O representante da Frente Polisario na ONU, Ahmed Bukhari participou neste fim de semana no fórum “Direitos Humanos no Sahara Ocidental", organizado pelo Sahara e Cantabria, em Santander. A sua próxima paragem será em Euskadi
Ahmed Bukhari insiste que a única solução possível para o conflito no Sahara Ocidental é o retorno à ideia original: a realização de um referendo de autodeterminação, que inclua a opção de independência. No entanto, Marrocos continua a bloquear esta saída, por isso as negociações das Nações Unidas estão paralisadas ", mas ainda não entraram em colapso."
O Enviado pessoal do SG da ONU, Christopher Ross, foi sexta-feira a Madrid. Como avança a sua mediação?
O processo de negociação está parado, como resultado de uma realidade que Marrocos não quer assumir, que é o facto de a negociação não poder conduzir ao que eles querem, que é a legitimação da sua proposta de autonomia. Marrocos tinha colocado todas as suas esperanças sobre as circunstâncias de 2007-2008, quando acreditou que algumas potências, especialmente os Estados Unidos e a França, o iam ajudar no Conselho de Segurança. Eu acho que Marrocos chegou à conclusão que isso não se pode materializar. É por isso que a próxima ronda de negociações foi adiada por Marrocos até ao próximo ano. Nestas circunstâncias, Ross decidiu visitar a região. Nós aceitámos, mas Marrocos opôs-se, alegando que têm eleições. Perante esta situação, Ross decidiu visitar as capitais dos países que integram o Grupo dos Amigos da ONU para o Sahara Ocidental: Madrid, Paris, Moscovo, Londres e Washington.
Qual o papel que deve desempenhar o Estado espanhol?
A Espanha tem um papel importante a desempenhar. Até agora, a imagem apresentada por Marrocos é que há uma espécie de ‘entente’ franco-espanhola para apoiar a visão marroquina. E, portanto, há um esforço conjunto dos saharauis e da sociedade espanhola, das forças políticas, de tentar quebrar o pacto que liga a diplomacia espanhola à diplomacia francesa em relação ao Sahara Ocidental. Fomos uma colónia espanhola e não há nada mais lógico do que continuar a manter uma relação com a metrópole, uma metrópole que seja capaz de cumprir as suas obrigações, como fez Portugal em relação a Timor-Leste, colónia que abandonou precipitadamente e que depois, pela pressão do povo Português, assumiu o que não tinha assumido em 1975.
Têm considerado outras formas de pressão diplomática, como o está fazendo a Palestina, por exemplo?
A ideia dos palestinos já a havíamos considerado há dez anos. E entendemos a motivação deste movimento diplomático palestino ante o fracasso das negociações. Mas nós ainda não chegámos ainda a um colapso definitivo do processo.
É o que parece…
O colapso não é definitivo ainda, no dia em que isso acontecer teremos que repensar a nossa estratégia. Ou voltar à pressão militar, que é algo que não gostaríamos, ou levantar a questão diplomática através da postura palestina: pedir a nossa entrada na ONU.
Que esperança existe, então, que o diálogo avance…?
Há um atraso, mas o resultado da negociação, de momento, é positivo para a Frente Polisario, porque demonstrou que Marrocos não pode alcançar o que deseja. Assim, a lógica é que Marrocos comece a mostrar desinteresse, o que é o que está fazendo agora. Mas é-lhe muito difícil desligar-se unilateralmente do processo. A parte que o vier a fazer tem que pagar um preço, e foi isso que aconteceu na Palestina. Foi Israel quem pôs todos os obstáculos ao processo. Isso deu argumento para a Palestina dizer: "nós tentámos tudo, não somos responsáveis pelo impasse, é hora de fazer justiça." O que pretende Marrocos no Sahara Ocidental não é possível de alcançar, recusa-se a aceitar que não há outra saída que não seja voltar à ideia original: organizar um referendo. E na ausência de uma pressão militar ou diplomática ou de pressão interna do povo marroquino, o resultado pode ser o prolongamento do status quo. O Conselho de Segurança disse que isso é inaceitável, pelo que deve ser coerente e conduzir o processo para a direcção certa.
