeterminação livre e transparente. O plano não inclui a possibilidade de os saharauis escolherem a independência, o que o coloca em contradição com o direito internacional.

 

2. a gestão dos recursos naturais: uma apropriação controversa

2.1 Riquezas estratégicas

O Sahara Ocidental é rico em fosfatos, recursos haliêuticos e pode conter hidrocarbonetos. Estes recursos naturais constituem uma questão central no conflito, não só para a economia local, mas também para os interesses económicos de Marrocos.


2.2 Exploração e contradições actuais

O plano de autonomia promete uma gestão parcial dos recursos naturais pelas instituições regionais. No entanto, o Estado marroquino mantém o controlo da exploração estratégica. Esta situação é contrária ao direito internacional, que estipula que os recursos de um território não autónomo devem ser utilizados em benefício exclusivo dos seus habitantes e com o seu consentimento explícito.


2.3 Jurisprudência e críticas internacionais

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e a ONU afirmaram claramente que a exploração dos recursos do Sahara Ocidental sem o consentimento dos saharauis é ilegal. Os acordos comerciais entre Marrocos e a UE, que incluíam recursos do Sahara Ocidental, foram anulados em parte por esta razão. O plano marroquino não propõe qualquer mecanismo que garanta esse consentimento, o que reforça a sua ilegitimidade.

 

3. Abertura democrática: uma falta de credibilidade

3.1 O contexto democrático marroquino

As instituições políticas marroquinas permanecem largamente centralizadas sob a autoridade do rei, que detém os poderes executivo, legislativo e religioso. As liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de expressão e de associação, são objeto de restrições. Neste contexto, a credibilidade das promessas de governação democrática para a região autónoma é prejudicada pela ausência de garantias democráticas a nível nacional.


3.2 Promessa democrática e realidade do plano

O plano de autonomia prevê a criação de órgãos regionais eleitos para gerir os assuntos saharauis. No entanto, estas instituições estariam subordinadas à soberania marroquina e à aprovação final do rei, o que limita consideravelmente a sua autonomia real. Esta abordagem é incompatível com os princípios de auto-governo tal como definidos pela legalidade internacional.

 

3.3 A questão da representação saharaui

O plano ignora em grande medida os saharauis que vivem nos campos de refugiados de Tindouf, na Argélia, e que constituem uma parte importante do povo saharaui. Sem a sua inclusão no processo, o plano carece de legitimidade democrática e política.

 

4. Uma iniciativa que põe em causa a confiança internacional

4.1. uma proposta unilateral

O plano de autonomia marroquino não foi elaborado em consulta com os saharauis nem com a Frente Polisario, representante do povo saharaui reconhecido pela ONU. Esta ausência de diálogo reforça a ideia de que se trata de uma abordagem unilateral que tem por objetivo legitimar a ocupação marroquina do território.

 

4.2 Alternativas possíveis

Uma solução duradoura para o conflito exige:

Um referendo supervisionado pela ONU que ofereça todas as opções, incluindo a independência.

Uma gestão dos recursos naturais baseada no consentimento explícito dos saharauis.

Garantias de uma governação autónoma verdadeiramente democrática, com um controlo internacional para evitar abusos.


Conclusão

O plano de autonomia marroquino enferma de fraquezas jurídicas, económicas e políticas fundamentais. Ao pressupor a soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental, viola os princípios do direito internacional e ignora as legítimas reivindicações saharauis. A sua aplicação suscita preocupações quanto à exploração dos recursos naturais e à falta de verdadeiras garantias democráticas numa região onde as tensões continuam elevadas. Uma solução duradoura exige uma abordagem verdadeiramente inclusiva que respeite os direitos dos saharauis, em conformidade com as normas internacionais.

Autor: Belgacem Merbah

 

Texto do plano de autonomia marroquino para o Sahara Ocidental AQUI

 

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