quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

“O que mais me preocupa é o estado anímico atual dos jovens saharauis, que estão desesperados e querem regressar à luta armada”



Aminetou Haidar, a grande ativista dos Direitos Humanos saharaui, dá uma longa entrevista a Elisa Pavón para a RASD News. Nela aborda as conquistas, as frustrações e, também, os maiores perigos por que passa a luta de libertação na sua terra.

Do que lê, ouve ou vê nos meios de Comunicação internacionais em relação ao conflito do Sahara Ocidental em geral, o que é que mais a impressiona ou choca? E se tivesse uma varinha mágica faria para mudar definitivamente…

A.H.- O estado anímico atual dos jovens saharauis. Preocupa-me muito como defensora dos direitos humanos, como mãe, como cidadã saharaui… porque sempre tive medo de que os jovens pensassem em voltar a utilizar os instrumentos violentos para reivindicar os seus direitos legítimos. Isso requer agora 100% dos meus esforços e de todos quantos temos a responsabilidade de lhes fazer entender que essa não é a via.

Que mensagem é possível enviar a jovens que afirmam que nasceram e cresceram em conflito e que não estão dispostos a morrer submetidos, privados de liberdade ou vivendo em acampamentos de refugiados no deserto argelino?

A.H.- Repare, a mensagem que eu quero fazer chegar aos jovens saharauis é que estamos todos em luta, que é necessário que compreendam que nestes 37 anos sacrificámos muito, mas temos sempre o orgulho de ter resistido com paciência, de forma pacífica, e mantendo viva a esperança. Espero que a juventude possa seguir o exemplo dos seus pais e avós, que viveram e morreram sob a ocupação marroquina ou em condições extremas nos acampamentos, após anos duros de guerra e o arrastar de muito sofrimento.
Temos que manter, acima de tudo, que apesar de tudo isso, o povo saharaui mantém esta esperança incrível e paciência. A violência é um caminho errado, porque eles, essa juventude de homens e mulheres saharauis, são o futuro do nosso país livre. Sem eles, a nossa luta teria sido inútil.


O que diz soa um pouco a mais promessas, para que continuem acreditando que tudo acaba por chegar... Promessas de que parecem estar já cansados os jovens. Compreende a sua atitude? Compartilha a frustração que se apoderou deles?


A.H.- Percebo que o desespero é tremendo, que a frustração também… Mas trabalho sem descanso para lhes explicar que morrer como mártires defendendo a liberdade não soluciona nada…

Ouvimo-la constantemente defender que o ativismo saharaui e a resistência pacífica do povo estão dando frutos. Há alguns dias atrás, num vídeo no Facebook, falava no regresso às armas e expressava a sua "preocupação pelo facto de os jovens saharauis estarem cansados ​​de que a solução para o conflito do Sahara Ocidental seja tão lenta". Aminetou, o que realmente impulsiona esta reação tão perigosa por parte dos jovens saharauis?

A.H.- Em primeiro lugar, esse desespero de que falávamos, porque eles não alcançam ou não vêm o lado positivo da diplomacia nem valorizam de todo os progressos alcançados. Hoje em dia, graças aos esforços de muitos, é mais visível para a comunidade internacional a realidade dos direitos humanos no Sahara Ocidental, a exploração ilegal dos seus recursos naturais, a situação nos acampamentos de refugiados… Conseguimos que viessem delegações de observadores internacionais… Muitos progressos que, embora pareçam pequenos, são enormes. A juventude tem que aprender a dar valor a isto, valorizando-o na sua justa medida e entender que os sacrifícios não foram infrutíferos.

