A jornalista Celia Maza, correspondente do El Confidencial em Londres publicou esta semana (04-06-2025) um interessante artigo sobre a crescente influência do lobbing marroquino no Reino Unido.
A diplomacia raramente opera a curto prazo. É um jogo de paciência e estratégia, e Marrocos soube jogar bem as suas cartas. O recente apoio do Reino Unido ao plano marroquino para o Sahara Ocidental — rompendo com décadas de alinhamento com as posições da ONU — não foi um acaso. Foi o culminar de uma ação de lobby meticulosa, desenvolvida por Rabat ao longo de vários anos em Westminster.
A jornalista lembra que o primeiro acordo comercial assinado por Londres após o Brexit foi precisamente com Marrocos, reforçando uma aliança que tem impactos diretos, inclusive em países como Espanha. Os agricultores andaluzes, por exemplo, perderam protagonismo como principais fornecedores de tomate ao mercado britânico para os produtores marroquinos.
Num cenário global instável, Marrocos tornou-se um parceiro fundamental do Reino Unido, não só no comércio, mas também em matéria de segurança e defesa - lembra. O apoio britânico ao plano de autonomia de Rabat para o Sahara Ocidental — apresentado em 2007 — coloca Londres ao lado de países como EUA, Espanha, França, Alemanha, Países Baixos e, mais recentemente, o Quénia, que historicamente apoiava a Frente Polisario. - sublinha
O governo britânico considera agora esta proposta como “a base mais credível, viável e pragmática” para uma resolução duradoura do conflito. A decisão integra-se na nova doutrina de política externa de Downing Street, o chamado “realismo progressivo”, e está associada a interesses económicos, como o acesso a projetos de investimento envolvidos com o Mundial de Futebol de 2030.
Em fevereiro, o Royal United Services Institute já destacava o papel estratégico de Marrocos no Norte de África e na região do Sahel. Como “ponte” entre o Magrebe e a África Ocidental, Rabat é vista como uma força estabilizadora, combinando diplomacia, economia e segurança. A inauguração de uma central elétrica em Niamey, no Níger, em dezembro de 2024, é um exemplo citado pela análise, pela sua contribuição para a autonomia energética do país em plena crise regional.
Porém, salienta a jornalista, a reorientação diplomática de Londres também está a gerar receios em Gibraltar, cujo estatuto pós-Brexit permanece indefinido. Rabat vê o Rochedo como um potencial rival fiscal e um concorrente nos serviços financeiros — e poderá querer explorar essa vulnerabilidade a seu favor, dizem analistas. Para Marrocos, Gibraltar não deve ser um parceiro estratégico, mas sim um ponto de influência no seu jogo geopolítico. e refere: “Curiosamente, é o apoio do Reino Unido ao direito de autodeterminação do Rochedo que impede uma relação estratégica mais estreita entre Londres e Madrid, razão pela qual a aposta de Rabat no Sahara Ocidental está agora a atrair a sua atenção. De acordo com analistas consultados por este jornal, Marrocos vê provavelmente Gibraltar como “um risco fiscal e um concorrente nos serviços financeiros que não quer”. Por isso, ao reforçar a sua posição, está a avançar na procura de uma “relação subordinada” para o Rochedo, em que este contribua, de alguma forma, para que o reino de Mohamed VI atinja os seus objectivos comerciais mais amplos”.
Desde o Brexit, Rabat tem capitalizado bem a nova relação com Londres. Em 2024, o país ocupava a 45.ª posição entre os fornecedores de bens ao Reino Unido, subindo para 44.º no primeiro trimestre de 2025. E, apesar da posição oficial britânica afirmar que cabe às empresas decidir se investem ou não no Sahara Ocidental, a diplomacia de Rabat tem vindo a abrir portas.
Depois de o Tribunal de Justiça da UE ter invalidado dois acordos comerciais entre Marrocos e a União Europeia — alegando falta de consentimento da Frente Polisario — a Confederação Geral das Empresas Marroquinas (CGEM) contratou a consultora dinamarquesa Rud Pedersen para fazer lobby em Bruxelas. Segundo o portal Africa Intelligence, esta empresa conta com ligações diretas ao governo marroquino e terá mesmo contratado a filha do ministro dos Negócios Estrangeiros, Nasser Bourita, através do escritório londrino.

A Confederação Geral das Empresas Marroquinas (CGEM) contratou a consultora dinamarquesa Rud Pedersen para fazer lobby em Bruxelas.
Analistas não descartam eventuais irregularidades, citando o volume invulgar de perguntas feitas no Parlamento britânico sobre Marrocos no último mês. Muitas dessas intervenções atacam diretamente a Frente Polisario, associando-a ao Irão e ao Hezbollah. Um dos nomes mais ativos neste esforço é o deputado conservador Andrew Murrison, ex-enviado comercial de Boris Johnson a Rabat e atual presidente do APPG Morocco, grupo parlamentar informal, mas influente.
Murrison - refere o artigo - tem pressionado o governo britânico a apoiar projetos como o ambicioso cabo submarino de 3.900 km da empresa Xlinks, que pretende ligar Marrocos ao Reino Unido com fornecimento de energia solar e eólica. A iniciativa, no entanto, enfrenta entraves relacionados com garantias de preços para atrair investidores.
Também em janeiro, refere o artigo, foi criado o grupo Labour Friends of Morocco, formado por membros do Partido Trabalhista que defendem uma relação mais próxima com a comunidade marroquina no Reino Unido — sinal claro de que a influência de Rabat atravessa o espectro político britânico.
O desfecho? Marrocos está a colher os frutos de uma estratégia diplomática persistente. Nada foi conquistado de um dia para o outro — mas tudo indica que a sua aposta no pós-Brexit britânico está a dar resultados.

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