domingo, 11 de maio de 2025

A droga que nos chega de Marrocos

Fardos de haxixe apreendidos pelas autoridades portuguesas na costa do Algarve

A droga que nos chega do país de Sua Majestade Mohamed VI é notícia recorrente na nossa imprensa e televisão, mas possívelmente não nos damos conta da sua dimensão real e das implicações políticas e diplomáticas que estarão por detrás da mera traficância e proveito comercial. Não é por acaso que a generalidade das notícias nas televisões não refira com exactidão a sua proveniência, mas se limite a falar «... do Norte de África», para não provocar «susceptilidades»!

E menos conhecidas são as rotas que poderão existir, não por via marítima, mas por via aérea. Uma coisa é certa e todas as autoridades o corroboram: a quantidade apreendida de droga é apenas uma pequena parte daquela que entra no país ou que transita para outros destinos.

Em 2024, as autoridades portuguesas apreenderam aproximadamente 7.343,91 kg de canábis (haxixe), o que representa uma redução de 80,6% em relação a 2023, ano em que foram apreendidos 37.945,48 kg desta substância.

Apesar da diminuição na quantidade apreendida, o número de apreensões e de indivíduos envolvidos no tráfico de canábis foi superior ao de outras drogas. Foram identificados 4.574 intervenientes relacionados com o tráfico de canábis, dos quais 3.259 foram detidos pelas autoridades.

Estes dados constam do Relatório Anual de 2024 de Combate ao Tráfico de Estupefacientes em Portugal, apresentado pela Polícia Judiciária, que compila informações de várias entidades, incluindo a GNR, PSP, Autoridade Tributária e Aduaneira, Polícia Marítima e Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.



Os primeiros meses de 2025

Em 2025, as autoridades portuguesas realizaram várias apreensões significativas de haxixe, especialmente na região do Algarve, onde o mau tempo contribuiu para que fardos da droga dessem à costa.

11 de janeiro: A GNR apreendeu 466,7 kg de haxixe ao largo da costa entre Faro e Armação de Pêra, após detetar vários fardos à deriva no mar.

22 a 24 de janeiro: A Polícia Marítima apreendeu 369 kg de haxixe em praias dos concelhos de Faro, Portimão e Lagos, resultado de patrulhamentos intensificados devido ao mau tempo.

23 e 24 de janeiro: A GNR apreendeu mais de 93 kg de haxixe em várias praias da Costa Vicentina e do Barlavento Algarvio, incluindo as praias de Manuel Lourenço, Cordoama e Mareta.

A 26 e 27 de janeiro, os Comandos Locais da Polícia Marítima de Faro e de Portimão apreenderam 238kg de haxixe e 20 jerricans de combustível, ao largo da Costa Algarvia.

Estas apreensões totalizam aproximadamente 1.167 kg de haxixe apenas em janeiro de 2025.

Já neste mês de maio, no dia 08, elementos do Comando Local da Polícia Marítima de Vila Real de Santo António apreenderam 21 fardos de material estupefaciente, contabilizando cerca de 876 kg, durante uma ação de patrulha a sul da Barra do rio Guadiana.

É importante notar que os dados completos sobre apreensões de haxixe ao longo de todo o ano de 2025 ainda não estão disponíveis publicamente. O Relatório Anual de Combate ao Tráfico de Estupefacientes, que compila estas informações, é geralmente divulgado no primeiro trimestre do ano seguinte. Portanto, para obter uma visão abrangente das apreensões de haxixe em 2025, será necessário aguardar a publicação desse relatório em 2026.

O transporte da droga provinda do Reino de Marrocos far-se-á, em grande parte, através de uma verdadeiramente «armada» de lanchas ultrarrápidas, cada uma delas dotadas de três motores de alta potência.

Estas lanchas, frequentemente denominadas "lanchas voadoras", são equipadas com pelo menos três motores fora de borda, cada um com potência entre 200 e 300 cavalos. Esta configuração permite que as embarcações atinjam velocidades superiores a 100 km/h, facilitando a travessia rápida do Estreito de Gibraltar até às costas de Espanha e Portugal .