Por outro lado  — prossegue Aminetu Haidar —, influencia fortemente os diferentes graus de sofrimento experimentado pelos jovens. Os que vivem nos acampamentos de refugiados saharauis em Tindouf estão numa situação difícil, é certo, com umas condições de vida extremas, mas têm liberdade, podem expressar-se, podem dormir tranquilamente, podem estudar sem problema, não sofrem discriminação, nem torturas, nem repressão, nem insultos na escola… No entanto, na zona ocupada sofrem de outra forma, porque diariamente vivem sob o duríssimo jugo da repressão marroquina, que é evidente e visível de maneira direta e indireta. A juventude presa nos territórios ocupados está numa situação ainda mais difícil. Para eles, a morte, a vida, é-lhes igual, especialmente para aqueles submetidos a essa repressão direta, que são vítimas de violações sexuais, de ameaças, discriminação, marginalização… Não é um ambiente fácil. Não podem seguir a sua vida normal sem sequelas psicológicas. Além disso  — Aminetou levanta a cabeça e suspira — suportam tensões atrozes, de uma forma indireta, vendo um polícia, um torturador batendo nas mulheres e nas crianças, é algo muito forte que lhes fica para sempre na memória. Então, é claro, ficam-se perguntando como responder ....


Na CODESA ou na ASVDH, como trabalhais com esses jovens?

A.H.- Passamos muito tempo a tirar-lhes a ideia de recorrer à violência e conseguimos, pelo menos, que reflitam. Insistimos que têm que continuar a estudar, porque necessitamos uma sociedade civil culta, intelectual, com princípios baseados no respeito pelos direitos humanos. Há muito trabalho por fazer. Na CODESA não temos apenas objetivos a curto prazo, mas para o futuro, porque trabalhamos para construir uma sociedade baseada na convivência em que acima de tudo estão os princípios da tolerância, igualdade, respeito pelos direitos humanos, para a outra fase que é a mais difícil após a independência, a de construir e desenvolver o nosso país em liberdade.

Há poucos dias, o presidente do Observatório de Direitos Humanos de Aragão para o Sahara Ocidental, Francisco Palacios, afirmou que "o referendo está praticamente paralisado. Dado este bloqueio, que é muito pior agora do que há dez anos, a postura da Polisário passa por lançar uma ameaça ou intimidar um pouco. Mas infelizmente, isso só se resolve com o regresso às armas" — afirmava. Algo que, para ele, não tem a ver com "agressividade ou arrogância ou soberba, mas algo que é o resultado do estado de necessidade premente".
Considera que deveria haver algum tipo de intervenção por parte da Frente Polisário, a este respeito, através de representantes e delegados em vários países, para tentar acalmar as coisas e lembrar aos jovens a mensagem de resistência pacífica que sempre caracterizou a luta?

A.H.- Claro que sim, e essa é linha que marca o rumo do trabalho a seguir. Pessoalmente, tenho-me dirigido várias vezes ao Departamento de Estado dos EUA, ao Parlamento Europeu e ao Conselho de Segurança da ONU alertando de que não estão realmente a avaliar o alcance de a juventude saharaui poder vir a adotar um caminho violento para reivindicar os seus direitos. Insisto que eles poderão se arrepender de não ter resolvido o problema antes, antecipando-se a que os jovens recorram à violência e se convertem até mesmo em terroristas. A situação de silêncio mediático e político, de cumplicidade e indiferença por parte da comunidade internacional, e em particular de algumas potências, tem levado ao desespero dos jovens saharauis, que não encontram outra via de encarar a resolução do conflito.

A. Haidar, durante a greve de fome em Lanzarote

Acredita, como diz Francisco Palacios, que regressar às armas é uma via que atualmente a Frente Polisario analisa e coloca em cima da mesa?

A.H.- Não, de nenhuma maneira. A Frente Polisario defende o legítimo direito do povo saharaui à sua autodeterminação, e fá-lo reclamando o que nos outorga o Direito Internacional. Esta reclamação realiza-se pela via diplomática, política… e não se coloca sequer a possibilidade de um regresso às armas, porque não é o caminho correto nem o que o povo saharaui quis ao longo de tantos anos de luta e resistência.

