segunda-feira, 18 de abril de 2011

Libia e o mundo do petróleo


Noam Chomsky, conhecido intelectual norte-americano,  traça nas páginas do PUBLICO.ES um paralelo entre as revoltas nos países do Médio Oriente e Norte de África e as sempre dominantes preocupações ocidentais sobre o recurso petróleo. Afirma que foi no Sahara Ocidental que esta actual fase de contestação teve início.  

A Primavera Árabe tem raízes profundas. A região esteve em ebulição durante anos. A actual primeira onda de protestos teve início  o ano passado no Sahara Ocidental, a última colónia africana, invadida por Marrocos em 1975 e anexada ilegalmente desde então, de maneira semelhante a Timor-Leste e aos territórios ocupados por Israel.
No mês de Novembro, um protesto não violento foi sufocado pelas forças marroquinas. França interveio para bloquear uma investigação por parte do Conselho de Segurança sobre os crimes do seu Estado protegido.
Logo depois irrompeu uma chama na Tunisia que, desde então, se tem estendido para se converter numa verdadeira conflagração.
  
No mês passado chegou ao fim no Tribunal Internacional o julgamento do expresidente liberiano Charles Taylor sobre os crimes da guerra civil na Serra Leoa.

O Procurador-geral, o professor de Direito norte-americano David Crane, informou o “The Times”, de Londres, que o caso estava incompleto: os juízes pretendiam incriminar Muamar Khadafi, o qual, disse Crane, “era o responsável último pela mutilação ou o assassinato de 1,2 milhões de pessoas”.

Mas essa acusação não se veio a produzir. Os Estados Unidos, Reino Unido e outros países intervieram para a bloquear. Ao perguntarem-lhe a razão, Crane afirmou: “Bem-vindo ao mundo do petróleo”.

Outra vítima recente de Khadafi foi sir Howard Davies, o director da London School of Economics, o qual renunciou ao cargo depois de terem sido divulgados laços da escola com o ditador líbio.

Em Cambridge, Massachusetts, a Monitor Group, uma empresa de consultoria fundada pelos professores de Harvard, foi bem remunerada por vários serviços, tais como a publicação de um livro para levar as imortais palavras de Khadafi ao público “em conversa com famosos peritos internacionais”, de igual com outros esforços despendidos “para melhorar a apreciação internacional da Líbia (a de Khadafi)”.

O mundo do petróleo raramente está longe de ser o pano de fundo sobre as questões que dizem respeito a esta região

Por exemplo, quando a dimensão da derrota norte-americana no Iraque já não podia ser ocultada, a retórica foi substituída pelo anúncio sincero de objectivos políticos. Em Novembro de 2007, a Casa Branca emitiu uma Declaração de Princípios em que insistia que o Iraque deve conceder acesso e privilégio indefinidos aos invasores norte-americanos.

Dois meses depois, o presidente George W. Bush informou o Congresso de que vetaria a legislação que limitava a permanência permanente das forças armadas estado-unidenses no Iraque e “o controle por parte dos Estados Unidos dos recursos petrolíferos do Iraque”; exigências que teria que abandonar pouco depois ante a resistência iraquiana.
Os levantamentos no mundo árabe oferecem um guia útil sobre o comportamento do Ocidente com os países detentores de petróleo. Ao ditador rico em combustível, que seja um cliente de confiança, é-lhe dada rédea solta.

Houve pouca reacção quando a Arábia Saudita declarou a 5 de Março: "As leis e regulamentos do reino proíbem quaisquer manifestações, marchas e comícios, assim como a sua convocatória, porque vão contra os princípios da Sharia e os costumes e tradições sauditas". O reino mobilizou as forças de segurança, que aplicaram com estrito rigor a proibição.

No Kuwait, pequenas manifestações foram subjugadas. O punho de ferro abateu-se no Bahrein, depois de as forças militares lideradas pela Arábia Saudita terem intervido para garantir que a monarquia sunita minoritária não viesse a ser ameaçada pelas chamadas reformas democráticas.

Bahrein é sensível, não só porque alberga a 5.ª Esquadra dos EUA, mas também porque faz fronteira com áreas chiitas da Arábia Saudita, onde se encontra a maioria do petróleo do reino. Acontece que recursos energéticos primários do mundo estão localizados perto do norte do Golfo Pérsico (ou Golfo Arábico, como é conhecido pelos Árabes), predominantemente chiita, um pesadelo em potencial para os planificadores ocidentais.

