segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Bachir Mustapha Sayed: “Os governos espanhóis não nos venderam uma vez, fazem-no todos os anos”



Bachir Mustapha Sayed é ministro de Estado, conselheiro do Presidente e responsável pelo Aparelho Político da Frente Polisario. É, de facto, o número dois da organização. Nasceu há 58 anos em Smara sob a colonização espanhola; foi ministro de Negócios Estrangeiros da República Árabe Saharaui Democrática (RASD) e dirigiu várias delegações que negociaram com Marrocos. Conversámos com ele por ocasião da sua presença na X edição do Festival Internacional de Cinema do Sahara (FiSahara), que teve lugar no acampamento de refugiados de Dakhla, em território argelino.

O que tem a dizer a Frente Polisario dos governos de França, Espanha e da ONU como atores importantes neste conflito e o que se lhes pede?

Os governos de Espanha têm tido uma posição indecente e vergonhosa. Não só nos venderam uma vez, como nos estão vendendo todos os anos, cada governo espanhol que vai a Marrocos acaba se ajoelhando ante o rei marroquino. E fazem-no porque, ao contrário, o nosso povo não se ajoelha nem renuncia ao seu direito à livre autodeterminação. Mas o governo atual transgrediu o padrão dos anteriores. Fê-lo no debate no Conselho de Segurança, em que os Estados Unidos apresentaram um projeto de resolução segundo o qual a MINURSO (Missão das Nações Unidas para o referendo do Sahara Ocidental) deveria ampliar as suas competências de vigilância do cessar-fogo para exercer também a supervisão dos direitos humanos no Sahara Ocidental. Espanha foi um dos países que se opôs, razão pela qual a MINURSO continua a ser a única missão da ONU que, atualmente, não tem competência na vigilância dos direitos humanos. O governo espanhol foi mais francófilo que o próprio governo francês. Foi também o primeiro a retirar os cooperantes e o primeiro a abraçar o rei de Marrocos quando este estava a reprimir os saharauis. Espanha é um governo hostil. É o governo que, como responsabilidade, deve saldar uma dívida ética e moral com os saharauis mas, ao contrário, continua a apoiar o criminoso.

Quanto à França, pode-se vaticinar que há perspetivas de melhoria por uma série de razões. Em primeiro lugar, porque o que podia sacar de Marrocos já o sacou. Por outro lado, Argélia está nos seus melhores momentos geoestratégicos. Os franceses têm os principais interesses na África Ocidental, onde se encontra um Sahara rodeado por instabilidade, terrorismo e delinquência. Todos os países se encontram sob a anarquia e instabilidade, exceto a Argélia. Isto deve gerar um certo dividendo político para o povo saharaui.
 
"Espanha é um governo hostil..."

Em relação às Nações Unidas, temos a sensação de que os Estados Unidos estão equilibrando a sua postura no conflito do Sahara Ocidental, o que fortaleceria o papel das Nações Unidas. Detetam-se indícios de que na postura norte-americana há esperanças de um equilíbrio. A prova é a visita a Argel da subsecretária de Estado dos Assuntos Exteriores, que afirmou eles estão à mesma distância da Frente Polisario e de Marrocos. E isso é muito forte para Marrocos.

Tudo isto indica um certo debate em que os Estados Unidos se interrogam sobre o que ganham em apoiar Marrocos se o pescado e os fosfatos, juntamente com o resto das riquezas do Sahara, vão para os russos, os franceses ou os espanhóis. Temos observado que os Estados Unidos estão muito atentos às violações de direitos humanos de Marrocos no Sahara e no próprio Marrocos. Daí a não realização de manobras conjuntas Marrocos-USA e a anulação da visita do rei Mohamed VI aos EUA.

Inúmeras vozes entre os saharauis defendem o retorno às armas ante a situação de paralisia que vive o conflito, o que pensa a este respeito?

Isso deve-se à conjugação de vários fatores. Por um lado, estamos há demasiado tempo em tréguas que não prosperam e não oferecem nenhuma contrapartida. Por outro lado, a MINURSO converteu-se numa sentinela do exército marroquino. A selvática repressão contra a população civil saharaui, contra uma resistência popular pacífica leva a que muitos saharauis reajam dizendo : o que faz a Frente Polisario aqui?, por que é que o exército não luta?. Pela nossa parte, enquanto estimarmos que há perspetivas de possibilidade para as Nações Unidas recuperarem a sua força, as suas capacidades para avançar com o seu plano de paz, vamos a animar e aconselhar o respeito pela trégua. Como já assinalei, temos também a esperança na melhoria da posição dos Estados Unidos. Vamos dar uma oportunidade a essa perspetiva.
 
EUA estão muito atentos às violações de DDHH
no Sahara e no próprio Marrocos


Como valoriza a visita de Christopher Ross, enviado do Secretário-Geral da ONU para o Sahara, aos acampamentos e aos territórios ocupados do Sahara Ocidental?

Ross quis visitar-nos meses antes mas os marroquinos não colaboraram, foi a pressão de outros países que permitiu a sua viagem. E Ross nunca adotou uma posição hostil a Marrocos nem se alinhou com os saharauis. Coincidimos que é hora de voltar à mesa de negociações para por à prova as vontades das partes. Marrocos, pelo contrário, está contra o avanço da saída da paralisia do processo, querendo-o manter estancado e apresentar os saharauis como responsáveis.

Que opinião lhe merece as recentes exumações de vítimas civis saharauis do exército marroquino na sequência da ocupação, em 1976?

É todo um monumento de sentidos humanitários. Graças a ele ampliou-se a comunidade humanitária e constitui, certamente, um tremendo e transcendental golpe a todas as políticas de crime e violação dos direitos humanos. É um ato de persuasão contra os criminosos. Só falta que possamos chegar a outros cemitérios coletivos que se localizam por detrás do muro, que sabemos onde estão graças a várias testemunhas.

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