A incompreensível postura do ministro de Negócios Estrangeiros espanhol, José Manuel García-Margallo, obrigando a repatriação dos voluntários cooperantes alegando argumentos não demonstrados relacionadas com iminente perigo de sequestros ou outras ações organizadas pelo terrorismo islamita presente na região. Quatro meses depois, na página web do Ministério mantem-se a recomendação de não viajar para a Argélia e, em particular, aos acampamentos de Tindouf, que os qualifica de ser “um reduto de narcotraficantes, sequestradores e terroristas islamitas”. Que diria ao Ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol em relação aos acampamentos e à situação que se vive no Sahara Ocidental?

A.H.- A minha mensagem ao ministro García-Margallo é que deve reconhecer de uma vez que o nosso sofrimento foi originado pelo grande erro histórico e uma grande cumplicidade do governo de Espanha. O que lamento é que o Governo espanhol continue a negar ao povo saharaui o direito à sua liberdade, com uma cumplicidade claríssima com Marrocos. Sinceramente, não sei se Espanha está à espera que os jovens se tornem violentos. Será que não vêm que essa violência vai afetar a região do Magreb árabe e a própria Espanha, que está a uns poucos quilómetros de nós? Não se dão conta de que vai afetar os sentimentos do movimento de solidariedade espanhol, que é enorme? Os saharauis contam com uma plataforma de amigos espanhóis muito grande... Penso que o governo espanhol deveria respeitar as opiniões dos seus cidadãos e ter em conta as suas reivindicações a favor do Sahara Ocidental.

Gdeim Izik: "durante 30 dias os saharauis
sentiram-se verdadeiramente livres..."
...e o seu brutal desmantelamento pelas forças marroquinas.

O embaixador de Espanha em Marrocos, Alberto Navarro, fez há dias umas polémicas declarações em que assegurava que “sobre o Sahara Ocidental, Espanha tem que entender que a situação nesse território já não é a 1975. Produziram-se muitas mudanças económicas e sociais. Marrocos investiu muito no Sahara, mudou a população. São elementos que temos que ter em conta para buscar uma solução para este conflito”. Aminetou, que opinião lhe merecem estas declarações?

A.H.- Na verdade, indignam-me. O embaixador é quem representa a Espanha e, portanto, oficialmente está defendendo a tese de La Moncloa (Madrid) [sede do Governo espanhol]. Esta lamentável intervenção de Navarro deixou um sentimento na sociedade saharaui de que a Espanha está, mais uma vez, a estabelecer acordos com Marrocos. Que investimentos fez Marrocos no Sahara Ocidental? O que fizeram foi bombardear uma população indefesa, cometer crimes contra a Humanidade, roubar os recursos naturais do Sahara…Espanha nunca denunciou estes factos, nenhum. Espanha é a principal responsável desta situação e defende a posição marroquina e, ainda por cima, nos diz que há que investigar os investimentos marroquinos no Sahara. Mas que investimentos? Se só roubam e roubam…

O que responderia ao embaixador de Espanha em Marrocos?

A.H.- Não vale a pena… Ao embaixador respondeu-lhe o acampamento de Gdeim Izik há 2 anos. Se tivessem havido investimentos marroquinos legais e estruturados de acordo com o Direito Internacional, não teriam saído à rua mais de 30.000 saharauis montando jaimas [tendas) para reivindicar os seus direitos sociais e económicos face a Marrocos…

Como foi vivido no interior o sentimento da causa do acampamento de Gdeim Izik?

A.H.- Não há palavras para explicar tantas emoções juntas, mas creio que nessa ocasião, os saharauis que estiveram no acampamento se sentiram verdadeiramente livres durante 30 dias. Construíram o seu Estado livre e viveram aí com total liberdade. Recolhemos testemunhos de jovens e de gente idosa, que asseguram ter vivido com tranquilidade, liberdade, com a sua cultura e as tradições … É assim que querem viver os saharauis.

Como valoriza a visita do Enviado Pessoal do SG das Nações Unidas, Christopher Ross, ao Sahara Ocidental?

