Aziza
Brahim tornou-se este ano uma autêntica estrela do género da world music. O seu
álbum "Soutak" recebeu críticas excelentes e foi muito bem acolhido pelo
público. Graças à editora discográfica Glitterbeat, a publicação croata Pot teve a oportunidade de fazer uma entrevista com a cantora
saharaui.
Lendo a sua biografia,
é interessante ver que trocou a educação em Cuba pelo estudo da música, algo
que ali não podia fazer. De onde vem esse seu amor pela música?
Na
realidade, não troquei a educação em Cuba porque passei ali nove anos estudando
o ensino secundário e pré-universitário. Nove anos em que desfrutei de um sistema
educativo de primeira qualidade, coisa que não teria sido possível se tivesse permanecido
nos acampamentos. Mas, depois de tanto tempo, tinha muita vontade de ver a minha
família e os cursos universitários que podia estudar, Direito ou Medicina, não
me motivavam para prolongar a minha estada na ilha. Se tivesse podido estudar
Música, não teria hesitado, mas dado que não tinha essa possibilidade, decidi
regressar a minha casa. O amor pela música acompanha-me desde que tenho o uso da
razão.
Foi difícil recusar a
possibilidade de ir para Cuba, sobretudo tendo em conta que naquele tempo vivia
num campo de refugiados?
Com
nove anos, eu queria ir para Cuba com todas as minhas forças, sobretudo para ir
ver a minha irmã, que tinha ido estudar um ano antes. Na altura eu não tinha muita
consciência de viver num campo de refugiados, ou o que isso significava
exatamente. Para mim, era a minha casa, o meu país, sempre tinha sido assim e eu
não conhecia outra coisa.
Ainda que esta
entrevista esteja focada na música, é impossível evitar o lado político. A
guerra no Sahara Ocidental durou mais de 15 anos. Além disso, muitos anos
depois, uma parte do povo saharaui viveu e continua a viver em campos de
refugiados. De que forma esta difícil situação se reflete na cultura de seu
povo?
Em
quase todos os aspetos, a situação do meu povo determina a cultura e a produção
artística. Possivelmente só se salvam os aspetos mais tradicionais da nossa cultura
porque permanecem conservados na memória dos nossos mais velhos. Mas as manifestações
artísticas que agora se produzem caracterizam-se por um forte sentido de resistência,
de reivindicação e de luta, pois elas são marcadas pela realidade histórica quotidiana
que sofrem os saharauis.
O filme "Wilaya"
relata os problemas do povo Saharaui. Escreveu a banda sonora da película e também
participou como atriz. Infelizmente, a película nunca foi mostrada na Croácia. Pode
falar-nos um pouco mais sobre ela? De que forma a película foi bem recebida nos
festivais? Conseguiu sensibilizar muita gente sobre este tema?
Sim,
a película “Wilaya” conta uma história de ficção de duas irmãs saharauis, muito
diferentes entre elas, que se reencontram após uma larga temporada. É uma história
muito humana e muito realista que nos faz refletir sobre a nossa situação como
seres humanos e como povo dividido entre os acampamentos, a diáspora e os territórios
ocupados. Foi muito bem recebida pelo público e pela crítica. Ganhou vários prémios
nacionais e internacionais. Espero que a possam ver dentro em breve na Croácia.
Outra artista Saharaui
conhecida é Mariem Hassan e durante um período as duas atuaram com o grupo
Leyoad. Cantaram juntas alguma vez? Pode recomendar alguns outros músicos saharauis
aos nossos leitores?
Trabalhámos
juntas no Leyoad durante um tempo, mas depois não voltámos a colaborar. Outros
músicos saharauis que recomendaria aos vossos leitores são o grupo Tiris, a
cantora Shueta e o guitarrista Nayim Alal.
Quando se fala da
‘música do deserto', Tinariwen, Tamikrest, Bombino são alguns dos artistas Tuaregues
conhecidos no mundo. Quais as semelhanças e as diferenças entre a música dos Tuaregues
e a dos Saharauis?
É
uma pergunta difícil, porque para lá das generalizações estão as peculiaridades
de cada artista. Acho que as semelhanças se centram nas raízes africanas de ambas
e as diferenças em algumas ‘nuances’ rítmicas. Quando ouço a música tuaregue, o
som das guitarras e o ritmo que induz a uma espécie de transe aproximam-me da
música do meu país. Mas a música tradicional saharaui rege-se pela variações do
Haul que determina ritmos específicos no Tabal. Outra diferença importante é a
linguagem dos textos – enquanto eles cantam em Tamasheq, nós fazemo-lo em Hassania,
o nosso dialeto da língua árabe.