Até agora, a imagem apresentada por Marrocos é que há uma espécie de ‘entente’ franco-espanhola para apoiar a visão marroquina.
Pode haver uma pressão no interior do Marrocos?
Não digo que possa levar ao colapso do regime, mas existem factores, como as despesas no Sahara Ocidental, assim como o aumento reivindicações sócio-económicas do povo marroquino, num contexto em que os amigos de ontem não podem dar o dinheiro que antes davam, nem na Europa nem no Golfo Pérsico, e ante o facto óbvio de que o Marrocos não conseguiu que um único país no mundo tenha reconhecido o Sahara Ocidental como seu. Todos estes factores devem, um dia, converter-se numa força de pressão para Marrocos, para que se envolva em negociações sérias. Portanto, não creio que estejamos num ponto em que possamos dizer que o processo de negociação tenha colapsado e que todas as perspectivas alternativas tenham sido cerradas.
O que está a ocorrer em Dakhla?
Dakhla (porto pesqueiro e a terceira maior cidade do Sahara Ocidental ocupado) Tem sido palco nos últimos meses de violentas confrontações. O elemento novo na repressão exercida por Marrocos sobre a população civil do Sahara Ocidental é que mobilizou e implicou os colonos. Este é um elemento grave, porque a população saharaui e os colonos marroquinos sempre coexistiram, cada um para seu lado, mas sem se confrontarem. E Marrocos, para evitar ser visto como repressor, quer esconder-se por detrás dos civis marroquinos. São praticamente forças paramilitares, utilizadas por Marrocos para reprimir. Integram as patrulhas nocturnas conjuntas com a polícia marroquina e estão equipados com armas brancas, sob a protecção da polícia marroquina, na execução de uma caça ao saharaui.
Após o sequestro dos 3 cooperantes nos campos de refugiados saharauis, surpreendeu e perturbou o facto de organizações terroristas poderem penetrar em Tindouf. Que informações tem sobre isso?
Ficámos surpresos porque nunca houve um caso anterior. Quanto ao modus operandi, entra o modelo de converter cooperantes estrangeiros em mercadoria, que depois é vendida a organizações terroristas que pedem um resgate aos governos. Portanto, pode ser que esta operação tenha sido realizada por ladrões de cavalos, salteadores de estradas, que querem ganhar dinheiro vendendo os seus reféns a uma organização, a Al Qaeda ou essa nebulosa. A outra opção é que tenha sido uma organização terrorista quem realizou o sequestro. Até agora não há nenhuma reivindicação oficial. Outra opção é que Marrocos esteja, de uma ou outra forma envolvido, para assustar a ajuda humanitária e reafirmar um elemento essencial da sua propaganda: que a Polisario está infiltrada por organizações terroristas e que para garantir a segurança na região a única entidade que o pode fazer é Marrocos.
Tomaram medidas para garantir uma maior segurança?
Sim, temos tomado medidas draconianas. Será quase impossível nos surpreenderem novamente.
Em Dezembro, a Frente Polisario realizará o seu Congresso. Quais as questões colocadas sobre a mesa?
Há um debate legítimo, a influência da primavera árabe está aí, o que leva à ideia de uma alternância política no poder. Se bem que os tempos políticos e históricos dos outros não sejam necessariamente os nossos, somos sensíveis a este debate. O secretário-geral disse que a Frente Polisario deve considerar procurar outro secretário-geral, que seria bom para o acesso das novas gerações de saharauis às tomadas de decisão. Muitas pessoas têm aplaudido isso e algumas pessoas são contra, porque acham que a prioridade deve ser a independência, em primeiro lugar. Outra questão será se é de pôr termo ao processo de negociações na ONU e retomar a pressão militar ou continuar através da via diplomática. E também como responder às reivindicações sócio-económicas da população.
Vai viajar até Euskadi. Tem planeada alguma reunião?
Espero que para me reunir com Ibarretxe.
Ouviu o seu discurso na ONU?
A sua posição sobre o Sahara é conhecida. Gostei do seu compromisso. Para nós, pela sua presença e da de Javier Bardem, não foi uma IV Comissão como as anteriores.
Marta Martinez - segunda-feira, 7 de Novembro, 2011