No Egipto e na Tunísia, o levantamento popular conseguiu vitórias impressionantes mas, conforme relatado pela Fundação Carnegie, os regimes mantêm-se, e "aparentemente, estão decididos a refrear o impulso pró-democracia gerado até agora. Uma mudança nas elites dominantes e do sistema de governo continuam a ser uma meta distante."
A Líbia é um caso diferente, um Estado rico em petróleo dirigido por um ditador brutal, que não é confiável: um cliente digno de confiança seria muito preferível. Quando os protestos não-violentos eclodiram, Khadafi agiu rapidamente para esmagá-los.

A 22 de Março, enquanto as forças de Khadafi convergiam já para a capital rebelde de Benghazi, o principal conselheiro sobre o Médio Oriente do presidente Barack Obama, Dennis Ross, advertiu que, se houve um massacre ", todos nos culpariam por isso", uma consequência inaceitável.

E o Ocidente certamente que não queria que Khadafi aumentasse o seu poder e independência sufocando a rebelião. Os Estados Unidos apoiaram a autorização do Conselho de Segurança da ONU para criar uma "no-fly zone" (zona de exclusão aérea), que seria posta em prática pela França, Grã-Bretanha e os Estados Unidos.

A intervenção impediu um provável massacre, mas foi interpretado pela coligação como a autorização para o apoio directo aos rebeldes. Impôs-se um cessar-fogo às forças de Khadafi, mas ajudou-se os rebeldes a avançar em direcção a Ocidente. Em pouco tempo, conquistaram as principais fontes de produção de petróleo da Líbia, pelo menos temporariamente.

A 28 de Março, o jornal árabe baseado em Londres Al-Quds Al-Arabi, advertiu que a intervenção dividiria a Líbia em dois Estados: "Um Este rico em petróleo e nas mãos dos rebeldes e um Ocidente liderado por Kadhafi e mergulhado na pobreza. Desde que os poços de petróleo foram capturados, poderemos nos encontrar ante um novo emirado petroleiro líbio, escassamente povoado, protegido pelo Ocidente e muito semelhante aos emirados do Golfo ". A alternativa é que a rebelião apoiada pelo Ocidente prossiga até eliminar o ditador irritante.

É recorrente a argumentação de que o petróleo não pode ser motivo de intervenção, já que o Ocidente tem acesso ao combustível mesmo sob o regime de Khadafi, o que é verdadeiro, mas irrelevante. O mesmo poderia dizer-se em relação ao Iraque sob o regime de Saddam Hussein ou sobre o Irão e Cuba.

O que o Ocidente procura é o que Bush afirmou: o controle ou, pelo menos, clientes dignos de confiança e, no caso da Líbia, o acesso a grandes áreas inexploradas, que se esperam sejam ricas em petróleo. Documentos internos ingleses e norte-americanos insistem que o "vírus do nacionalismo"é o maior temor, pois poderia gerar desobediência.

A intervenção está sendo conduzida pelos três tradicionais poderes imperiais (ainda que pudéssemos recordar — os líbios presumivelmente não o esquecem — que, após a Primeira Guerra Mundial, a Itália levou a cabo um genocídio no leste da Líbia).

As potências ocidentais estão agindo em virtual isolamento. Os estados da região —  Turquia e Egipto — não estão dispostos a participar, assim como a África. Os ditadores do Golfo ficariam felizes em ver partir Khadafi, mas ainda que repletos de armas sofisticadas que lhes são fornecidas para reciclar os petrodólares e garantir a sua obediência, apenas oferecem não mais do que uma participação simbólica. Outros países têm posições semelhantes: Índia, Brasil e até mesmo a Alemanha.

A Primavera árabe tem raízes profundas. A região esteve em ebulição durante anos. A primeira onda actual de protestos teve início o ano passado no Sahara Ocidental, a última colónia africana, invadida por Marrocos em 1975 e anexada ilegalmente desde então, de maneira semelhante a Timor-Leste e aos territórios ocupados por Israel.

No mês de Novembro, um protesto não violento foi sufocado pelas forças marroquinas. França interveio para bloquear uma investigação por parte do Conselho de Segurança sobre os crimes do seu Estado protegido.

Logo depois irrompeu uma chama na Tunisia que, desde então, se tem estendido para se converter numa verdadeira conflagração.

Noam Chomsky (nascido na Filadélfia, Estados Unidos, 1928), linguista, filósofo, escritor e analista político, considerada uma referência intelectual para a esquerda alternativa e os movimentos antiglobalização de todo o mundo.

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