Em operações conjuntas entre as autoridades portuguesas e espanholas, foram apreendidas lanchas equipadas com quatro motores de 300 HP, totalizando 1.200 HP. Estas embarcações são capazes de transportar até cinco toneladas de droga e são construídas com cascos em fibra de vidro e flutuadores, otimizando a velocidade e a capacidade de carga.

Um motor de 300 cavalos Yamaha, marca muito utilizada pelos traficantes, custa nada mais nada menos que 28.000 euros. O que significa que só uma lancha rápida tem uma bateria de motorização na ordem dos 84.000 euros, o que dá uma ideia da capacidade financeira destas redes.

 


A implicação das autoridades marroquinas no tráfico de droga

Há indícios documentados de envolvimento de autoridades marroquinas no tráfico de drogas, incluindo casos que envolvem figuras políticas e membros das forças de segurança.

Em fevereiro de 2024, o narcotraficante maliano Ahmed Ben Brahim, conhecido como o “Pablo Escobar do Sahara”, depôs perante a polícia de Casablanca, implicando políticos, homens de negócios e agentes de segurança marroquinos numa rede de tráfico de haxixe. Este depoimento levou à detenção de 25 pessoas, entre as quais membros do Partido da Autenticidade e da Modernidade (PAM), funcionários públicos e juristas. O caso foi considerado um dos maiores escândalos de corrupção em Marrocos, pondo em evidência a infiltração do tráfico de droga em várias esferas do poder.

Há no entanto, a convicção na sociedade marroquina e também nos meios jornalísticos internacionais que aquilo que é apanhado na rede não passa de «peixe miúdo», não atingido as mais altas estruturas das redes presente a nível da prória Casa Real e nas Forças Armadas Reais (FAR) marroquinas, muitas das quais têm ligações às poderosas redes de tráfico de cocaína da América do Sul.

As acusações basearam-se em testemunhos de um traficante cmaliano, que alegou que os dois políticos participaram numa operação de tráfico de haxixe desde 2010 .

Recorde-se que o PAM (Partido da Autenticidade e Modernidade) - fundado em 2008 por Fouad Ali El Himma, um amigo pessoal e conselheiro do rei Mohamed VI) faz parte integrante do actual Governo marroquino, juntamento com a União Nacional de Independentes (RNI) e o Partido Istiqlal.

 

A bateria de motores de alta potência que equipa cada lancha voadora
custa na ordem dos 100.000 euros...!

Corrupção nas Forças de Segurança

Relatórios indicam que a corrupção está presente em vários níveis das forças de segurança marroquinas. Há evidências de que membros da polícia e da gendarmaria real colaboraram com redes de tráfico de haxixe, especialmente na região do Estreito de Gibraltar. A baixa remuneração dos agentes é apontada como um fator que os torna suscetíveis à corrupção. Especialistas da polícia espanhola e da Guardia Civil confirmaram casos de cumplicidade de agentes marroquinos em operações de tráfico .

Esses casos ilustram a complexidade da luta contra o tráfico de drogas em Marrocos, onde aparentes esforços de combate coexistem com desafios significativos relacionados à corrupção e envolvimento de autoridades.

De acordo com o Índice de Criminalidade Organizada de 2023, a corrupção continua a ser um problema sistémico em Marrocos, afectando em particular as agências de aplicação da lei. Agentes da polícia e membros da Gendarmaria Real foram implicados em redes de tráfico de drogas, facilitando a passagem de narcóticos, particularmente na região do Estreito de Gibraltar.

Apesar destes casos de corrupção, as autoridades marroquinas reafirmam recorrentemente que «intensificaram os seus esforços na luta contra o tráfico de droga».

Além disso, os meios de comunicação social indicaram que altos funcionários do governo marroquino estão alegadamente envolvidos no tráfico de droga, utilizando os lucros para influenciar países europeus, africanos e latino-americanos. Estes relatórios sugerem uma estratégia de investimento no tráfico de droga para obter ganhos financeiros e políticos.

O Relatório Mundial sobre Drogas de 2024, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), destaca e reafirma a contínua importância de Marrocos no cenário global do tráfico de drogas, especialmente no que diz respeito à produção e exportação de cannabis.

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