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Sempre defendeu Marrocos. Seu povo, seus intelectuais, sua
sociedade civil e, muitas vezes, alguns dos seus responsáveis. Falamos de Bernabé
Lopez Garcia, professor (reformado) da História do Islão Contemporâneo na
Universidade Autónoma de Madrid, autor há longos anos de crónicas na imprensa
marroquina, amigo de vários altos responsáveis marroquinos, que sempre lhe
abriram as portas de par-em-par quando ele visitava Marrocos, sendo considerado,
mesmo pelo Makhzen (o poder palaciano), como um amigo que sabe compreender o
sentido da Realpolitik.
(…)
Na semana passada, porém, para grande surpresa de todos
aqueles que o ouviam numa mesa redonda organizada pelo Think-Tank americano Wilson
Center em Washington, Lopez Garcia encetou todo um novo discurso, que fez
estremecer, estamos certos, os responsáveis marroquinos.
Para Lopez Garcia, Marrocos fez uma leitura ’’truncada’’ do
acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de Haia, de 16 de outubro de 1975,
para acionar a Marcha Verde para o Sahara Ocidental durante esse mesmo ano. Ante
uma assistência de investigadores e analistas norte-americanos, Bernabé Lopez
Garcia explicou que, se o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, invocou
laços de lealdade entre Marrocos e uma tribo do Sahara Ocidental num momento preciso
da história, o mesmo Tribunal concluiu, no entanto, que não havia “nenhum laço
de soberania territorial” entre o Sahara Ocidental e Marrocos de molde a alterar
a aplicação do princípio da autodeterminação ao território.
Ao que parece, os "enviados especiais" dos
serviços e da Embaixada de Marrocos em Washington, vindos para ouvir e comunicar,
não acreditavam no que os seus ouvidos escutavam. Confusos uns, surpreendidos
outros, estavam longe de imaginar que o seu tormento não havia, no entanto,
ainda chegado ao fim.
Lopez Garcia continuou o seu discurso explicando à audiência
que Hassan II havia “intencionalmente” escondido a parte desta decisão legal
internacional que reconhece a “inexistência de laços de soberania’' e que ele
multiplicava ''as mensagens de mobilização do seu povo, repetido
indefinidamente até hoje pelo discurso oficial marroquina'', apresentando o
acórdão do Tribunal como uma ''vitória'' de Marrocos, na base apenas de um
vínculo de lealdade entre uma tribo saharaui num dado momento da história.
Marrocos tem uma ''posição ambígua'', afirmou Bernabé Lopez
Garcia, pois, por um lado, aceita negociar com a Frente Polisario, outorgando-lhe
uma legitimidade e reconhecimento que é a constatação de “um problema não
resolvido'' mas, por outro lado, mantém perante a sua opinião pública um “discurso
rígido em que demoniza o seu adversário'' Polisario.
Lopez Garcia sublinha também que um dos obstáculos que
entravam qualquer solução para a questão do Sahara Ocidental é a
“desinformação'' da opinião pública marroquina sobre o assunto'','' a qual está
“ausente de qualquer debate sobre a questão", sendo um dado adquirido que
''qualquer desacordo com a versão oficial é suscetível de inevitável repressão,
constituí uma linha vermelha inultrapassável e uma traição punível com penas
severas.'' ''O recurso constante à demonização do inimigo'' dificulta a
capacidade de conciliar as posições, disse.
Referindo-se à recente retirada do embaixador marroquino na
Argélia, explicou que era uma maneira de tentar, mais uma vez, "apagar a
outra parte real para o conflito - os saharauis -, que Marrocos quer esconder
por detrás da vizinha Argélia.'' ''Marrocos tem jogado com o tempo pensando que
esse era o seu principal aliado, mas o passar de anos e anos sem que o conflito
encontre uma solução complica ainda mais a questão'', reconheceu o investigador
antes de concluir que ''um referendo em que os Saharauis possam expressar
livremente a sua vontade parece inevitável.''
Para um amigo de Marrocos, trata-se de grande sova
"amigável" que o querido professor nos dá. Como diriam alguns, com
amigos destes, o Makhzen Poder Palaciano) não precisa de inimigos.
Em boa verdade, alguns próximos de Bernabé Lopez Garcia -
que conheceu a ditadura de Franco e viveu a era gloriosa da chamada
"transição democrática" quando a Espanha passou à democracia -, são
de opinião que ele está profundamente dececionado com o reinado de treze anos
de Mohamed VI e já não acredita numa "transição democrática
marroquina." Repressão no Sahara, mas também no resto de Marrocos, graves
violações dos direitos humanos, bloqueio da imprensa e multiplicação da
corrupção fazem de Marrocos aquilo que é: um edifício simples, cuja fachada é
pintada de tempo a tempo, para dar a ilusão de frescura e renovação, mas cujo
interior, longe de olhares indiscretos, está apodrecido.
Autor: Abdelilah Gueznaya
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