A.H.- O embaixador Ross, que é um grande diplomata, esperto e muito inteligente, sentiu e viveu realmente o bloqueio informativo e político das negociações. Agora já não quer perder mais tempo e está procurando outra estratégia para poder chegar às próximas reuniões com garantias por parte de algumas potencias internacionais. Para nós esta foi uma visita muito importante, sobretudo porque transmitiu uma mensagem forte e clara ao povo marroquino em relação a que o Sahara Ocidental não é marroquino. Falou de que Marrocos não tem soberania sobre o Sahara, que é um território não autónomo que não desfrutou ainda do seu direito à autodeterminação. E isso ele deixou-o muito claro, assim como deixou claro que a sua missão é procurar uma solução imediata para o conflito.

Acredita que a sociedade civil marroquina está entendendo esta mensagem de Ross?

A.H.- O povo marroquino viveu mais de 30 anos com uma mentira, através da propaganda oficial marroquina de que o Sahara Ocidental pertence a Marrocos e que devem defender a integridade do território. Mas agora não, depois de tantos acontecimentos — a Intifada de 2005, a minha greve de fome, de Gdeim Izik —, os marroquinos dos territórios ocupados já começaram a entender que o Sahara não é marroquino e que não é verdadeira a mensagem enviada pelo seu governo. Isso mesmo dizem eles nos cafés, em todas as partes….

Qual o ponto mais positivo da visita de Ross ai Sahara Ocidental?

A.H.- Pois olha, creio que teve um ponto muito importante que foi o dos jovens terem sentido que Marrocos não tem o poder de dizer não a Ross  Foi repudiado e vetado no mês de maio e, agora, regressou com muito mais força dizendo ao governo marroquino: aqui estou eu. Isto foi um golpe de efeito e com um impacte importante entre os jovens, porque lhes deu muito ânimo. De facto, a população saharaui saiu à rua com alegria para celebrá-lo.

E o mais negativo?

A.H.- O não termos conseguido que ele refletisse a nossa pretensão de que deem mais poderes à MINURSO — Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental —, para garantir os direitos humanos do povo saharaui. A MINURSO está no Sahara é mais de 21 anos e não faz nada. É uma testemunha internacional direta e no terreno, que nada faz ante a opressão e a violência que sofremos, porque não lhe são dadas as competências necessárias para o fazer.


Os defensores dos direitos humanos no Sahara Ocidental pensaram apresentar algum tipo de alegação ao relatório final do Alto Comissariado das Nações Unidas?

A.H.- Sim. Preparámos um relatório com o que denominamos “as medidas de confiança”, que são recomendações que pedimos às Nações Unidas que tenham em consideração para garantir um ambiente pacífico e tranquilo para retomar as negociações com Marrocos. Entre elas estão, por exemplo, libertar os presos políticos; reconhecer o paradeiro dos presos  desaparecidos; outorgar liberdade de expressão ao povo saharaui; permitir as associações… Facilitar o acesso de observadores internacionais… São medidas que é necessário incluir e por isso o pedimos à ONU.

"A visita de Christopher Ross foi muito importante.
Os jovens  saharauis sentiram que Marrocos não tem o poder de dizer não a Ross..."

Aminetou, uma última mensagem que queira enviar ao povo saharaui que depositou em si e noutros defensores dos direitos humanos a confiança de reivindicar o que lhe corresponde. O que lhe diria?

A.H.- Que temos que trabalhar todos juntos para alcançar a independência, mantendo sempre a nossa dignidade e os princípios de respeito pelos direitos humanos, a tolerância e a pluralidade. É importante ter sempre em mente a recordação dos nossos pais e avós, que lutaram e lutam pela liberdade sem recorrer à violência. Temos que dar o exemplo de conseguir o nosso objetivo pela via da resistência pacífica. É o que desejo e sonho para o povo saharaui.

© Elisa Pavón: Para RASD News

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