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| Campos de refugiados saharauis na Argélia |
Autor: Pablo Fernández Fernández | 18 de dezembro de 2025
Diretor de conteúdos da Fundación porCausa (*)
Na cidade
de Dakhla, no Sahara Ocidental, novas companhias aéreas chegam ao
aeroporto, o porto cresce, resorts multiplicam-se ao longo da costa e
as nuvens de kitesurf enchem o mar. A localidade é, inclusivamente,
cenário do novo filme A Odisseia, do realizador Christopher Nolan.
Enquanto isso, do outro lado da fronteira, na Argélia, cerca de
175.000 saharauis vivem exilados em campos de refugiados, que adotam
os nomes das cidades que deixaram para trás na antiga colónia e
província espanhola do Sahara, incluindo Dakhla.
A descolonização nunca chegou ao Sahara Ocidental, administrado por Espanha desde o final do século XIX até 1975, ano em que foram assinados os Acordos Tripartidos de Madrid. Espanha retirou-se então em favor da Mauritânia e de Marrocos, sob forte pressão deste último, que organizou a Marcha Verde — ou Negra, consoante o ponto de vista —, mobilizando cerca de 350.000 civis e militares para reivindicar o território. A Mauritânia abandonou o Sahara em 1979, enquanto Marrocos construiu o segundo muro defensivo mais extenso do mundo para consolidar o seu controlo.
Antes disso,
durante o processo de descolonização africana em meados do século
XX, Espanha tentou transformar o Sahara numa província, procurando
eliminar o seu estatuto colonial perante as Nações Unidas — sem
sucesso. A ONU incluiu o território na lista de territórios não
autónomos e solicitou a realização de um referendo de
autodeterminação. Espanha anunciou que o referendo teria lugar no
primeiro semestre de 1975, mas Hassan II, então rei de Marrocos,
recorreu ao Tribunal Internacional de Justiça para reclamar um
alegado direito histórico sobre o território. O tribunal rejeitou
essa tese, confirmou o direito à autodeterminação do povo saharaui
e declarou a nulidade do Acordo Tripartido. Ainda assim, Rabat
avançou.
A ocupação desencadeou um deslocamento em
massa: entre 40.000 e 50.000 saharauis refugiaram-se na Argélia. A
Frente Polisario, movimento de libertação saharaui criado alguns
anos antes, iniciou uma guerra armada que se prolongou durante
décadas. Os acordos de paz com Marrocos, que previam a realização
de um referendo, só seriam assinados em 1991.
Espanha já tinha elaborado um censo em 1974, rejeitado por Marrocos. A ONU apresentou um novo em 1999, igualmente recusado. Em 2007, Rabat apresentou a sua alternativa: um plano de autonomia sob soberania marroquina. A Polisario opõe-se por excluir o direito à autodeterminação e, em 2020, declarou o fim do cessar-fogo. O conflito mantém-se.
De acordo com a Carta das Nações Unidas, as potências administradoras têm a obrigação de descolonizar os territórios sob a sua responsabilidade e não ficam isentas apenas por se retirarem. Assim, Espanha continua a ser a potência administrante de jure — embora não de facto — do Sahara Ocidental. Até 2022, Madrid defendia a realização do referendo sob mandato da ONU. Nesse ano, porém, deu-se uma reviravolta sem debate público nem consulta parlamentar: «Espanha considera que a proposta marroquina de autonomia apresentada em 2007 é a mais séria, credível e realista», afirmou o Governo numa carta divulgada por Rabat.
No seu primeiro mandato, Donald Trump reconheceu a soberania marroquina sobre o Sahara, e a lista de países alinhados com Rabat tem vindo a crescer. Recentemente, o Conselho de Segurança da ONU apoiou a proposta marroquina de autonomia. Até esta mudança de contexto internacional, o Tribunal de Justiça da União Europeia mantinha uma jurisprudência clara: o Sahara Ocidental não faz parte de Marrocos, anulando por isso os acordos comerciais e de pesca entre a UE e Rabat que incluíam recursos saharauis.
Marrocos precisa do rico deserto do Sahara. A sua zona de pesca faz do país o 15.º maior produtor mundial de peixe. Detém as maiores reservas globais de fosfatos, essenciais para a produção de fertilizantes, exporta grandes quantidades de areia e alberga, nas suas águas, minerais estratégicos como cobalto, lítio e terras raras, como o telúrio.
Para preservar o controlo destes recursos, Marrocos exerce influência de várias formas: instrumentaliza os fluxos migratórios — como ficou patente na tragédia de Melilha, onde pelo menos 77 pessoas desapareceram após Espanha ter prestado assistência médica ao líder da Polisario, Brahim Gali. No plano político, Rabat foi acusado de subornar eurodeputados para influenciar votações a nível europeu. A nível nacional, o Parlamento Europeu apontou Marrocos como possível responsável pela espionagem de altos responsáveis espanhóis, incluindo o presidente do Governo, através do spyware Pegasus.
Perante esta pressão e uma alegada «reserva de interesses» partilhada, impõe-se um pragmatismo que evita incomodar o vizinho. O Sahara Ocidental é o território mais extenso do mundo ainda pendente de descolonização, e 2026 será um ano decisivo: ficará claro se a via da legalidade internacional se mantém ou se o conflito evolui para uma escalada militar aberta. A população permanece dividida entre os campos de refugiados e os territórios ocupados, onde enfrenta discriminação económica e restrições políticas. Após meio século de espera, o destino do Sahara Ocidental continua por resolver.
(*)
A Fundación porCausa é uma organização espanhola sem fins
lucrativos, fundada em 2013, dedicada ao jornalismo investigativo, à
investigação e à promoção de narrativas informadas sobre
migrações e direitos humanos.

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