sábado, 16 de novembro de 2013

Sahara ocidental : Marrocos perde seu principal apoio intelectual em Espanha


 O jornal marroquino independente "Demainonline" publica um interessante artigo da autoria de Abdelilah Gueznaya, em que se analisa a alteração de posição daquele que, em Espanha, sempre foi um dos defensores intransigentes das posições de Marrocos: Bernabé Lopez Garcia. Numa recente conferência que proferiu em Washington, Bernabé Lopez Garcia «partiu a loiça» e deixou, literalmente, muitos dos seus amigos marroquinos próximos do poder de «cabelos em pé»…
Ler todo o artigo (em Francês) aqui

Sempre defendeu Marrocos. Seu povo, seus intelectuais, sua sociedade civil e, muitas vezes, alguns dos seus responsáveis. Falamos de Bernabé Lopez Garcia, professor (reformado) da História do Islão Contemporâneo na Universidade Autónoma de Madrid, autor há longos anos de crónicas na imprensa marroquina, amigo de vários altos responsáveis marroquinos, que sempre lhe abriram as portas de par-em-par quando ele visitava Marrocos, sendo considerado, mesmo pelo Makhzen (o poder palaciano), como um amigo que sabe compreender o sentido da Realpolitik.

(…)

Na semana passada, porém, para grande surpresa de todos aqueles que o ouviam numa mesa redonda organizada pelo Think-Tank americano Wilson Center em Washington, Lopez Garcia encetou todo um novo discurso, que fez estremecer, estamos certos, os responsáveis marroquinos.

Para Lopez Garcia, Marrocos fez uma leitura ’’truncada’’ do acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de Haia, de 16 de outubro de 1975, para acionar a Marcha Verde para o Sahara Ocidental durante esse mesmo ano. Ante uma assistência de investigadores e analistas norte-americanos, Bernabé Lopez Garcia explicou que, se o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, invocou laços de lealdade entre Marrocos e uma tribo do Sahara Ocidental num momento preciso da história, o mesmo Tribunal concluiu, no entanto, que não havia “nenhum laço de soberania territorial” entre o Sahara Ocidental e Marrocos de molde a alterar a aplicação do princípio da autodeterminação ao território.

Ao que parece, os "enviados especiais" dos serviços e da Embaixada de Marrocos em Washington, vindos para ouvir e comunicar, não acreditavam no que os seus ouvidos escutavam. Confusos uns, surpreendidos outros, estavam longe de imaginar que o seu tormento não havia, no entanto, ainda chegado ao fim.

Lopez Garcia continuou o seu discurso explicando à audiência que Hassan II havia “intencionalmente” escondido a parte desta decisão legal internacional que reconhece a “inexistência de laços de soberania’' e que ele multiplicava ''as mensagens de mobilização do seu povo, repetido indefinidamente até hoje pelo discurso oficial marroquina'', apresentando o acórdão do Tribunal como uma ''vitória'' de Marrocos, na base apenas de um vínculo de lealdade entre uma tribo saharaui num dado momento da história.
 
Outubro de 1975, Tribunal Internacional de Haia:
a questão do Sahara Ocidental

Marrocos tem uma ''posição ambígua'', afirmou Bernabé Lopez Garcia, pois, por um lado, aceita negociar com a Frente Polisario, outorgando-lhe uma legitimidade e reconhecimento que é a constatação de “um problema não resolvido'' mas, por outro lado, mantém perante a sua opinião pública um “discurso rígido em que demoniza o seu adversário'' Polisario.

Lopez Garcia sublinha também que um dos obstáculos que entravam qualquer solução para a questão do Sahara Ocidental é a “desinformação'' da opinião pública marroquina sobre o assunto'','' a qual está “ausente de qualquer debate sobre a questão", sendo um dado adquirido que ''qualquer desacordo com a versão oficial é suscetível de inevitável repressão, constituí uma linha vermelha inultrapassável e uma traição punível com penas severas.'' ''O recurso constante à demonização do inimigo'' dificulta a capacidade de conciliar as posições, disse.

Referindo-se à recente retirada do embaixador marroquino na Argélia, explicou que era uma maneira de tentar, mais uma vez, "apagar a outra parte real para o conflito - os saharauis -, que Marrocos quer esconder por detrás da vizinha Argélia.'' ''Marrocos tem jogado com o tempo pensando que esse era o seu principal aliado, mas o passar de anos e anos sem que o conflito encontre uma solução complica ainda mais a questão'', reconheceu o investigador antes de concluir que ''um referendo em que os Saharauis possam expressar livremente a sua vontade parece inevitável.''

Para um amigo de Marrocos, trata-se de grande sova "amigável" que o querido professor nos dá. Como diriam alguns, com amigos destes, o Makhzen Poder Palaciano) não precisa de inimigos.

Em boa verdade, alguns próximos de Bernabé Lopez Garcia - que conheceu a ditadura de Franco e viveu a era gloriosa da chamada "transição democrática" quando a Espanha passou à democracia -, são de opinião que ele está profundamente dececionado com o reinado de treze anos de Mohamed VI e já não acredita numa "transição democrática marroquina." Repressão no Sahara, mas também no resto de Marrocos, graves violações dos direitos humanos, bloqueio da imprensa e multiplicação da corrupção fazem de Marrocos aquilo que é: um edifício simples, cuja fachada é pintada de tempo a tempo, para dar a ilusão de frescura e renovação, mas cujo interior, longe de olhares indiscretos, está apodrecido.

Autor: Abdelilah Gueznaya




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