O seu disco
"Soutak" foi gravado com músicos do Mali e de Espanha, e nele, além da
música tradicional Saharaui/africana há também muitas influências de flamenco. Donde
surge a ideia por esta mistura?
Quando
faço uma canção, não parto de um propósito abstrato, mas de uma melodia. As
melodias que imagino estão influenciadas pela música que escuto. Gosto muito
das música de raiz e, portanto, não é surpreendente que o resultado final de “Soutak” agrupe influências de diferentes
músicas.
A canção "Julud"
foi eleita como um dos êxitos do álbum. Pessoalmente creio que é uma das canções
mais belas que ouvi este ano, mas poucos sabem que a canção é dedicada à sua mãe.
Pode dizer-nos mais sobre as origens desta canção?
Muito
obrigado. É verdade que é uma canção dedicada à minha mãe. Quis expressar-lhe o
que ela significa na minha vida, é um agradecimento por tudo o que ela fez por mim
e pelos meus irmãos. É uma homenagem também às mulheres saharauis. Um
reconhecimento à luta incansável e à sua capacidade de superação frente a todos
os obstáculos de uma vida marcada pelo êxodo e a dificuldade de construir um
país no exílio, assim como a sua contribuição para a
manutenção e conservação da cultura saharaui.
O resto do álbum, em grande
parte, também trata os problemas com que se confronta a sua nação. A situação
no Sahara Ocidental está melhorando?
Lamentavelmente,
a situação não melhora, antes se agrava porque estamos submetidos a um esquecimento
absoluto. A cada dia que passa, os saharauis continuam condenados a subsistir
nos campos de refugiados ou sob os rigores de uma ocupação ilegal e totalmente
repressiva. Penso que melhorará no dia em que forem respeitadas cada uma das
resoluções das Nações Unidas para o processo de paz na região e em que nós Saharauis
possamos decidir o nosso destino num referendo sobre a autodeterminação.
O seu novo álbum foi produzido
por Chris Eckman e gravado ao vivo. Como foi a experiencia de trabalhar com Chris
Eckman? O que trouxe ele ao álbum como produtor?
Trabalhar
com um produtor da estatura de Chris Eckman é uma sorte e supõe uma experiência
fantástica de crescimento pessoal e profissional. Ele foi muito generoso em se
comunicar comigo e estivemos perfeitamente de acordo sobre como abordar o
disco. Ele deu ao álbum a sua grande sabedoria como produtor, sobretudo através
de um processo de trabalho particularmente eficiente, tanto na produção como na
mistura.
Imediatamente após a
sua aparição, "Soutak" recebeu críticas excelentes, e permaneceu no primeiro
lugar do ranking de êxitos da WMCE três meses seguidos. Esperava ter tanto êxito?
Sinceramente,
foi uma surpresa e uma grande alegria. Emocionei-me com cada uma das críticas
que li sobre o meu álbum. Não esperava que Soutak estivesse tantos meses no
primeiro lugar da WMCE e agradeço muito a todos ouvintes que apoiaram o meu trabalho,
assim como aos locutores que nele votaram para que permanecesse três meses
seguidos nessa posição da lista.
Mudou alguma coisa na
sua vida depois do êxito deste álbum?
Sinto-me
mais reconhecida como artista, mais apreciada e mais satisfeita, claro está. O
êxito de Soutak dá-me ânimo para continuar a trabalhar em próximos projetos.
A Aziza faz muitas atuações
ao vivo. Há alguma possibilidade de vir a dar um concerto em algum local da ex-Jugoslávia?
Seria
genial atuar aí, assim os promotores e o público estejam interessados.
O género de world
music está a ganhar cada vez mais popularidade no mundo e os músicos que
interpretam música baseada na tradição do seu povo podem hoje em dia encontrar
más facilmente vias para chegar ao público nos cantos mais remotos do globo mesmo
que não entendam a sua língua. Como comenta?
O
velho lema de “Pensa globalmente, atua localmente” tem a sua versão musical. A
música autêntica, de raiz, chega cada vez a mais gente em torno do planeta. Isto
é enriquecedor tanto para os artistas como para o público porque supõe um maior
grau de empatia com sensibilidades e culturas de outros povos. E isto demonstra,
uma vez mais, que a música é uma linguagem universal.
Tradução
para o espanhol: Andrea Rožić & Minela Fulurija
Foto:
Guillem Moreno
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