Bachir Mustapha Sayed é
ministro de Estado, conselheiro do Presidente e responsável pelo Aparelho Político
da Frente Polisario. É, de facto, o número dois da organização. Nasceu há 58 anos
em Smara sob a colonização espanhola; foi ministro de Negócios Estrangeiros da
República Árabe Saharaui Democrática (RASD) e dirigiu várias delegações que
negociaram com Marrocos. Conversámos com ele por ocasião da sua presença na X
edição do Festival Internacional de Cinema do Sahara (FiSahara), que teve lugar
no acampamento de refugiados de Dakhla, em território argelino.
O que tem a dizer a Frente Polisario dos governos de
França, Espanha e da ONU como atores importantes neste conflito e o que se lhes
pede?
Os governos de Espanha têm
tido uma posição indecente e vergonhosa. Não só nos venderam uma vez, como nos
estão vendendo todos os anos, cada governo espanhol que vai a Marrocos acaba se
ajoelhando ante o rei marroquino. E fazem-no porque, ao contrário, o nosso povo
não se ajoelha nem renuncia ao seu direito à livre autodeterminação. Mas o governo
atual transgrediu o padrão dos anteriores. Fê-lo no debate no Conselho de Segurança,
em que os Estados Unidos apresentaram um projeto de resolução segundo o qual a
MINURSO (Missão das Nações Unidas para o referendo do Sahara Ocidental) deveria
ampliar as suas competências de vigilância do cessar-fogo para exercer também a
supervisão dos direitos humanos no Sahara Ocidental. Espanha foi um dos países
que se opôs, razão pela qual a MINURSO continua a ser a única missão da ONU que,
atualmente, não tem competência na vigilância dos direitos humanos. O governo
espanhol foi mais francófilo que o próprio governo francês. Foi também o primeiro
a retirar os cooperantes e o primeiro a abraçar o rei de Marrocos quando este estava
a reprimir os saharauis. Espanha é um governo hostil. É o governo que, como
responsabilidade, deve saldar uma dívida ética e moral com os saharauis mas, ao
contrário, continua a apoiar o criminoso.
Quanto à França, pode-se
vaticinar que há perspetivas de melhoria por uma série de razões. Em primeiro
lugar, porque o que podia sacar de Marrocos já o sacou. Por outro lado, Argélia
está nos seus melhores momentos geoestratégicos. Os franceses têm os principais
interesses na África Ocidental, onde se encontra um Sahara rodeado por
instabilidade, terrorismo e delinquência. Todos os países se encontram sob a anarquia
e instabilidade, exceto a Argélia. Isto deve gerar um certo dividendo político
para o povo saharaui.
Em relação às Nações Unidas,
temos a sensação de que os Estados Unidos estão equilibrando a sua postura no conflito
do Sahara Ocidental, o que fortaleceria o papel das Nações Unidas. Detetam-se indícios
de que na postura norte-americana há esperanças de um equilíbrio. A prova é a
visita a Argel da subsecretária de Estado dos Assuntos Exteriores, que afirmou
eles estão à mesma distância da Frente Polisario e de Marrocos. E isso é muito forte
para Marrocos.
Tudo isto indica um certo
debate em que os Estados Unidos se interrogam sobre o que ganham em apoiar Marrocos
se o pescado e os fosfatos, juntamente com o resto das riquezas do Sahara, vão
para os russos, os franceses ou os espanhóis. Temos observado que os Estados
Unidos estão muito atentos às violações de direitos humanos de Marrocos no Sahara
e no próprio Marrocos. Daí a não realização de manobras conjuntas Marrocos-USA e
a anulação da visita do rei Mohamed VI aos EUA.
Inúmeras vozes entre os saharauis defendem o retorno
às armas ante a situação de paralisia que vive o conflito, o que pensa a este respeito?
Isso deve-se à conjugação de
vários fatores. Por um lado, estamos há demasiado tempo em tréguas que não
prosperam e não oferecem nenhuma contrapartida. Por outro lado, a MINURSO
converteu-se numa sentinela do exército marroquino. A selvática repressão contra
a população civil saharaui, contra uma resistência popular pacífica leva a que
muitos saharauis reajam dizendo : o que faz a Frente Polisario aqui?, por que é
que o exército não luta?. Pela nossa parte, enquanto estimarmos que há perspetivas
de possibilidade para as Nações Unidas recuperarem a sua força, as suas capacidades
para avançar com o seu plano de paz, vamos a animar e aconselhar o respeito pela
trégua. Como já assinalei, temos também a esperança na melhoria da posição dos
Estados Unidos. Vamos dar uma oportunidade a essa perspetiva.
Como valoriza a visita de Christopher Ross, enviado do
Secretário-Geral da ONU para o Sahara, aos acampamentos e aos territórios
ocupados do Sahara Ocidental?
Ross quis visitar-nos meses
antes mas os marroquinos não colaboraram, foi a pressão de outros países que permitiu
a sua viagem. E Ross nunca adotou uma posição hostil a Marrocos nem se alinhou
com os saharauis. Coincidimos que é hora de voltar à mesa de negociações para
por à prova as vontades das partes. Marrocos, pelo contrário, está contra o avanço
da saída da paralisia do processo, querendo-o manter estancado e apresentar os
saharauis como responsáveis.
Que opinião lhe merece as recentes exumações de
vítimas civis saharauis do exército marroquino na sequência da ocupação, em
1976?
É todo um monumento de
sentidos humanitários. Graças a ele ampliou-se a comunidade humanitária e constitui,
certamente, um tremendo e transcendental golpe a todas as políticas de crime e
violação dos direitos humanos. É um ato de persuasão contra os criminosos. Só falta
que possamos chegar a outros cemitérios coletivos que se localizam por detrás
do muro, que sabemos onde estão graças a várias testemunhas.
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